Ilha 2 — Literatura ao Sul

ILHA 2
LITERATURA
AO SUL
Ian Alexander,
Karina Lucena
e Monica Stefani


O que Mario Benedetti, Gabriela Mistral, Jorge Luis Borges, Alfonsina Storni, Gabriel García Márquez, Patrick White, J. M. Coetzee, Janet Frame, Mia Couto e Erico Verissimo têm em comum? Certamente são escritores consagrados em seus próprios países. Mas, para além disso (e, acima de tudo, reconhecendo suas diferenças linguísticas, históricas e culturais), seus locais de origem convergem para um único ponto no nosso planisfério, o mesmo local no mundo, o mesmo hemisfério: o Sul. É dali que seus pontos de vista emergem e, cada um a seu modo, formam um retrato que nos últimos tempos tem recebido atenção. A ideia deste colóquio é olhar para o Sul e além do Sul. Interessa-nos o Ocidente no Sul, que não pode deixar de ter uma relação desigual (de periferia) com os centros mais antigos e mais poderosos do Ocidente. Mas as várias maneiras possíveis de se lidar com essa condição são um assunto rico para comparações. O Sul pode se olhar sem fingir ser o centro do mundo. O Sul pode se olhar sem se transformar em algo exótico. O Sul pode se olhar sem se reduzir a uma coisa só. Assim, a pergunta que vai guiar nossos trabalhos é: o que significa olhar o Sul na literatura? O caso brasileiro é interessante. Tendo em vista as proporções continentais do país, conclamar o leitor do Nordeste, por exemplo, a pensar nossa literatura brasileira vista como “sulista” em termos de hemisfério é um exercício que imitará a experiência de Milton Hatoum, escritor do Norte do Brasil, que, por meio da leitura de obras de Erico Verissimo, conseguiu se dar conta de que o Rio Grande do Sul era tão diferente do Amazonas, apesar de a língua portuguesa ser o elemento unificador. O mesmo se aplicaria a outros casos: toda a América Latina, com suas inúmeras variantes de espanhol; o inglês dos diferentes países do Hemisfério Sul; a África portuguesa e o Brasil, entre outros exemplos. Assim, as possibilidades de comparação entre os mais diversos modos de produção artística (teatro, música, poesia, prosa) são enriquecedoras, e sem dúvida vão ajudar não só a compreender melhor nossas características estéticas, mas também a identificar e refletir sobre aspectos até então não explorados e a responder à pergunta que propomos neste simpósio.


HORÁRIOS E LOCAIS DAS APRESENTAÇÕES

I. 9 de outubro, das 11h30min às 13h — LOCAL: SALA DO PESQUISADOR DO ILEA

I.1 Notas sobre edição na Argentina, no Uruguai e no Brasil nas décadas de 60 e 70, Sérgio Bandeira Karam
I.2 O dia em que o Papa foi a Melo e a permanência no limiar-sul: uma leitura benjaminiana, Liniane Haag Brum
I.3 A mulher na narrativa fantástica: um estudo comparativo entre os contos de Horacio Quiroga e Samanta Schweblin, Gustavo Melo Czekster
I.4 Conversas ao sul do mundo: reflexões sobre literatura e identidade sulina nas correspondências de Sergio Faraco e Mario Arregui, Gilmárcia da Silva Picoli e Marta Freitas Mendes

II. 9 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA DO PESQUISADOR DO ILEA

II.1 Tito Carvalho e o lugar de sua obra na história da literatura, Tiago Pedruzzi
II.2 Reflexos do Sul em Dyonélio Machado, Jonas Kunzler Moreira Dornelles
II.3 Relações intertextuais entre Erico Verissimo e Graham Greene: uma leitura do excepcionalismo americano, Bruno Brizotto
II.4 Do Rio Grande do Sul à Califórnia: repensando língua, literatura e cinema, Renata Pires de Souza

III. 10 de outubro, das 10h às 11h30min — LOCAL: SALA DO PESQUISADOR DO ILEA

III.1 A tradução de autores colombianos ao português brasileiro: reflexões sobre tradição e tradução literária, Carolina Carvalho Prola
III.2 A formação de identidade nacional em Cem Anos de Solidão e Orfeu do Carnaval, Marina Bonatto Malka
III.3 Por que a literatura latino-americana não é universal? Um estudo de caso de alunos do curso de Letras na Colômbia que não leem a literatura de seu próprio continente, Sibylla Jockymann do Canto Serafini e Mônica Stefani
III.4 Grande sertão: veredas e Cem anos de solidão — Nova narrativa épica revisitada, Mariana Figueiró Klafke

IV. 10 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA DO PESQUISADOR DO ILEA

IV.1 O lugar sem limites: a insularidade social a partir da questão da identidade em José Donoso, Alexandra Lopes Da Cunha
IV.2 Pensar uma comunidade atlântico-sul, Keli Cristina Pacheco
IV.3 Ernesto Sábato e o Ensaio na América Espanhola, Margarete Hülsendeger
IV.4 Literatura chilena e redemocratização: Ariel Dorfman e Diamela Eltit, Karina de Castilhos Lucena

V. 11 de outubro, das 11h30min às 13h — LOCAL: SALA DO PESQUISADOR DO ILEA

V.1 O Estranhamento entre as Línguas Inglês e Africâner, em Boyhood, de J. M. Coetzee, João Pedro Wizniewsky Amaral
V.2 Qual é a real?: uma mirada globalista sobre teorias contemporâneas do realismo, Anderson Bastos Martins
V.3 O Estado nos contos de Henry Lawson e Simões Lopes Neto, Ian Alexander
V.4 Alice e o Pudim: O Sul na literatura infantil, Liziane Kugland

VI. 11 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA 213

VI.1 Às Mulheres, a Opressão? Contos de denúncia e libertação, Silvia Niederauer
VI.2 Uma Abelha na Chuva: a luta de classes e o sarcasmo traçado no tocante à igreja, Luan Rodrigues de Figueiredo e Janio Davila
VI.3 Das Dores de Ser-Se: O sujeito in itinere de Laferrière, Daniel Conte


RESUMOS DAS COMUNICAÇÕES

I. 9 de outubro, das 11h30min às 13h — LOCAL: SALA DO PESQUISADOR DO ILEA

I.1 Notas sobre edição na Argentina, no Uruguai e no Brasil nas décadas de 60 e 70
Sérgio Bandeira Karam, sbkaram@uol.com.br   

O início dos anos 60 do século passado foi um período fértil na área da edição literária nos países platinos, bem como no Brasil. O Uruguai, mesmo submetido à presença marcante das edições argentinas, viu surgir três importantes editoras em resposta a um crescimento significativo do público leitor: Alfa, Arca e Banda Oriental. A Argentina, além da continuidade do trabalho de editoras surgidas aproximadamente duas décadas antes (como foi o caso das editoras Sudamericana, Emecé e Losada), viu também surgirem novos projetos editoriais, como os do Centro Editor de América Latina (CEAL), Jorge Alvarez, De la Flor e Tiempo Contemporáneo, entre outros. No Brasil, especialmente no âmbito da edição de literatura hispano-americana, pode-se destacar o trabalho levado a cabo por algumas editoras tradicionais, como a Civilização Brasileira, a Brasiliense e a Globo de Porto Alegre, bem como o de algumas editoras surgidas naquele momento, como a EdInova, a Sabiá, a Expressão e Cultura e a Paz e Terra. O trabalho desenvolvido por estas editoras vai repercutir também na criação de coleções específicas deste tipo de literatura por outras editoras, como a veterana Francisco Alves e a Alfa-Omega, isso já nos anos 70 e 80. Além disso, pode-se destacar o trabalho conjunto desenvolvido por alguns intelectuais latino-americanos nas décadas de 60 e 70, como nos casos da Enciclopedia Uruguaya, publicada pela Editores Reunidos em parceria com a Arca, fruto da colaboração entre Ángel Rama e Darcy Ribeiro, entre outros, e da Biblioteca Ayacucho, dirigida por Ángel Rama na Venezuela, que também contou com a participação de Darcy Ribeiro e Antonio Candido na indicação dos títulos brasileiros. Ademais, uma importante coleção argentina, Capítulo. La historia de la literatura argentina, editada pelo Centro Editor de América Latina, teve um sucedâneo uruguaio, Capítulo Oriental, publicada sob a direção de Carlos Real de Azúa, Calos Martínez Moreno e Carlos Maggi. Este trabalho tenta colocar em relação as diversas experiências editoriais identificadas nos parágrafos acima, com o objetivo de traçar um panorama da edição literária no âmbito platino e brasileiro, especialmente durante as décadas de 60 e 70.

I.2 O dia em que o Papa foi a Melo e a permanência no limiar-sul: uma leitura benjaminiana
Liniane Haag Brum, liniane@uol.com.br 

Analisando O Banheiro do Papa (César Charlone, Enrique Fernández) e O dia em que o Papa foi a Melo (Schlee), pretende-se demonstrar que, enquanto na primeira é a expectativa em torno da chegada do papa que perfaz a narratividade fílmica, na segunda isso ocorre por força da expectativa frustrada: aqui devir é atravessar a fronteira da pobreza e não conseguir -  permanecendo no limiar (BENJAMIN).

I.3 A mulher na narrativa fantástica: um estudo comparativo entre os contos de Horacio Quiroga e Samanta Schweblin
Gustavo Melo Czekster, gusczekster@gmail.com  

Entre as suas múltiplas expressões e vertentes, a literatura fantástica também foi usada para abordar questões de gênero, sendo exemplo o surgimento e expansão do gótico que, na Inglaterra vitoriana, foi a maneira encontrada por escritoras como Eliza Parsons, Mary Shelley e a pioneira Ann Radcliffe para denunciar condições vivenciadas pelas mulheres e extravasar seus anseios por liberdade e pelo direito de ter voz própria. Ainda assim, o fantástico raramente é analisado nas suas imbricações com o feminino, apesar de ser interessante observar como mulheres tratam a “momentânea suspensão da descrença” no interior das suas obras e perceber como temas característicos da narrativa fantástica são tratados diferentemente por homens e por mulheres. Por meio do enfoque na maneira através da qual o feminino é expresso no interior das obras do gênero fantástico, o trabalho pretende analisar os contos de dois escritores que tangenciaram tal questão, no caso, o uruguaio Horacio Quiroga (1879-1937) e a argentina Samanta Schweblin (1978). Enquanto que, nos contos de Quiroga, entre os quais os contos “A galinha degolada” e “O travesseiro de plumas”, surge a figura de uma mulher passiva dominada tanto pelo homem quanto pelas circunstâncias incomuns que lhe rodeiam, nas narrativas curtas de Schweblin, a mulher assume uma posição de destaque no âmago ficcional, sendo a sua visão de mundo essencial para o estabelecimento da atmosfera fantástica, como é o caso de “Conservas”, “Pássaros na boca” e “Mulheres desesperadas”. Muito dessa visão, além de expressar contextos próprios da sociedade em que os escritores conviveram ou convivem (no caso de Schweblin), também demonstra uma evolução do papel da mulher no interior de uma narrativa fantástica, abandonando uma posição de passividade para assumir protagonismo, o que também representa um retorno aos princípios formadores do gótico literário.

I.4 Conversas ao sul do mundo: reflexões sobre literatura e identidade sulina nas correspondências de Sergio Faraco e Mario Arregui
Gilmárcia da Silva Picoli, gilmarcia.picoli@acad.pucrs.br e Marta Freitas Mendes, marta.mendes@acad.pucrs.br  

Com o intuito de refletir sobre a literatura produzida no hemisfério sul, este trabalho se propõe a lançar um olhar sobre a América do Sul, mais precisamente na região que compreende o Uruguai e o estado brasileiro do Rio Grande do Sul, por ser o lugar que acolhe a amizade entre Sergio Faraco, escritor gaúcho, de Alegrete, e Mario Arregui, escritor uruguaio, de Trinidad. Os contos de Mario Arregui, despretensiosamente descobertos por Sergio Faraco, em 1976, viriam ao encontro de uma temática do homem do campo e de sua simplicidade, muitas vezes representados pela figura do gaúcho, que compõe igualmente os contos do autor alegretense. Costumes, vida rural, relações familiares, lutas e crenças estão coadunados em uma literatura que muito se familiariza, mas também expressa diferenças. A tradução de contos de Arregui feita por Faraco, trouxe, através de um intercâmbio linguístico e literário, a divulgação da literatura uruguaia no Brasil e o apreço da literatura do sul do Brasil aos países vizinhos, destacando aspectos peculiares de ambas regiões. Esse intercurso literário feito pelos dois contistas se construiu principalmente através de cartas, escritas no período de julho de 1981 a fevereiro de 1985, e que, após a morte de Arregui (1985) foram registradas em livro, publicado em 1990, no Uruguai e, posteriormente, no Brasil, em 2009. Considerando o que foi exposto, o presente trabalho busca apresentar uma análise comparativa das visões de literatura e identidade sulina de Faraco e Arregui, a partir das correspondências reunidas no livro Diálogos sem fronteira (2009). Por sulina entendemos aqui uma literatura e identidade híbridas, que congregam as identidades dos gauchos argentinos e uruguaios, bem como dos gaúchos sul-riograndenses, por conta de proximidades culturais e geográficas.

II. 9 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA DO PESQUISADOR DO ILEA

II.1 Tito Carvalho e o lugar de sua obra na história da literatura
Tiago Pedruzzi, tiagopedruzzi@gmail.com 

A literatura gauchesca produzida no Rio Grande do Sul sempre esteve em uma encruzilhada crítica, foi uma espécie de corpo estranho nas tentativas de classificação propostas nos manuais de literatura brasileira, pois para a crítica nacional essa denominação encerrava dois problemas: o de apresentar um elemento estrangeiro muito forte (a literatura gauchesca é ao mesmo tempo, brasileira, argentina e uruguaia) e, além disso, restringia-se a um fenômeno regional, longe do centro da produção crítica e da intelligentsia responsável por sua difusão. Quanto à figuração em histórias e antologia de textos de literatura gauchesca argentinos e uruguaios, até o começo do século XXI apareceu raríssimas vezes como nota de rodapé, sendo apenas inserido mais recentemente em estudos que buscam analisar o fenômeno em diacronia com a produção rio-platense. Não esgotados os problemas apresentados, surgem outros a resolver dentro da produção crítica nacional que podem romper com uma das poucas certezas acerca do assunto, a de que a literatura gauchesca é aquela produzida no Rio Grande do Sul e está circunscrita ao seu espaço geográfico. Como exemplo podemos citar a produção literária de Tito Carvalho com seu livro de contos Bulha D’arroio (1939) e seu romance Vida Salobra(1963), ambientados no planalto serrano catarinense, uma região com uma formação social muito próxima daquela acontecida no Rio Grande do Sul, além da presença de campos e da produção pecuária. Este trabalho, portanto, tentará analisar a produção contística de Tito Carvalho e buscará compreender em que medida se encaixa numa classificação como a de Literatura Gauchesca, ainda que esteja num espaço geográfico não referido por pesquisadores anteriores como gauchesco. Na tentativa de explicar sua produção, buscou-se, repetidas vezes, classificar a produção de Tito Carvalho como regionalista, por isso, também tentaremos compreender se, de alguma forma, essa classificação não tentava de descolar a produção do escritor da classificação de literatura gauchesca devido à forte identificação do termo com a produção inserida dentro do contexto estadual do Rio Grande do Sul.

II.2 Reflexos do Sul em Dyonélio Machado
Jonas Kunzler Moreira Dornelles, jkdornelles@hotmail.com 

Gaúcho nascido na cidade de Quaraí, fronteira com Uruguai, Dyonélio Machado não deixou de refletir sobre as particularidades do contexto sulista em que cresceu. Do ponto inicial de sua produção, com Política Contemporânea: Três Aspectos (1922), O Estadista (1926) e Um Pobre Homem (1927), passando por suas obras intermediárias, como Desolação (1946) e Passos Perdidos (1947), até as amostragens finais, com Fada (1982), sua obra refletiu as condições e subjetividades do pampa e das cidades do Sul. Em suas páginas encontraremos não só descrições poéticas dos contrastes entre o Sul e os trópicos, como também uma sutil análise da psiquê especificamente sulista, a qual buscaremos reconstituir a partir de suas entrevistas, de sua obra autobiográfica, e do caráter de algumas de suas personagens. De certa maneira, podemos pensar a obra de Dyonélio em um diálogo comparatista com outros autores sul riograndenses, como nas representações regionalistas de Apolinário Porto-Alegre, Alcides Maya, Cyro Martins, Aureliano de Figueiredo Pinto e Pedro Wayne. A interpretação hermenêutica de sua obra se enriquece quando a pensamos em correlação com essa vertente de autores, todos críticos às mitologias regionalistas, estabelecendo um contraste com as narrativas hegemônicas “mainstream”. A relação com a obra de Cyro Martins é especialmente importante, dado que esse autor, assim como Dyonélio, tinha formação freudiana e utilizaria o recurso psicanalítico como chave interpretativa para a compreensão das identidades regionais. Ainda, toda a força e o valor da figura sulista dyoneliana, o desgarrado de seus horizontes, se encontraria num diálogo com outra figura, desta vez autor de antropologia e historiografia regionais, Manoelito de Ornellas. Personagem profunda, e também algo aviltada por seus contemporâneos como Dyonélio, Manoelito oferecerá subsídios para ampliar a compreensão da cultura e das identidades da região Sul. As ancestralidades e os deslimites das proposições de Dyonélio ganharão, assim, uma visibilidade para além do mero idealismo teórico.

II.3 Relações intertextuais entre Erico Verissimo e Graham Greene: uma leitura do excepcionalismo americano
Bruno Brizotto, brunobrizotto@gmail.com 

Ao afirmar que “um texto é feito de escrituras múltiplas, oriundas de várias culturas e que entram umas com as outras em diálogo, em paródia, em contestação”, o crítico francês Roland Barthes (2004, p. 64) coloca em cena a própria condição de existência e de legibilidade das obras literárias. De acordo com tal perspectiva, a ideia de conceber a criação ficcional, bem como sua consequente recepção, fora de uma ampla rede de relações seria praticamente impensável. É o fenômeno da intertextualidade que, nesse sentido, garantiria o sucesso de uma empreitada desse porte. Fora da prática intertextual, “a obra literária seria muito simplesmente incompreensível, tal como a palavra duma língua ainda desconhecida”, constata Laurent Jenny (1979, p. 5). Longe de caracterizar-se como “uma soma confusa e misteriosa de influências”, o processo intertextual designa “o trabalho de assimilação de vários textos, operado por um texto centralizador, que detém o comando do sentido.” (JENNY, 1979, p. 14). Visto desse modo, o ato de estabelecer conexões entre diferentes tradições estéticas constitui um profícuo empreendimento que, por sua vez, tem possibilitado a sobrevivência e a perenidade da literatura ao longo do tempo. Levando em conta tais considerações, pretendemos realizar um exercício intertextual entre os romances O americano tranquilo (The Quiet American, 1955) e O prisioneiro (1967), escritos, respectivamente, pelo inglês Graham Greene (1904-1991) e pelo brasileiro Erico Verissimo (1905-1975). Comum a ambos os romances é a representação da evolução do envolvimento dos Estados Unidos nos conflitos supracitados: de simples auxílios financeiros e econômicos até o comprometimento total. Isso nos leva ao questionamento da participação americana na guerra, sobretudo da política excepcionalista colocada em prática em relação ao Vietnã. Sob esse ponto de vista, consideraremos dois polos para a análise intertextual: em primeiro lugar, a defesa dessa perspectiva, corporificada por Alden Pyle e o coronel branco; em segundo, a crítica a essa posição, representada por Thomas Fowler, o major e a professora. Sentimos, assim, uma “premência de entender o que permanece ou não permanece do passado, e essa premência se introduz nas percepções do presente e do futuro.” (SAID, 2011, p. 40). Portanto, manteremos um olhar crítico durante o processo analítico, levando em conta que é precisamente essa criticidade que define o olhar intertextual (JENNY, 1979).

II.4 Do Rio Grande do Sul à Califórnia: repensando língua, literatura e cinema
Renata Pires de Souza, repiress@yahoo.com.br 

Este trabalho tem como objetivo apresentar uma reflexão sobre minha experiência durante o ano acadêmico de 2016-17, quando participei do programa Fulbright Foreign Language Teaching Assistant (FLTA) na University of California, Santa Barbara. Como parte desse programa, os selecionados são alocados em universidades norte-americanas, onde trabalham com o ensino da sua língua materna, promovem a cultura de seu país e frequentam cursos voltados, sobretudo, à cultura e à história dos Estados Unidos. Ao partir do Rio Grande do Sul para a Califórnia, perguntava-me de que maneira abordaria o Sul do Brasil em aulas e/ou eventos culturais, visto que o olhar do estrangeiro acerca do nosso país quase sempre incide sobre o polo Rio-São Paulo. De tal modo, como ser uma professora brasileira em outro país já não era mais a questão, e sim como ser uma professora brasileira “sulista” – porque, afinal, foi a partir do Sul que os meus pontos de vista sobre o Brasil e o mundo foram inevitavelmente construídos. Como professora de PLA na UC Santa Barbara, trabalhei com cursos de língua portuguesa e cinema brasileiro, por meio dos quais tentei percorrer grande parte do nosso território nacional, explorando aspectos linguísticos, históricos, geográficos, políticos e culturais. No entanto, foi através da idealização de um ciclo de cinema (Luso-Brazilian Literature Through Film) que o Sul pôde enfim ser (re)encontrado. Tal atividade extracurricular era aberta tanto à comunidade acadêmica quanto externa e abordava filmes relacionados às literaturas brasileira e portuguesa. Entre os títulos brasileiros, foram exibidos O Auto da Compadecida (2000), Deus é Brasileiro (2003), Olga (2004) e O Tempo e o Vento (2013). Considerando a resposta positiva dos alunos especialmente quanto ao último filme do ciclo, outras atividades foram desenvolvidas para que se explorasse um pouco mais do Sul em sala de aula, como a leitura de um pequeno trecho da obra de Erico Verissimo. Assim, por meio de um distanciamento e de uma experiência tão particular que culminou com O Tempo e o Vento, pode-se repensar nossa língua, literatura e cinema em várias dimensões, observando, por exemplo, o Rio Grande do Sul em relação ao restante do Brasil, o Brasil em relação a Portugal e aos EUA e, enfim, o Rio Grande do Sul em relação à Califórnia – que, de maneira curiosa, apresenta similaridades com o nosso espaço gaúcho paradoxalmente estranho e familiar.

III. 10 de outubro, das 10h às 11h30min — LOCAL: SALA DO PESQUISADOR DO ILEA

III.1 A tradução de autores colombianos ao português brasileiro: reflexões sobre tradição e tradução literária
Carolina Carvalho Prola, carolina.prola@gmail.com 

O trabalho a seguir apresentará os resultados da pesquisa envolvendo autores e obras, em prosa, de origem colombiana, traduzidos ao português brasileiro até os dias atuais. Tal pesquisa teve seu embrião gerado no projeto de pesquisa Panorama da Narrativa Curta e do Romance Hispano-americano dos Séculos XX e XXI, e se desenvolveu ao longo destes dois últimos anos. Ao longo das próximas páginas, apresentarei os autores, as obras, as traduções, os tradutores e as editoras envolvidas no processo das publicações. Um dos objetivos de tal apresentação é divulgar a literatura colombiana no Brasil e mostrar a importância que as traduções e os agentes envolvidos neste processo possuem na propagação de uma literatura estrangeira em determinado cenário local. Para tanto, realizei um levantamento dos autores colombianos publicados no Brasil, observando a época de sua publicação, e fazendo paralelos com o momento histórico em que vieram a público aqui. Com tais dados, procurei observar padrões editoriais e temáticos de maneira crítica, construindo gráficos a fim de visualizar possíveis fenômenos literários e mercadológicos. Desta maneira, pretendi mostrar como a tradução literária se articula com a tradição nacional. Mais especificamente, como duas literaturas periféricas - brasileira e colombiana - dialogam através das traduções. Outro objetivo é o de iluminar de que maneira fatores como mercado editorial e história atuam e influenciam neste processo e no sistema literário, de modo a destacar que as traduções são um pequeno galho desse sistema, assim como da história literária. Uma última intenção é contribuir para os estudos de história da literatura e história da tradução, a fim de descobrir maneiras de estudá-las e incentivar novos estudos em tais áreas. Formam a base teórica deste estudo autores como Antonio Candido, Franco Moretti, Itamar Even-Zohar e Ricardo Piglia.

III.2 A formação de identidade nacional em Cem Anos de Solidão e Orfeu do Carnaval
Marina Bonatto Malka, marinabmalka@gmail.com 

Este trabalho procura analisar como as identidades nacionais da Colômbia e do Brasil são formadas no livro Cem Anos de Solidão (1967), de Gabriel García Márquez e no filme Orfeu do Carnaval (1959), de Marcel Camus, adaptação da peça de Vinicius de Moraes chamada Orfeu da Conceição (1954). Ambas as obras foram aclamadas pelo público da época vigente: o livro de Márquez que o levou a ganhar o Nobel de 1982 e o filme de Camus com a Palme d’Or de 1959 (Festival de Cannes) e o Oscar de 1960, entre outros prêmios. O imaginário da cultura latino-americana e da cultura brasileira foram formados por essas duas obras, explicitando o exótico e marcando alguns estereótipos, como o mágico e samba, um com a perspectiva colombiana e outro com a perspectiva francesa (a luz de Vinicius de Moraes). O meu objetivo é observar a maneira como a identidade da América do Sul é formada por essas obras, analisando o enredo, a recepção mundial, os autores, os estereótipos reforçados e o que aproxima as duas obras. Macondo e o morro carioca são peças estratégicas para a fundamentação do imaginário de América do Sul, são locais que a caracterizam de uma maneira econômica e cultural e que possuem uma força tão grande que se tornam os personagens principais das obras. Para embasamento teórico desse trabalho, faço uso dos textos A identidade latino-americana em Cem Anos de Solidão (1967), de Gabriel García Márquez (2016), de Bruna Ferreira da Silva; Cem anos de mitos, imperialismo e solidão: Macondo e a (des)construção identitária latino-americana (2009), de Ronan Simioni e Vera Elisabeth Prola Farias e Um mito exótico? A recepção crítica de Orfeu Negro de Marcel Camus (1959-2008) (2009), de Anaïs Fléchet, entre outros.

III.3 Por que a literatura latino-americana não é universal? Um estudo de caso de alunos do curso de Letras na Colômbia que não leem a literatura de seu próprio continente
Sibylla Jockymann do Canto Serafini, sibylla.serafini@tdea.edu.co e Mônica Stefani, mokistefani@yahoo.com.br 

Como parte das discussões na Ilha do Sul no Colóquio de Literatura Comparada, o presente trabalho visa a propor uma reflexão a respeito da preferência de alunos de uma Instituição de Ensino Superior localizada em Medellín, Colômbia, estudantes de Letras, por literatura europeia em detrimento à literatura latino-americana, escrita em sua língua materna e ênfase de estudo do curso em questão. Em avaliações onde podem escolher material literário para analisar ou quando devem selecionar livros para trabalhar durante o período de prática profissional, a esmagadora maioria opta por literatura originalmente de língua inglesa, francesa e russa, com a ideia de que a qualidade é superior à produzida na América Latina. Há demonstrações claras não somente de preferência, mas de um profundo desconhecimento da literatura de seu próprio país, com um discurso repetido de que desde a escola eles aprendem com seus professores que a literatura universal não inclui a literatura produzida em nosso continente. No caso dos alunos dessa instituição, eles reportam que toda literatura vista na escola e exigida nos processos seletivos para entrar nas universidades privilegiam autores que não são americanos. Com isso, surgem questões relativas à forma como vem sendo tratada a nossa produção latino-americana não somente na escola, mas também na esfera acadêmica que, por sua vez, formará professores que podem perpetuar (ou não) essas ideias de literatura universal sem América Latina. Chama a atenção que o país de nosso estudo de caso é a Colômbia, terra de nada mais nada menos que Gabriel García Márques, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1982 e autor de clássicos da literatura dita universal, como Cem Anos de Solidão. Ao apontar os problemas verificados no presente momento na área de ensino de literatura, propomos uma reflexão, com possíveis abordagens se não para resolver, pelo menos para atenuar essas dificuldades, e conclamar os alunos para que comecem a visualizar sua literatura com olhos mais realistas e sulistas. 

III.4 Grande sertão: veredas Cem anos de solidão - Nova narrativa épica revisitada
Mariana Figueiró Klafke, marianaklafke@gmail.com 

boom latino-americano, fenômeno editorial e literário dos anos 1960 e 1970 que chamou a atenção da Europa e dos Estados Unidos da América para a literatura produzida na periferia, não incluiu autores brasileiros como pertencentes ao movimento. Diversas questões podem ser discutidas para entender essa exclusão: a diferença linguística entre Brasil e demais países latino-americanos e o fato de que o português, ao contrário do espanhol, não possui status de língua de cultura no ocidente; os diferentes contextos políticos e econômicos; o histórico muito diverso de escolarização e acesso à cultura letrada da América espanhola e da portuguesa. Ainda assim, mesmo que nenhum autor brasileiro tenha alcançado a projeção internacional de autores como Gabriel García Márquez e Vargas Llosa no período, o boom acabou por abrir portas no mercado internacional para alguns autores brasileiros, como Jorge Amado e Guimarães Rosa. Alguns estudos propõem análises comparativas entre autores do boom e brasileiros. Nova narrativa épica no Brasil, de José Hildebrando Dacanal, apresenta uma leitura de algumas obras brasileiras (Grande sertão: veredasO coronel e o lobisomemSargento Getúlio; Os Guaianãs) como pertencentes a um fenômeno mais amplo da literatura da periferia do ocidente, uma nova narrativa épica latino-americana, que incluiria também obras como Cem anos de solidão, de García Márquez. A proposta desta comunicação é apresentar possibilidades de diálogo entre Grande sertão: veredas e Cem anos de solidão, tendo como ponto de partida as análises de Dacanal, mas ponderando algumas questões. Os principais pontos de convergência são que ambos os romances foram elaborados a partir de dados da cultura popular e oral, procurando mimetizar modos de narrar e questões mágicas e míticas que são próprios das culturas locais; e o mesmo fenômeno histórico que permeia as obras, o choque de culturas mítico-sacrais com a lógica pragmática e racionalista ocidental. Propõe-se aqui o questionamento, porém, sobre os efeitos diversos que causam uma narrativa em 3ª ou em 1ª pessoa quanto aos elementos mágicos presentes, ponto que Dacanal não leva em conta em sua análise. Procura-se também nesta comunicação pensar diferenças das obras em seu desenvolvimento: enquanto uma é conciliatória em relação ao choque de culturas, a outra é apocalíptica. O que isso diz sobre as visões de mundo dos autores e sobre a história de suas nações?

IV. 10 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA DO PESQUISADOR DO ILEA

IV.1 O lugar sem limites: a insularidade social a partir da questão da identidade em José Donoso
Alexandra Lopes Da Cunha, alexandra.cunha@acad.pucrs.br 

Na epígrafe que abre O lugar sem limites, do escritor chileno José Donoso, tem-se um trecho de Doutor Fausto de Marlowe em que Mefistófeles diz precisamente que o inferno não tem limites, não se localiza em lugar específico. É onde estamos e estaremos, para sempre. A personagem principal de Donoso é Manuela, um travesti que se encontra em uma espécie de inferno perpétuo: um prostíbulo em uma pequena cidade interiorana – El Olivo – e o outro que a aprisiona para toda a vida: seu próprio corpo. José Donoso parte assim do duplo isolamento, o geográfico e o corporal, para compor um quadro de uma sociedade sulista eivada de preconceitos e hipocrisias em relação à sexualidade, em que a questão do lugar, este Sul impreciso, sem limites, conforme o título do livro, se demarca em ignorâncias e brutalidades, esmagando o indivíduo.  Já em Stella Manhattan, do autor brasileiro Silviano Santiago, o isolamento da figura do travesti faz-se em uma ilha, a de Manhattan, que é para onde se dirige o personagem principal para fugir da perseguição paterna em relação à sua sexualidade. É a partir das questões sexuais que outras, a situação política do Brasil durante os anos de ditadura e o preconceito racial, são abordadas. Nesta obra também se percebe as mesmas questões de isolamento presentes na obra de Donoso: isolamento, incompreensão e repressão do indivíduo. O objetivo do presente trabalho é tecer comparativos no que diz respeito à questão do tratamento da identidade nestas duas obras, ou seja, como os dois autores partem da questão de identidade de gênero/sexualidade para construir uma ideia maior: a de identidade nacional e, mais especificamente, sulista. 

IV.2 Pensar uma comunidade atlântico-sul
Keli Cristina Pacheco, kelipacheco@hotmail.com 

O conto “O enterro da bicicleta”, do moçambicano Nelson Saúte, do livro O rio dos bons sinais (2007), traz uma metáfora que nos permite pensar a especificidade de um país que passou por um longo e doloroso processo colonial e que se vê, precariamente, diante da necessidade de criar contatos com o exterior. A narrativa coloca em primeiro plano a história de um deputado em uma aldeia na África que, devorado por um leão, deixa evidente a fragilidade do contato dessa comunidade com o exterior. Tal como o conto de Franz Kafka, “Uma mensagem imperial”, temos o tema da incomunicabilidade, ou da necessidade de certas condições prévias necessárias para que esta minimamente se dê, notadamente quando o fora é expressivamente mais forte, estabelecendo uma relação desigual. No caso brasileiro a retórica antropofágica parece dar conta de desestabilizar essa força desigual, através da ressignificação do gesto indígena, contudo nunca nos vimos como antropófagos devorados, como atesta Alfredo Cesar Barbosa de Melo (2016), quando localiza no contato entre as literaturas brasileira e africanas uma forma de desvio das assimetrias de poder entre norte/sul, por exemplo. Pretendo, a partir da leitura de “O enterro da bicicleta”, explorar um debate em torno da literatura e da comunidade em países periféricos de língua portuguesa para pensar em uma comunidade atlântico sul como uma forma de armar resistência e desestabilizar hierarquias de poder.

IV.3 Ernesto Sábato e o Ensaio na América Espanhola
Margarete Hülsendeger, margacenteno@gmail.com 

O conceito de “ensaio” surgiu pela primeira vez com o francês Michel de Montaigne, nele se instaura um novo tipo de escrita que valoriza o “eu” na sua forma de se expressar. No entanto, como explica Liliana Weiberg, foram necessários muitos anos para que a poderosa intuição de Montaigne fosse aceita pelas diversas manifestações literárias, artísticas e filosóficas (WEINBERG, 2007). Nesse sentido, o século XX foi considerado o grande século do ensaio, pois conseguiu mostrar o carácter “indeterminado del género al sintetizar en los diversos escritos en los que se materializa las múltiples manifestaciones textuales de las que procede y por las que se ha desarrollado (GIL-ALBARELLOS, 1998, p. 87). Na América Espanhola pode-se perceber um movimento acentuado em direção a esse gênero “híbrido”, com grandes expoentes da literatura hispano-americana – Mario Vargas Llosa, Alfonso Reyes, Jorge Luis Borges, Ernesto Sábato, Ricardo Piglia, entre outros – utilizando-o para refletir sobre os mais variados assuntos. A partir do que foi exposto, neste trabalho, escolheu-se abordar uma questão que até os dias atuais é motivo de debate e tem sido discutida em inúmeros ensaios: o conceito de literatura nacional na América Espanhola. Para apresentar esse tema analisou-se alguns dos ensaios do escritor argentino Ernesto Sábato. Seguindo um estilo que se assemelha ao adotado por Pedro Henríquez Ureña em seus Seis ensayos en busca de nuestra expresión, ele constrói textos que tanto podem ocupar várias páginas como apenas a extensão de um parágrafo, consequentemente, a composição de seus ensaios é feita, muitas vezes, de fragmentos – a exemplo do que ocorre com Walter Benjamin e Roland Barthes. Em obras fundamentais como Homens e engrenagensHeterodoxia e O escritor e seus fantasmas, Sábato deixa claro sua opinião sobre o que considera uma literatura nacional. Do mesmo modo, poderá se perceber que muitas de suas ideias ainda são matéria de polêmica como, por exemplo, os conceitos de originalidade, tradição e nacionalismo. Para Sábato, a originalidade da literatura hispano-americana está na sua competência de aceitar que na América nasceu uma nova cultura e, consequentemente, um novo homem. Um homem que, segundo ele, herdou de seus antepassados espanhóis uma língua que foi, ao longo do tempo e do espaço, transformando-se até chegar ao espanhol que hoje é falado nos diferentes países da América espanhola, igualmente “contaminado” pelas línguas dos nativos e dos imigrantes que mais tarde chegariam a essas terras.

IV.4 Literatura chilena e redemocratização: Ariel Dorfman e Diamela Eltit
Karina de Castilhos Lucena, kclucena@gmail.com 

Um passado autoritário unifica os países do sul: muitos deles passaram por ditaduras civis-militares entre os anos 1960 e 1980. Mas se são similares as ditaduras, são desiguais os processos de redemocratização. Da conciliação brasileira – desacompanhada de políticas oficiais da memória (como são as Comissões Nacionais da Verdade, por exemplo) na época da transição – ao Nunca más argentino – memória coletiva oficializada, produzida com participação direta da sociedade – há uma distância importante. Talvez o caso chileno esteja a meio caminho entre as redemocratizações brasileira e argentina. Se, por um lado, o Chile transitou para a democracia por meio de uma grande conciliação (Augusto Pinochet deixou a presidência para ser o comandante das Forças Armadas do primeiro governo democrático), por outro, o presidente eleito imediatamente institui aComisión Rettig, com a missão de investigar os crimes da ditadura. Além disso, a famosa vitória do No, em plebiscito chamado por Pinochet, dá mais uma mostra de que o episódio chileno é especial. Levando em conta essa especificidade, o objetivo deste trabalho é verificar como os escritores chilenos Ariel Dorfman (1942) e Diamela Eltit (1949) estetizaram a transição da ditadura à democracia no Chile. O exame se centra basicamente em La muerte y la doncella (1990), de Dorfman, e Jamás el fuego nunca (2007), de Eltit, embora outras obras dos autores também componham o argumento. Nos interessam nesta análise diferenças de gênero literário (teatro, no caso de Dorfman, romance, no de Eltit), de época de publicação (a peça é registro no calor da hora, publicada e encenada no ano em que o Chile volta à democracia; o romance é elaboração posterior, distanciada) e o óbvio: se trata de um escritor e de uma escritora reagindo a uma mesma experiência histórica. Fundamentam este estudo os livros Deslocamentos do feminino (1998), de Maria Rita Kehl, História, Memória, Literatura: o testemunho na era das catástrofes (2003), de Márcio Seligmann-Silva, O que resta da ditadura (2010), de Edson Teles e Vladimir Safatle (orgs.), O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo (2015), de Vladimir Safatle, e Mal-estar, sofrimento e sintoma (2015), Christian Dunker.

V. 11 de outubro, das 11h30min às 13h — LOCAL: SALA DO PESQUISADOR DO ILEA

V.1 O Estranhamento entre as Línguas Inglês e Africâner, em Boyhood, de J. M. Coetzee
João Pedro Wizniewsky Amaral, shuaum@gmail.com

Boyhood é o primeiro romance da trilogia autoficcional de J. M. Coetzee, Scenes from Provincial Life. A obra trata do crescimento do protagonista homônimo do autor em uma segregada África do Sul e se desenrola através de um complexo sistema narratológico que permite ao escritor distanciar-se de sua própria história. Os eventos e descobertas do menino aparecem principalmente através de suas impressões sensoriais. Nesse contexto, o protagonista, que fala inglês e africâner, parece não se sentir à vontade ao usar qualquer uma das línguas, colocando-as em conflito. A criança não se vê africânder, nem inglês, nem nativo sul-africano, nem forasteiro. Seu próprio nome, John Coetzee, aponta para uma mistura de descendências: um nome de origem inglesa com um sobrenome típico sul-africano. Assim, o rapaz vive uma espécie de busca de vínculos identitários no extremo-sul da África, em uma tensão alegórica que remete às relações entre colonizado/colonizador. Tal problemática está bastante presente na tradição literária do hemisfério Sul. A partir dessas conjecturas, esta leitura de Boyhood busca entender como o protagonista percebe o confronto entre as línguas inglês e africâner e qual o efeito desse embate para a narrativa. Nesse paralelo, John muitas vezes pende para o lado do inglês, por julgar a língua africâner como agressiva. Sua justificativa, entretanto, não é lógica, e se constrói a partir de fonemas específicos, gírias pesadas e das atitudes violentas dos falantes de africâner. De modo infantil e incipiente, John percebe o poder simbólico e intelectual que uma língua pode possuir, além de uma disputa hierárquica entre as línguas, mesmo que não consiga verbalizar isso de forma articulada. Outro motivo para John priorizar o inglês é porque ele tem mais afinidade com sua mãe (de origem holandesa) em detrimento do pai (de família africânder). O menino projeta as características das línguas para simbolizar diferenças culturais no apartheid, regime em que as pessoas eram segregadas por sua cor e, consequentemente, por grupo linguístico. O conflito entre essas línguas em Boyhood funciona como metáfora para as condições sociais de seus falantes e aludem à política do apartheid. Toda a noção do embate ideológico entre as línguas, criada pelo protagonista, é descoberta de forma pueril pelo personagem: John suspeita do poder que uma língua possui, percebe o embate através dos falantes, mas não consegue verbalizar um pensamento lógico-racional para explicar isso.

V.2 Qual é a real?: uma mirada globalista sobre teorias contemporâneas do realismo
Anderson Bastos Martins, anderbas@ufsj.edu.br

Este texto parte da premissa de que o realismo é uma vertente narrativa prevalente naquela que podemos insistir em denominar “Literatura do Terceiro Mundo”. Essa premissa, aliada à proposta oriunda dos estudos globalistas de se pensar a cultura internacionalmente também por meio de um eixo Sul-Sul, permite-nos abordar uma amostragem de textos literários contemporâneos originados no Hemisfério Sul e identificar entrelaçamentos e dissonâncias entre eles tendo teorias do realismo como pano de fundo. O recorte aqui proposto é uma seleção de cinco contos publicados em 2012 na edição da revista Granta dedicada aos “melhores jovens escritores brasileiros”, que serão lidos em diálogo com outros cinco contos de autores sul-africanos que apareceram na antologia The Granta Book of the African Short Story, publicado em 2011. O objetivo é não apenas aproximar textos produzidos por autores contemporâneos de duas das principais nações do chamado eixo Sul-Sul, ou seja, o Brasil e a África do Sul, mas também ler esses textos a contrapelo do volume The Antinomies of Realism, de Fredric Jameson, aproveitando a oportunidade para revisitar, frente aos novos realismos literários produzidos em tempos globais, sua conhecida postulação sobre a “alegoria nacional” como tarefa dos autores do Terceiro Mundo.

V.3 O Estado nos contos de Henry Lawson e Simões Lopes Neto
Ian Alexander, ianalex63@gmail.com

O australiano Henry Lawson (1867-1922) e o sul-rio-grandense Simões Lopes Neto (1865-1916) escreveram contos sobre a vida nas planícies do Novo Mundo no século XIX, utilizando narradores que eram homens da classe trabalhadora. A grande diferença é que Lawson e os seus leitores também eram da classe trabalhadora, enquanto Simões e os seus possíveis leitores eram da classe proprietária, diferença que gera uma série de contrastes entre as obras dos dois autores. O foco deste trabalho é a representação da atividade do Estado nos Contos Gauchescos de Simões e num grupo de vinte contos de Lawson, publicados entre 1892 e 1894.

V.4 Alice e o Pudim: O Sul na literatura infantil
Liziane Kugland, liziane.kugland@gmail.com

Este trabalho compara as Alices de Lewis Carroll e o clássico infantil The Magic Pudding (1918) de Norman Lindsay com foco nas (ou na ausência de) traduções de obras do norte e do sul do mundo literário. Alice chega ao País das Maravilhas ao cair em um buraco que parece não ter fundo. Enquanto cai, imagina o que encontrará do outro lado, no país dos “Antipathies”, como chama os antípodas, o povo que viveria no local oposto à Inglaterra na superfície da Terra, e que os ingleses então supunham ser a Austrália e a Nova Zelândia. Alice os imagina com os pés na cabeça, já que viveriam de cabeça para baixo.  Os Antipathies não aparecem nem são mais mencionados na história e seu registro apenas evidencia o conceito de centro e periferia dos leitores ingleses da época. Se a Inglaterra era o centro (ou o norte, a referência, o lado superior do planeta), a Austrália era a periferia (ou o sul, o lado oposto, inferior). A ideia de norte como lado superior é visível na representação gráfica padrão do globo terrestre, com a Europa e os Estados Unidos, por exemplo, na posição superior, ainda hoje dominante cultural e economicamente e, no sul, os países pobres, com suas culturas periféricas, muitas vezes restritas ao local de produção. As duas aventuras da menina inglesa Alice foram traduzidas no mundo inteiro, inclusive no Brasil, onde ganharam dezenas de traduções e adaptações para diversos meios, tornando-se clássicos também em nosso sistema literário. The Magic Pudding, além de ter sido possivelmente inspirado por uma cena de Through the Looking-Glass, contém muitos pontos coincidentes com os livros de Alice – incluindo a importância da comida na história, canções, sátira a figuras de autoridade, viagens e até mesmo um julgamento que termina em uma briga e leva à conclusão da história – e poderia interessar aos mesmos leitores. Além disso, possui diversos elementos reconhecíveis por leitores brasileiros e especialmente sulistas, tais como personagens de vida semelhante à do gaúcho de atividade pastoril, que valoriza a vida errante ao ar livre, na companhia de amigos, sem conforto excessivo, mas com comida farta e música. Entretanto, jamais foi traduzido para o português e continua virtualmente desconhecido no Brasil, fato que exemplifica o status periférico da literatura australiana em nosso sistema literário igualmente periférico.

VI. 11 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA 213

VI.1 Às Mulheres, a Opressão? Contos de denúncia e libertação
Silvia Niederauer, silvia.niederauer@yahoo.com

A questão da mulher e sua subalternização nas sociedades em que ainda há a vigência de uma doxa de cunho masculino é fator a ser considerado ao se ler textos literários que trazem figuras femininas como personagens centrais. Por meio de uma investigação comparatista, intenta-se aproximar autores de países distantes, mas que comungam da língua portuguesa e trazem à tona problemáticas relacionadas a mulheres distintas em semelhantes situações de opressão. O corpus investigativo são, assim, os contos “Contradições de Eva”, de A rua dos secretos amores (2002) e “A saia almarrotada”, de O fio das missangas (2009), de Jane Tutikian e de Mia Couto, respectivamente. Os autores são exímios construtores de personagens femininas: ela, autora que dá voz a mulheres, tematiza, no livro referido, várias facetas de mulheres brasileiras subjugadas, solitárias, com suas alegrias, tristezas e frustrações. O título do livro dá a dimensão do espaço a ser apresentado: um narrador “passeia” pela rua dos secretos amores, a entrar nas casas e a desvelar o que lá dentro se passa. Ele, autor que dá voz a mulheres negras de Moçambique, as quais sofrem com a submissão a que estão expostas. No caso das mulheres moçambicanas, ainda há a marginalização por conta da etnia, o que revela um outro modo de silenciamento, apagamento e opressão. Seguindo a esteira de Boaventura de Souza Santos, em Epistemologias do Sul  (2010), percebe-se a necessidade de uma reflexão efetiva em relação à proposição de novos modelos sociais nos quais a mulher ganhe espaço e voz. Se a literatura é o campo da produção de sentidos outros ao que a realidade apresenta, se por meio da leitura literária tornam-se possíveis processos de emancipação, os contos aqui selecionados permitem estabelecer um diálogo crítico entre os diferentes contextos culturais e sociais enfocados, demonstrando suas aproximações e distanciamentos para, sobretudo, enfatizar sua pauta comum de denúncia ao que as mulheres sofrem e calam nas sociedades patriarcais.

VI.2 Uma Abelha na Chuva: a luta de classes e o sarcasmo traçado no tocante à igreja
Luan Rodrigues de Figueiredo, luafigueiredo83@gmail.com e Janio Davila, janio.gotham@gmail.com

 
Uma Abelha na Chuva foi publicado em 1953, Romance consagrado que trata da história de Álvaro Silvestre, representante da burguesia portuguesa “sem brasão”, casado com Maria do Prazeres, representante de uma nobreza que possuí o nome, mas não o capital. A obra narra o fracasso de laço matrimonial por interesse e as consequências da frustração que resulta desta relação. Os sentimentos de desconfiança, crise de consciência, remorso e dúvida, fazem dominam Silvestre durante toda obra, fazendo que com que o personagem passe boa parte do tempo imerso no álcool. Após ouvir o seu cocheiro narrar para a amante que sua patroa “o come com os olhos”. Silvestre resolve contar para o pai da moça sobre a relação proibida entre sua filha e o cocheiro, resultando deste ato, a morte do empregado. É possível observar na obra uma forte crítica à sociedade portuguesa da época, que fica evidente tanto na representação da questão de classe, quanto na representação das personagens ligadas à igreja. A crise econômica dos anos vinte e a instauração de regimes políticos de feição totalitária configuram um período de grande crise financeira para o povo português. Essa realidade é transportada para o universo diegético da obra, o qual é perpassado pelo conflito de classes, constituído por diferentes posições sociais representadas na narrativa. O objetivo deste trabalho consiste em evidenciar as questões do conflito de classes desencadeado por fatores geográficos, políticos e sociais, bem como a crítica às ações da igreja aliada às classes superiores que perpassam o universo diegético. Observar-se-á que as relações de hierarquia expostas acarretam uma penalidade absurdamente maior nas classes menos favorecidas, e são reduzidas conforme a posição social ocupada pelos sujeitos. Da mesma forma a igreja é retratada no espaço social representado na obra, funcionando como um meio de redenção por uma teoria não praticada.  O discurso religioso é proferido por personagens que se opõem a tudo o que é proposto pela igreja, aparentemente devoto, mas movido por sentimentos gananciosos e vingativos. A opressão exposta de forma delatora reflete de maneira articulada a organização e os problemas de graves proporções que ocorriam no ambiente social português da época.

VI.3 Das Dores de Ser-Se: O sujeito in itinere de Laferrière
Daniel Conte, danielconte@feevale.br

Ao lermos a narrativa País sem chapéu, de Dany Laferrière, encontramos um sujeito que é produto da materialidade histórica da diáspora caribenha e cindido entre dois mundos: um real e outro sonhado. Esses espaços que compõem o sujeito narrativo produzem um estranhamento, modo significador de um movimento de circunscrição do sujeito e de seus mundos, estabelecendo conflitos que fazem com que o agente social transite entre elementos imaginários que o levam ao hibridismo referencial, identitário. Neste trabalho, propomos um diálogo entre as percepções de sujeito cultural trazidas por Homi Bhabha, Stuart Hall e Edward Said. Esses autores erguem, a partir dos estudos culturais, uma perspectiva de sujeito que se materializa desde suas relações com a ossatura social que o suporta, gestando, desta forma, um imaginário interseccionado por discursos e ideologias diversos. Trabalhamos com a ideia de um sujeito híbrido e cindido, fruto das relações políticas e sócio culturais entre colonizadores e colonizados. Um sujeito que habita um entre -lugar e se apresenta de maneira opaca, disseminada, sem pretensão de uma totalidade, constituindo-se na articulação de diferenças culturais. Nessas condições, ele evidencia sua não-homogeneidade, e sua não-previsibilidade, fugindo às características sonhadas pelo processo colonialista: tornar o sujeito plenamente dominável. Por esse viés, sujeito e sentido passam a ter uma mobilidade ideológica e deixam de ser passíveis de homogeneização, perdendo a ideia de fixidez. É desde o exposto que pretendemos evidenciar a condição discursiva do sujeito narrativo de Laferrière, partindo de uma investigação bibliográfica, embora sejam raras as produções críticas de qualidade relativas à sua obra. Faz-se importante ressaltar que o escritor haitiano traz em seu dizer literário uma linguagem constituída da imediata relação da exterioridade com seu espaço imagético-íntimo. Laferrière “aparece como um expoente de uma escritura híbrida e plural [...] que recria e reinventa o real”, resultando em uma obra “inserida num universo de travessia de línguas, de territórios e de imaginário” (SOBRINHO, 2010, p. 107). Sua tessitura dá passagem a uma voz que, povoada pela História que lhe foi particular, engendrou um evidente processo de sedimentação imaginária de suas relações sociais. A questão que nos leva a esta proposição é a seguinte: como se desvela, que mundos e que contextos histórico-culturais traz este sujeito narrativo de Laferrière?