Ilha 6 — Faróis e faroleiros: mapas, portos, rotas e travessias


ILHA 6
FARÓIS
E FAROLEIROS:
MAPAS,
PORTOS,
ROTAS
E TRAVESSIAS
Lúcia Sá Rebello,
Rita Lenira de Freitas Bittencourt
e Elizamari Rodrigues Becker


No contexto do arquipélago e dos trânsitos pós-coloniais, o farol, símbolo da determinação humana de conquistar os espaços mais inóspitos, é a luz que orienta para o caminho seguro, para a direção certa, para o destino pretendido. Arquitetura contumaz de toda ilha, o farol expressa, manifesta, tem linguagem própria – uma linguagem luminosa universal de refrações sincronizadas em conjuntos de prismas. Numa perspectiva mais ampla de intertextualidade e de interdisciplinaridade, o arquipélago literário amplamente navegável tem na torre resiliente uma autoridade sobre as travessias que, mesmo quando dentro das rotas, são sempre perigosas e imprevisíveis. Esse luzeiro orientador e mediador possui toda uma mecânica de funcionamento que evoluiu com o curso da história e com a introdução das lentes de Fresnel, do rádio e, mais recentemente, da automação completa. A participação humana gradativamente tornou-se desnecessária, e o farol, antigo monastério do faroleiro, deixou de ser guarnecido, e passou a contar com manutenções esporádicas e, em algumas nações, com o apoio coadjuvante das guardas-costeiras, como Estados Unidos, Canadá, Argentina etc., alguns faróis tornaram-se monumentos, como é o caso da Estátua da Liberdade, e outros, tormentos, como o da Ilha de Flannan. Este simpósio busca reunir a temática do farol nas manifestações literárias e artísticas como metáfora da expansão global em suas variadas historicidades e perspectivas – a de faroleiros, marinheiros, navegadores e embarcados, a de visitantes, turistas e curiosos – ou em seus múltiplos significados – temática universal, trânsitos e rotas – ou em suas materialidades – estrutura inanimada, torre de vigia, mas que possui uma silhueta dramática e humana instigante – ou ainda em suas ambivalências – confinamento e aprisionamento de uns, liberdade e espírito expedicionário de outros.


HORÁRIOS E LOCAIS DAS COMUNICAÇÕES

I. 9 de outubro, das 11h30min às 13h — LOCAL: SALA 210

I.1 Mapas moventes: deslizamentos na literatura nacional, Ana Lígia Leite e Aguiar
I.2 Erotismo e Repetição em As Palavras do Corpo, de Maria Teresa Horta, Rita Lenira de Freitas Bittencourt
I.3 Percursos da ausência: rotas de uma correspondência extraviada, Rodrigo Jorge Ribeiro Neves
I.4 Poesia contemporânea brasileira: o intervalo entre luz e escuridão, Nilcéia Valdati

II. 9 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA 106

II.1 O recipiente da abelha era vermelho, André Winter Noble
II.2 Cinema adaptado e narração à deriva, Carlos Alberto Ossanes Nunes
II.3 Nem toda a luz orienta, nem todo o vento perturba: análise da influência dos elementos fogo e ar na movimentação das personagens em O Morro dos Ventos Uivantes e Jane Eyre, Caroline Navarrina de Moura
II.4 O farol de Kipling: analogia de um ato de recepção, Elizamari Rodrigues Becker

III. 10 de outubro, das 10h às 11h30min — LOCAL: SALA 210

III.1 Deslocamento de si: breve reflexão sobre as viagens em Jose Leonilson, Ana Lucia Beck
III.2 Gabriel Garcia Márquez, matriz de releituras: um estudo das adaptações de sua obra, Celso Augusto Uequed Pitol
III.3 Mapas-sentidos na poesia brasileira contemporânea, Douglas Rosa da Silva

IV. 10 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA 106

IV.1 Graciliano Ramos: um farol de resistência, Gabriela Rocha Rodrigues
IV.2 Intertextualidades entre literatura e história: um farol no pampa, Letícia Sangaletti
IV.3 Entre a luz e a loucura: colonização e aprisionamento de Bertha a partir da narrativa de Jean Rhys, Lis Yana de Lima Martinez
IV.4 Trauma, testemunho e espaço: Auschwitz e Kolimá, Lucas Demingos de Oliveira

V. 11 de outubro, das 11h30min às 13h — LOCAL: SALA 215

V.1 Narrar das/nas sombras: ressignificações da Coréia no pós-Guerra em Chinatown (중국거리/ Jungkuk geori) de Oh Jung-hee, Melissa Rubio dos Santos
V.2 Mare finito: a representação marítima como ruína em Anéis de Saturno, de W. G. Sebald, Priscilla Oliveira Pinto de Campos
V.3 O eu e os outros — a construção da alteridade em Enclausurado, de Ian McEwan, Roseane Graziele da Silva e Samara Alves
V.4 Civilização e barbárie e a noção de fronteira em Calunga, de Jorge de Lima e no conto O Sul, de Jorge Luis Borges, Lúcia Sá Rebello
V.5 Medeia: do mito à realidade contemporânea, Eduardo Pereira Machado


RESUMOS DAS COMUNICAÇÕES

I. 9 de outubro, das 11h30min às 13h — LOCAL: SALA 210

I.1 Mapas moventes: deslizamentos na literatura nacional
Ana Lígia Leite e Aguiar, analigialeite@gmail.com

Revisitações à memória cultural nacional têm sido cada vez mais frequentes no cenário da literatura e da cultura brasileira contemporânea. Tais revisitações alteram os modos de interpretação da cultura, propõem novos obstáculos para o leitor, desafiam a ordem historiográfica deslocando as formas de enunciação para eixos estético-políticos que não desejam mais – ou somente – a formação de novas gerações, mas que primam por uma existência muito mais constelar e divergente. Para tanto, os a(u)tores sociais – conceito bastante conhecido na cena literária nacional – operam com a identidade de forma estratégica e fissuram os mapas identitários que tentaram engessar o brasileiro em uma formato pacífico, se pensarmos em alguns séculos, e cordial, se pensarmos em algumas décadas. O que se entrevê no contexto da Literatura Brasileira Contemporânea é um diálogo cada vez mais híbrido e vivo, tendo em vista sua contaminação por outros campos artísticos e os modos como os leitores reagem a literaturas que não pretendem atender às expectativas do que se compreende como sendo literatura. Dessa forma, um certo corpo literário tem-se tornado cada vez mais dissidente, ao mesmo tempo em que atua de forma a alterar o passado, o presente e o futuro. Os deslizamentos, nesse sentido, provocados por uma instabilidade muito bem-vinda ao nosso campo, alteram os mapas históricos, rearranjando lugares que antes pareciam fixados no tempo e no espaço. A arte de Rosana Paulino, que dialoga abertamente com o cientificismo da escravidão; de Nelson Maca, em sua obra Gramática da Ira; de Marília Garcia, em Um teste de resistores, cuja questão é exatamente se a poesia é uma forma de resistência;de Flávio Cerqueira, artista que foca na amnésia nacional e em suas consequências, enfim, são alguns exemplos de artistas que operam no limite de se conceber a poesia como história cultural e a arte como possibilidade de reescrita da história, seja ela recente ou secular, arejando frestas e servindo de farol.

I.2 Erotismo e Repetição em As Palavras do Corpo, de Maria Teresa Horta, Rita Lenira de Freitas Bittencourt, rita.lenira@ufrgs.br

Em sua Antologia de Poesia Erótica, subtítulo da obra publicada em 2012, a poeta portuguesa Maria Teresa Horta trabalha um suporte que é carne, corpo, e que também é palavra. O conjunto de poemas monta um trabalho de dicção pacientemente elaborado: uma experiência de criação de modos de dizer com matéria híbrida. Promove a invenção – a definição de um fazer deformante, um esparramar-se – na cama, na página, no livro, nos textos – nos quais um sujeito feminino é capaz de colocar-se, performaticamente. O resultado, entre o investigativo e o mercadológico, sugere uma pesquisa sobre a experiência sensível articulada ao labor solitário, ou a exposição, passo a passo, de uma receita, a quente e a frio, que atrai o(a) leitor(a) e manipula elementos de quase impossível dizer, tocando os sentidos e, igualmente, os excedendo, porque tende ao artifício. Por um lado (e por condição), a escritura das mulheres convoca ficção e sobrevivência, ou é ficção de sobrevivência, embora já se saiba, com Marguerite Duras, que a escrita de si não substitui nada, não ajuda a viver, e que, no caso do erotismo, suplemente e garanta a vida, prolongando-a no/pelo ato de escrever, pulsante e ativa no/pelo ato de escrever. Nos limites, como na voz de Sherazade, que toda a noite assegura, diferida, a própria enunciação futura, ou nos gestos subterrâneos da menina Anne Frank, em traços trêmulos no escuro, a poesia torna-se a negociação da vida pela escrita e, ao mesmo tempo, sua contra face trágica: promete o que não consegue cumprir e, igualmente, confessa, exibe, a impotência do que nem deveria ser promessa. O que talvez seja apenas um jogo da escrita, um leve bater de asas, um desvio muito sutil que convoca os corpos das palavras, ou os corpos-palavras, assim, tensos e tomados pelo gozo, a falar do “outro”, do “eu”, de “si” e da impossibilidade de tudo isso; e, por tudo isso, a falar, metricamente e sem medidas.

I.3 Percursos da ausência: rotas de uma correspondência extraviada
Rodrigo Jorge Ribeiro Neves, rodrigorjrn@gmail.com

Uma das condições da relação dialógica é a presença de dois ou mais interlocutores. No diálogo epistolar, espera-se, em princípio, o estabelecimento dos mesmos atores de uma conversa, contudo, as dimensões em que são articulados os elementos característicos da comunicação pela carta demandam outras condições, reconfigurando os modos de reconstituição desse diálogo. Na correspondência de Mário de Andrade e Carlos Lacerda, entre 1933 e 1945, constatamos algo incomum quando se trata de arrolar as missivas do escritor paulista com quaisquer de seus correspondentes. De um total de 38 cartas, temos 33 de Lacerda e apenas 5 de Mário, duas delas não enviadas. O jornalista carioca esclarece a inusitada lacuna como consequência de uma perseguição sofrida em seus anos de militância política. Como reconstituir uma correspondência eivada de fendas e penumbras? Como reconstruir uma peça em estilhaços? Como refazer uma rota de caminhos interrompidos, pontes em ruínas e escadarias sem alguns de seus degraus? Embora um dos pressupostos da correspondência seja a comunicação postal, a carta precede o envelope, portanto, ao escrever o cabeçalho e a saudação, o missivista risca (e põe em risco) o primeiro traço do mapa que o conduz ao outro, com quem constitui uma permutável e cambiante geografia discursiva. Assim, a comunicação busca refletir e discutir os impasses teóricos e metodológicos de uma espécie de epistolografia em ruína, em que os manuscritos sobreviventes e extraviados das cartas reverberam-se nos deslocamentos dos sujeitos epistolográficos em seus percursos.

I.4 Poesia contemporânea brasileira: o intervalo entre luz e escuridão
Nilcéia Valdati, valdati@gmail.com

Se o farol lança uma luz no escuro da noite para guiar seus navegantes, o que reserva a imensidão do breu para o que não é atingido por este facho de luz? O que essa escuridão lança enquanto jogo alegórico e factual sobre a poesia brasileira contemporânea publicada nos últimos anos? Se olharmos para trás, veremos que a poesia brasileira caminha há muitos séculos nesse jogo de escuridão e luzes, Gonçalves de Magalhães, já no século XIX, ao verificar as condições para a produção poética nos períodos anteriores, em seu manifesto em defesa da poesia romântica, fala em pirilampos que no meio das trevas fosforeciam. Giorgio Agamben, em O que é o contemporâneo (2009), diz que o poeta deve manter fixo o seu olhar no tempo para ver não as luzes, mas o escuro, como aquele que consegue apreender o contemporâneo, pois todos os tempos são, para quem consegue experimentar a contemporaneidade, obscuros (AGAMBEN, 2009).  Já Derrida, como resposta para “Cos’è la poesia?” (2001), lança o “ouriço” na estrada como metáfora, imagem, ser, figura da poesia, o qual pode ser atingido por um carro, ou poderíamos inferir, pela luz do farol. Assim, ao vermos lançado Pra que poetas em tempos de terrorismo (2017), de Alberto Pucheu, cujos poemas abrem um diálogo com referências do cotidiano, do contexto político, econômico e social do Brasil na atualidade, algumas perguntas insistem em aparecer no nosso presente: que dispositivos podem ser acionados na leitura de seus poemas para que o “ouriço” em terra firme consiga lidar com a exposição à luz? Como a voz que nasce nos poemas se monta e o que ela profere para o escuro do tempo presente que escapa à luz dos faróis?

II. 9 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA 106

II.1 O recipiente da abelha era vermelho
André Winter Noble, kunstwinn@gmail.com

O texto a seguir parte dos textos Estação Carandiru (livro), de Dráuzio Varella e Carandiru (filme), dirigido pelo cineasta brasileiro Héctor Babenco a partir do livro supracitado, cineasta o qual realça as questões aqui destacadas, particularidades que fazem deEstação Carandiru e Carandiru, obras as quais passíveis de serem chamadas de “díptico”: textos fílmico e literário, um Díptico-Carandiru. Além de caráter díptico, esses textos podem ser considerados como uma espécie de cenotáfio, posto que, tal como a instalação 111, de Nuno Ramos, erguem monumentos não apenas para identificar as vítimas de uma tragédia como também para denunciar as condições que levam a elas. Esse Díptico-Carandiru, funciona, portanto, como cenotáfios siameses, como escombros escorados. Escombros estes que, justapostos, impedem que ambos esparramem-se no chão ou cova do esquecimento. Estação Carandiru, nome que, até 1999, era destinado única e exclusivamente à estação ferroviária vizinha à Casa de Detenção de São Paulo, desde essa data, passa também a indicar o livro homônimo do escritor e médico Dráuzio Varella. Como o próprio autor relata na abertura do livro: Neste livro procuro mostrar que a perda da liberdade e a restrição do espaço físico não conduzem à barbárie, ao contrário do que muitos pensam (p. 11). Nesse sentido, tal como a passagem do túnel atrás da imagem de Nossa Senhora Aparecida (p. 96-97), fuga a qual proporcionou a escapada de 63 detentos, também Drauzio Varella e Héctor Babenco, com as obras Estação Carandiru e Carandiru permitem a fuga discursiva de um sem número de detentos. Os autores, ao nos fornecerem e reforçarem o relato, cavam também um túnel que leva o discurso de muitos daqueles sujeitos de volta para o mundo; é, portanto, lapidada e garimpada a humanidade dos sujeitos ao longo das narrativas e, ao final, nas peneiras de papel – ou lona, ainda que as subjetividades permaneçam maculadas por sangue e espuma, os autores nos expõem um relato que transcende toda e qualquer tentativa de definição do habitante do cárcere. Carandiru, nesse caso, não corresponde a um recipiente feito da espécie de palmeira Carandá, como propõe a palavra tupi-guarani, mas Carandiru é aqui um recipiente que, criado pelo Estado, tal como uma urna funerária, guardou e, discursivamente, ainda faz jazer, restos de voz e carne.

II.2 Cinema adaptado e narração à deriva
Carlos Alberto Ossanes Nunes, carlos.ossanes@ufrgs.br

A filmografia derivada da literatura, espaço de trânsito entre o texto imagético e o discursivo, sofre com a violência do conceito de pureza da arte. Esse produto não pertenceria, assim, à literatura ou ao cinema. O projetor, farol guia da narrativa cinematográfica, aponta, na escuridão do espaço da narração, o oceano semiótico em que navega, sem chegar à margem do continente, a adaptação fílmica. Derivar, nesse sentido, é navegar continuamente nessa descoberta, sem encontrar uma síntese que a simplifique (que a reduza). Esse texto literário, que não tem razão de suportar sua versão audiovisual, não pode, portanto, ser base, pois não põe em desequilíbrio a fundação que existe apesar dele. A inexistência da origem, perdida no palimpsesto ou mesmo posta em xeque com a disseminação discursiva, clareia o percurso de entendimento desse cinema impuro como arte. Assim, não tem de haver uma fonte – no sentido da de Hipocrene – que reúna em si própria a verdade absoluta da narrativa; um livro não pode esgotar, como única maneira de narrar, a sua diegese. O percurso desse trabalho será, portanto, de seguir esses traços encontrados na impureza da adaptação, elaborando comentários sobre as relações visíveis e subjacentes dos elementos entre o texto e a tela em um pequeno recorte de obras fílmicas contemporâneas. Nesse ensaio, que pretende também dialogar sobre a experiência do cinema no contemporâneo de imersão digital, será trabalhada a perspectiva da imagem como o meio de leitura desse contemporâneo e a sobrevida desse projetor, desenhado tecnicamente como farol dos navegadores fílmicos, ao reinventar a maneira de narrar histórias. Para dar auxílio a essa análise serão utilizadas das reflexões sobre transtextualidade elaboradas por Gerard Genette, sobre o cinema impuro realizadas por André Bazin, sobre a perda da aura na reprodutibilidade técnica, feitas por Walter Benjamin e sobre as mortes do cinema, elencadas por André Gaudreault, bem como de outros autores que conversam sobre a subjetividade no processo de adaptação, a exemplo de Robert Stam.

II.3 Nem toda a luz orienta, nem todo o vento perturba: análise da influência dos elementos fogo e ar na movimentação das personagens em O Morro dos Ventos Uivantes e Jane Eyre
Caroline Navarrina de Moura, carolinenmoura@yahoo.com.br

Este trabalho, em um constante diálogo entre Filosofia, Psicologia e Literatura, parte da premissa jungiana de que o homem utiliza imagens para expressar as ideias que se encontram em seu consciente (JUNG,1964). Imagens, estas, que, com o desenvolvimento e a evolução da comunicação humana, tornaram-se cada vez mais concretas para exprimir os pensamentos mais abstratos. Para formá-las, serviram de base os elementos primitivos, fogo, ar, água e terra, sendo os dois primeiros o verdadeiro foco desta pesquisa, visto que o professor e filósofo francês Gaston Bachelard, em sua poética dos elementos, afirma que os problemas psicológicos que enfrentamos ao decorrer de nossas vidas provêm de nossa relação e atitudes para com estes elementos (1968). Considerando que as irmãs Brontë, Emily e Charlotte, tornaram-se mundialmente conhecidas por meio do gênero romance, que surge no âmbito literário, fazendo emergir uma nova estética mais realista que passou a retratar os conflitos e as contradições de personagens cotidianos, a combinação com o gênero gótico é uma consequência, visto que é a maneira pela qual essas incongruências morais serão devidamente descritas. O elemento gótico é baseado no conceito freudiano do estranho (1925), estendido pelo conceito da professora e téorica Eve Kosofsky Sedgwick (1986), que argumenta que esse elemento se encontra nas interrelações das personagens, segundo os aspectos estruturais, psicológicos e fenomenológicos do gênero. O objetivo desta pesquisa, então, é analisar o elemento gótico mais significante, o psicológico, observando a trajetória das heroínas de dois romances vitorianos, Catherine Earnshaw e Jane Eyre, de acordo com seus movimentos e suas mudanças constantes que experimentam com cada decisão que devem fazer ao longo de suas narrativas. Assim, o fogo elementar, apresentando três dicotomias paradoxais – bom e mal, nascimento e morte, e pureza e impureza - está embutido na personalidade de Heathcliff, que serve como o farol que desorienta Catherine, simbolizando a primeira proibição geral de seu crescimento mental. Enquanto, o elemento básico ar encontra-se na personalidade de Jane, que, por se parecer tão dinâmica quanto, apoia-se na verticalidade de sua expedição em busca de seu crescimento gradual, afastando-se da escuridão que a empurra para baixo e aproximando-se da luz que permite o impulso necessário para sua ascensão. 

II.4 O farol de Kipling: analogia de um ato de recepção
Elizamari Rodrigues Becker, elizamari.rodrigues@ufrgs.br

Este trabalho pretende mostrar como um conto de Rudyard Kipling sobre farol, “The Disturber of Traffic”, inspirou Monteiro Lobato e lhe rendeu não só como tema de alguns de seus primeiros contos publicados, mas também como baliza autocrítica para seu impulso criativo, em releituras bem documentadas, como é o caso do conto que abre Urupês, “Os faroleiros”, e de diversos outros textos e referências críticas contidos na rica literatura epistolar reunida em A Barca de Gleyre.  No contraste do escopo de duas obras literárias, a de Kipling e a de Monteiro Lobato, vê-se o farol representando um ambiente de isolamento e de tensões muito peculiares, como resultado da rotina de seus ocupantes faroleiros, e vê-se o farol figurando como emblema da recepção literária de um escritor forte por um escritor de uma literatura emergente e em processo de confessa consolidação, que busca naquele primeiro orientação, rumo e luz para travessias de amadurecimento de uma escritura expressivamente revisionista, devolutiva e metaliterária. A imponência de sua arquitetura resiliente, sua elevada condição utilitária, sua monumental autoridade na demarcação territorial das costas, sua elevação como portento da tecnologia de navegação e como obelisco simbólico do salvo conduto – todos esses são fatores que possivelmente podem explicar porque o farol tornou-se um tema de relativa recorrência na literatura mundial, inúmeras vezes metaforicamente representado como instrumento norteador e inspirador para aqueles que o avistam, mas também algumas vezes representativo de encarceramento e isolamento debilitante e degenerativo para aqueles que o manejam ou habitam. Cumpre verificar neste estudo como uma temática comum aos dois escritores em pauta é percebida e esteticamente representada e como se torna ícone de travessias intertextuais.

III. 10 de outubro, das 10h às 11h30min — LOCAL: SALA 210

III.1 Deslocamento de si: breve reflexão sobre as viagens em Jose Leonilson
Ana Lucia Beck, analuciabeck@gmail.com

As viagens foram elemento crucial para a produção do artista plástico brasileiro Jose Leonilson (1957-1993), cuja obra é conhecida especialmente em função de sua dimensão emocional e afetiva, bem como pela presença de elementos verbais tais como poemas curtos, frases soltas e contos breves. Mas de que maneira a viagem deve ser compreendida para que tal vinculação entre o movimento do artista e o corpo da obra se torne evidente? E, para além disso, de que maneira as viagens pelo Brasil e pela Europa adquirem tal dimensão objetiva na elaboração dos desenhos, bordados e pinturas do artista? De que maneira as noções de tempo e espaço tão caras ao entendimento do deslocamento das viagens materializam-se no gesto poético? A noção de viagem na poética do artista não implica somente tais aspectos geográficos e topográficos associados ao deslocamento entre diferentes lugares, mas implica principalmente a identificação de um desejo de movimento profundo, um deslocamento de si mesmo em busca pela mobilidade da própria subjetividade. Tais são as considerações iniciais que permitem vislumbrar e delimitar as interrelações entre as viagens e a criação verbal e visual na obra de Leonilson, interrelações que permitem perceber que as inquietações do artista podem ser compreendidas levando-se em consideração as viagens de Alexander von Humbolt, por exemplo, ou mesmo as reflexões de Italo Calvino sobre o viajar e as de Michel Collot sobre a paisagem. Em tal sentido, as viagens realizadas extensivamente pelo artista a Europa foram responsáveis não somente por amadurecimento artístico, mas também pela produção de representações visuais que adquirem características particulares. A produção associada as viagens, por vezes associa-se claramente as convenções dos mapas em termos de representação topográfica, mas em outros momentos tenta estabelecer uma dimensão objetiva para um deslocamento de si, deslocamento do sujeito confrontado com novos lugares, novas pessoas, experiências e emoções, por vezes ate mesmo confrontado com sua própria solidão. As viagens em Leonilson serão, portanto e sobretudo, um deslocamento apreciado desejado em função da dimensão mítica que conferem ao universo emocional, vinculando-se fortemente as possibilidades do desconhecer que são o que de fato nos move.

III.2 Gabriel Garcia Márquez, matriz de releituras: um estudo das adaptações de sua obra
Celso Augusto Uequed Pitol, uequedpitol@bol.com.br

O autor colombiano Gabriel Garcia Márquez – cuja obra maior, "Cem anos de solidão", completa cinquenta anos neste 2017 – teve um impacto indiscutível na literatura e na cultura latinoamericanas do século XX, tendo sido agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1982 e com incontáveis reedições de seus livros em vários idiomas. Celebrado pelo público e pela crítica, é dos poucos dentre os grandes autores cuja obra penetrou no imaginário popular de nosso continente, em particular os de países de língua espanhola, disseminando tendências em vários campos e elevando temáticas ao patamar mais alto da literatura. Ao mesmo tempo, sua obra deu a conhecer ao mundo boa parte da literatura latinoamericana, servindo, durante muito tempo, como verdadeiro “cartão de visitas” dos nossos autores em outros continentes. Será desnecessário ressaltar toda a sua relevância – mas nunca será demais dedicar um olhar cuidadoso para aquilo que sua obra gerou: isto é, outras obras. Obras em vários campos. Como autor lido, relido, interpretado e reinterpretado, o trabalho de Gabriel Garcia Márquez ingressou com força em todas as formas de arte latinoamericanas e não só, servindo como base para roteiros de filme, roteiros de histórias em quadrinhos, peças de teatro e muito mais. Diante disso, este trabalho dedica-se a estudar as adaptações de seus livros para outras formas de arte, como o cinema, o teatro, as histórias em quadrinhos, as artes visuais e muitos outros, enfatizando o papel de matriz de releituras que a obra de Márquez assumiu ao longo do tempo e continua a assumir. Objetiva-se, assim, com este trabalho que ora propomos, analisar que papel estas adaptações assumiram como releituras da obra de Márquez, a visão que o próprio autor delas teve, a resposta dada pelo público, a resposta dada pela crítica e muito mais. A matriz teórica utilizada será a hermenêutica de Paul Ricoeur e Hans Georg Gadamer, bem como os estudos em estética da recepção de Hans Robert Jauss. 

III.3 Mapas-sentidos na poesia brasileira contemporânea
Douglas Rosa da Silva, douglasrosa.per@gmail.com

Jacques Derrida (2014) pontua a literatura como inventiva, como aquela que suspende, por ora, arraigamentos de sentido, posto que ela, a literatura, põe-se como instituição em que se pode dizer tudo. Nessa linha de raciocínio, quer se observar os movimentos da palavra poética no presente, isto é, pensar em como as poéticas contemporâneas em vigor no Brasil têm engendrado um exercício mútuo de voz e escuta.  Para tal, sondam-se específicas produções de seis poetas brasileiras recentes,navegadoras inventivas que estão a desbravar, cada uma ao seu modo, zonas inóspitas de criação poética. Ao lançar olhar para os procedimentos de escrita que emergem da prática poética, o estudo evoca e desenvolve a noção de “mapas-sentidos”, cuja força reside não na captura enrijecida dos pontos constituintes do texto, mas na ação de caráter híbrido e dinâmico que o texto poético contemporâneo parece apresentar. A noção de mapa-sentido ancora-se, sobretudo, nas contribuições acerca da literatura oriundas das leituras de Jacques Rancière, Gilles Deleuze, Félix Guattari, Giorgio Agamben e Jacques Derrida, entre outros. Desse modo, tenta-se corroborar que o ato poético também é uma tradução – um mapa-sentido –, dado que ilumina a tradução da tradução da linguagem circundante. Nesse gesto em que há a procura pela articulação dos sentidos, a poesia recente parece fazer brotar um sutil e imperceptível jogo de vinculação entre o conhecido e o desconhecido, entre a expansão e a retração, e entre a iluminação e o escurecimento, jogos esses que podem ser visualizados por meio dos procedimentos poéticos adotados pelo corpus do estudo. Diante dessa aparente performance babélica que o texto contemporâneo simula fazer, olhar para as matérias de criação da poesia brasileira contemporânea é também olhar para as imagens que reverberam no mundo percebido. Por conseguinte, o presente estudo tenciona transitar por entre as rimas, repetições, ecos e aliterações que integram o arranjo polifônico de uma das cenas inscritas na poesia brasileira recente, com o desígnio de pontilhar um mapa-sentido plurivocal a partir dos procedimentos de escrita de Angélica Freitas, Alice Sant’Anna, Marília Garcia, Elisa Lucinda, Mel Duarte e Laura Liuzzi. Com isso, relevam-se as palavras expedicionárias da poesia que, no hodierno, têm percorrido – e conquistado – outras travessias, portos, extensões e territórios, por intermédio do poema.

IV. 10 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA 106

IV.1 Graciliano Ramos: um farol de resistência
Gabriela Rocha Rodrigues, gabrielarochaliteratura@gmail.com

Este artigo tece considerações sobre o processo criativo de Graciliano Ramos a partir de depoimentos do próprio escritor, de familiares, amigos e intelectuais que conviveram com o Velho Graça. O texto expõe como a obra de Graciliano assume uma postura narrativa de resistência e obstinação frente aos mecanismos sociais que perpetuam a desigualdade no país. A disciplina, certos rituais de organização, influências, a profunda consciência da miserabilidade da natureza humana, o engajamento político social, as vicissitudes econômicas que sempre acompanharam a vida familiar dos Ramos, também são aspectos importantes que delinearam o processo criativo de Graciliano. A linguagem rigorosa, a significativa análise psicológica das personagens, o poder de fixar figuras subumanas vivendo sob o fatalismo das secas da região Nordeste, são algumas das características deste escritor que defendia uma literatura realista, que rompesse com “a trama falsa do idealismo, descrevendo a vida tal qual é, sem ilusões nem mentiras. Antes a nudez forte da verdade que o manto diáfano da fantasia”. Assim, aliado a seus semelhantes em qualquer circunstância, mesmo em uma cela abjeta e imunda, Graciliano manteve profunda coerência ao narrar as misérias do cárcere e a convivência com os companheiros de prisão, sem submeter-se às recriminações e pressões partidárias, conservando intacta sua independência intelectual e senso de dignidade. Nesse sentido, o processo criativo de Graciliano Ramos remete às luzes de um farol que num jogo de luz e sombra expressa uma linguagem própria, rigorosa e implacável, de um lado, e universal, sensível aos diversos matizes da natureza humana, de outro, revelando os contrastes de um escritor extremamente rígido consigo mesmo e defensor da liberdade intelectual absoluta. Assim, ressaltamos que o processo criativo de Graciliano se fundamenta a partir da observação minuciosa dos valores da alma humana e o caráter de denúncia da situação dos oprimidos, junto ao permanente questionamento das estruturas de poder que perpetuam a desigualdade social em nosso país.

IV.2 Intertextualidades entre literatura e história: um farol no pampa
Letícia Sangaletti

De acordo a proposta da ilha “Faróis e faroleiros: mapas, portos, rotas e travessias”, esse trabalho tem o objetivo de analisar a relação intertextual entre literatura e história, seguindo a perspectiva do farol como temática de manifestações literárias. Desse modo, selecionamos para nosso corpus de pesquisa o romance “Um farol no pampa” de Letícia Wierzchowski, publicado em 2004, segundo livro da trilogia farroupilha da autora, escrito depois de A casa das Sete Mulheres. A obra conta o que aconteceu no pós Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul, e revisita a Guerra do Paraguai, tendo como fio condutor o amor entre dois primos: Matias e Inácia. Para buscar respostas aos questionamentos que guiaram, assim como o farol, este artigo, recorremos ao amparo teórico de Julia Kristeva e Tânia Carvalhal sobre intertextualidade, Maurice Halbwachs e Jacques Le Goff acerca da história e memória, Linda Hutcheon sobre metaficção hitoriográfica, dentre outros autores. Como resultares preliminares da pesquisa, entendemos que o farol possui um significado além da sua função original. Na narrativa, uma das personagens, Ana, constroi um farol para guiar os navegadores do local, porém há outros significados intrínsecos, considerando que Matias, vai encontrar na construção uma moça após se decepcionar com seu grande amor, e dar outro significado à sua vida, mesmo depois descobrindo que a personagem era apenas fruto da sua imaginação. Além disso, o título do livro pode propor um questionamento acerca do período de guerras, sendo o farol, uma saída para o momento.

IV.3 Entre a luz e a loucura: colonização e aprisionamento de Bertha a partir da narrativa de Jean Rhys
Lis Yana de lima Martinez, yana.flafy@gmail.com

À luz é dado o caráter de representar a razão. Fiat luz, teria sido dito e, assim, teria sido feita, como consequência, a vida na Terra. É ela o que guia as almas perdidas dos marinheiros à deriva. Luz é antagônica à sombra. Sombra, então, é sinônimo da falta da razão. Para Jung (1956), sombra é para onde enviamos todas as partes do nosso ser que não seriam socialmente aceitas. Partes que não podem ser trazidas à luz do dia. Um sábio é dito como um ser iluminado. Destarte, clamaram os iluministas como a fonte de uma resposta racional, de uma filosofia libertadora. A sombra é o desconhecido. Algumas mitologias denominaram a figura do sol como masculina e a figura da lua como feminina. Sol seria Apolo (deus da verdade), Mitra (deus da sabedoria) e Rá (o grande soberano). A lua seria Artêmis (a deusa virgem da magia e dos animais), Chang-o (que se tornou deusa ao tomar o elixir mágico do marido e fugir para o céu) e Ishtar (deusa do amor, da beleza e da fertilidade). À figura feminina, então, cabem as imagens de sensualidade, perigo e feitiçaria: aquela que habita a noite. À figura masculina cabe a imagem do sábio: aquele lidera de dia. Bertha Antoinetta Mason, é a louca do sótão, a feiticeira, a perigosa. Em Jane Eyre: An Autobiography, sua obra original, escrita por Charlotte Brontë, ela parece atuar na sombra, num universo paralelo obscuro e perigoso. Suas atitudes imprevisíveis e aparentemente descontroladas seriam fruto de uma loucura incurável. Em Wide Sargasso Sea, Jean Rhys traz novas perspectivas sobre a personagem ao criar uma história para Bertha antes de Thornfield. Este trabalho, busca, a partir de autores como Derrida (1991) e Bhabha (1985), trabalhar questões latentes às ações sombrias da personagem Bertha Mason, ou Antoinette Cosway como é chamada na narrativa pós-colonial de Rhys, refletindo a possível busca constante da personagem por criar/reproduzir luz. Considera-se, dessa forma, para fins deste trabalho, que as obras de Charlotte Brontë e Jean Rhys compartilham histórias de um mesmo universo ficcional, trazendo a mesma personagem em momentos diferentes de sua vida. Compreendendo, então, que a narrativa de Wide Sargasso Sea não está em Jane Eyre, mas que a narrativa de Jane Eyre é base intertextual para a escrita de Wide Sargasso Sea.

IV.4 Trauma, testemunho e espaço: Auschwitz e Kolimá
Lucas Demingos de Oliveira, lucasdemingos@gmail.com

As experiências extremas produzidas ao longo do século XX nos Lager, termo utilizado para se referir tanto aos campos de concentração da Alemanha nazista quanto aos campos de trabalho forçado da União Soviética do período stalinista, apontam que a barbárie está na essência do racionalismo e que tais eventos não se trataram de acidentes históricos, mas de uma racionalidade pensada exclusivamente nos fins, que prioriza a lógica matemática sobre tudo e todos, reificando a realidade (ADORNO; HORKHEIMER, 2006). O presente trabalho propõe como corpus de análise o romance É isto um homem?, do autor italiano Primo Levi (1958), e o primeiro volume do ciclo Contos de Kolimá, de título homônimo, de Varlam Chalámov (2015). Ambos os autores escrevem a partir de sua experiência pessoal, Levi em Auschwitz, campo de concentração nazista, e Chalámov em Kolimá, campo de trabalhos forçados soviético. Estabelecendo um diálogo entre ética e estética, Primo Levi é explicitamente o protagonista de seu romance, narrando em primeira pessoa, ao contrário de Chalámov, que, em alguns dos contos, posiciona-se por trás de outras personas para narrar. O objetivo deste trabalho é, primeiramente, através de uma análise transdisciplinar e comparatista entre os dois romances, considerar as peculiaridades das experiências dos autores, expondo a maneira de que se utilizaram para narrar seus relatos, os recursos e as técnicas empregados e, consequentemente, questionando se há fatores em comum entre ambos. Uma vez estabelecido um contexto de congruências e similaridades entre as denúncias dos autores, busca-se situar as representações de espaço dos Lager dadas em ambas as narrativas com base no conceito de não-lugar de Marc Augé (2012). Para o autor, não-lugar é um espaço não-relacional, não-histórico e não-identitário, ainda, “lugar e não-lugar são, antes, polaridades fugidias: o primeiro nunca é completamente apagado e o segundo nunca se realiza totalmente” (AUGÉ, 2012, p.74), desse modo, fundamentado nessa instabilidade, procura-se trazer à tona como a transitoriedade da característica de não-lugar apresentada nos Lager insinua-se perante as subjetividades produzidas nas narrativas. 

V. 11 de outubro, das 11h30min às 13h — LOCAL: SALA 215

V.1 Narrar das/nas sombras: ressignificações da Coréia no pós-Guerra em Chinatown (중국거리, Jungkuk geori) de Oh Jung-hee
Melissa Rubio dos Santos, melrubio@gmail.com

O presente artigo tem como objetivo explorar a questão do espaço no contexto do pós Guerra da Coreia (1950-1953), problematizada pela literatura de autoria feminina contemporânea sul-coreana, a partir da obra Chinatown (중국거리/ Jungkuk geori)(1979), da escritora Oh Jung-hee. A narrativa de Chinatown é ambientada na cidade portuária 중국거리 (Jungkuk geori) ou Chinatown, na cidade de Incheon na Coreia do Sul e narra a história de uma jovem, que junto de sua família, deixa um vilarejo no interior da Coreia e se refugia na cidade de Incheon, onde fixa  residência no bairro Jungkuk geori ou Chinatown, o bairro de imigrantes chineses. Logo, será partir do movimento migratório que a protagonista inicia o processo de descoberta da cidade e, consequentemente, experencia os fluxos de ressignificação do território de seu próprio país no contexto pós-Guerra da Coreia. A respeito da obra, deve também ser detacado que a narrativa de Chinatown é formada por jogos entre os opostos vida e morte, luz e escuridão, sendo estes jogos descritos pelo crítico Yi Nam-ho como aqueles responsáveis por instigar a protagonista a conhecer “not only to the realm of darkness and confusion but also to a deeper understanding of life” (2012). A pesquisa tem como foco a análise de múltiplos jogos que atuam como elementos nodais da poética da obra Chinatown: jogos de deslocamentos no espaço, jogos entre os contrastantes   passado traumático e presente, como também os latentes efeitos violentos contra as mulheres durante a Guerra da Coreia e a ocupação militar. Portanto, a partir do estudo de tais elementos, propõe-se tecer uma releitura do passado histórico da Coreia do Sul através dos processos de (re)ssiginificações do espaço no período pós-Guerra da Coreia sob o viés da literatura de autoria feminina, apresentados por Oh Jung-hee na novela Chinatown. O estudo tem como aporte teórico as obras The Red Room: Stories of trauma in Contemporary Korea (2009), de Bruce & Ju-chan Fulton, A Landscape In the Postwar Days and a Girl's Coming of Age, de Park Jin-young e Pelo Espaço (2008), de Doreen Massey.

V.2 Mare finito: a representação marítima como ruína em Anéis de Saturno, de W. G. Sebald
Priscilla Oliveira Pinto de Campos, priscillaopcampos@gmail.com

Este artigo investiga de que maneira os mapas da memória e a deriva elaboram a representação do mar em algumas passagens do relato-ensaio-peregrino, de W. G. Sebald, no livro Anéis de Saturno. Diante da paisagem fantasma cartografa pelo escritor alemão, a imagem do farol pode surgir menos como forma de orientação, mais como prenúncio de destruições, catástrofes – o mar torna-se um ponto de fuga repleto de tormentas que não se limitam às oscilações climáticas e ao relevo aquático. Durante as suas caminhadas, Sebald esquadrinha a geografia do abandono e a ideia do mar aparece de maneira frustrante pois, se um dia Inglaterra, Alemanha e outros centros europeus visualizaram a navegação como sinônimo de conquista, poder, expansão cultural, agora, o que sobrou foi um vazio refletido entre ruínas submersas. Em sua obra, Sebald relaciona texto-imagem e procura alternar o mecanismo da memória entre o visível e o invisível: imagem, portadora absoluta da lembrança – como afirma Didi-Huberman –; texto, espaço de tentativas de organização e reescritura da História , espaço no qual as ausências conseguem, através da palavra, ganhar um corpo. Dessa forma, o farol torna-se signo mediador de um passado tanto doloroso, quanto glorificante. Como na imagem que abre o capítulo quatro, cuja imponência da estrutura faroleira branca sobrepõe-se às casas de arquitetura do século XIX, Sebald trabalha com os artifícios de justaposição ao longo do texto, o que resulta em fluxos nos quais as alternâncias descritivas da paisagem estão sempre incompletas. Em Anéis de Saturno, as figurações dos elementos marítimos são como falsas possibilidades de futuro. A análise traz alicerces teóricos a partir dos conceitos de Walter Benjamin, Francesco Careri, Yi-Fu Tuan, Maurice Blanchot, Henri Bergson e Georges Didi-Huberman, nomes que servem de guia para uma travessia na qual o porto de chegada não oferece alívio ou esperança, mas sim a vontade contínua de fazer a travessia outra vez, não importa o transtorno de estar em meio às ondas e tempestades.

V.3 O eu e os outros — a construção da alteridade em Enclausurado, de Ian McEwan
Roseane Graziele da Silva, roseanesilva@mx2.unisc.br e Samara Alves, samaraalves@mx2.unisc.br

Narrada por um feto em pleno útero materno, a obra Enclausurado, de Ian McEwan reforça a premissa do pacto ficcional que une autor-obra-leitor. No romance em questão, o narrador, não nomeado, apresenta suas reflexões sobre o mundo externo, que conhece através de estímulos transmitidos por meio de programas de rádio e documentários assistidos pela mãe, Trudy, além das conversas que testemunha. Mas o desenvolvimento desse bebê é confrontado pela iminência do assassinato do pai – John Cairncross, um poeta decadente, herdeiro de uma valiosa mansão – perpetrado por Trudy e seu amante, Claude, irmão de John. Enquanto os amantes planejam o crime, a criança, mesmo antes de nascer, já enfrenta dilemas: o que fazer para evitar o assassinato? Deve amar ou rechaçar Trudy, que sequer lhe reservou o tradicional carinho materno: a escolha do nome, o enxoval, o quarto amorosamente preparado? Onde nasceria, num hospital ou numa prisão? O que faria num mundo repleto de contradições e conflitos? Apesar dos riscos assumidos pela obra, que poderia não conquistar a adesão junto ao público – afinal, trata-se de um feto-narrador, um faroleiro que está vigiando todas as ações de Trudy e de seu amante, apreciador de bebidas alcoólicas refinadas, dotado de um senso de humor ferino e racionalidade espantosa –, a narrativa cumpre seu papel, suspendendo a descrença e sublinhando o caráter libertador da imaginação propiciado pela leitura. Este trabalho pretende analisar a construção do narrador, bem como da personagem central do texto, à luz da perspectiva da alteridade, isto é, a constituição da personagem através de sua relação com os demais, na medida em que faz a travessia do eu para o outro, sempre reconfigurando suas certezas e até suas indagações. Para isso utilizaremos como aporte teórico autores como Walter Benjamin, Beatriz Sarlo, Mikhail Bahktin, Jean Paul Sartre, Jaques Lacan, Eurídice Figueiredo, Diana Klinger, entre outros.

V.4 Civilização e barbárie e a noção de fronteira em Calunga, de Jorge de Lima e no conto O Sul, de Jorge Luis Borges
Lúcia Sá Rebello, lucia.rebello@terra.com.br

Este trabalho procura analisar o conto El Sur, de Jorge Luis Borges e o romance de Jorge de Lima, Calunga através dos conceitos de civilização e barbárie e da noção de fronteira. Se é possível afirmar que uma fronteira determina as relações dos elementos com o seu espaço, pode-se concluir que fronteira é um espaço de divisa, já que afirma identidades e marca diferenças e, por outro lado, é um espaço de delimitação, evidenciado pela necessidade de representar essas diferenças. De forma ampla, penso ser possível aplicar o conceito de fronteira aos dois textos em análise, evidentemente levando em conta que a definição de fronteira, nesses textos, deixa de ser elemento físico e apresenta-se como elemento ideológico. Não é fronteira enquanto conquista de novos territórios, mas é fronteira porque opõe dois tipos de sociedades, existindo entre elas uma barreira a ser transposta. Nessa travessia, procura-se demonstrar como um percurso/um discurso imaginário demarca uma fronteira ao mesmo tempo que representa uma passagem e, assim, se torna uma bifurcação labiríntica, uma metáfora da condição fronteiriça presente nas duas obras.

V.5 Medeia: do mito à realidade contemporânea
Eduardo Pereira Machado, dudukukskuks@hotmail.com e Maria Luiza Berwanger, marialuizaberwanger@gmail.com
As tragédias gregas, encenadas no remoto século V antes de Cristo, ainda hoje são materiais ricos de análise e reflexão. Dos três maiores tragediógrafos da época, Eurípides foi o que rompeu com a tradição e colocou uma mulher como peça central de seu texto. Medeia (431 a.C) retrata a fúria e a vingança de uma mulher traída e rejeitada. Há, na tragédia euripidiana, a luta constante entre o que existe de mais tênue e antagônico: o amor e o ódio. Sentimentos que perpassam os tempos e, ainda hoje, duelam entre si. Cabe destacar que o traço primordial do mito é a metamorfose e a transformação, seguindo, portanto, o pensamento de Roland Barthes e de Pierre Brunel que fixam na força transformadora do mito sua permanência no contemporâneo. Sendo assim, o objetivo deste estudo é comparar a trajetória da personagem mitológica Medeia às Medeias da vida real. Para tanto, faremos um recorte contemporâneo e analisaremos dois casos reais em que mães/pais matam os filhos como forma de vingança ao (à) companheiro (a). Dessa forma, pretendemos, ainda de maneira incipiente, mostrar que – independente do contexto histórico – amor e ódio são sentimentos universais e atemporais.