ILHA 2
LITERATURA
AO SUL
Ian Alexander,
Karina Lucena
e Monica Stefani
O que Mario Benedetti,
Gabriela Mistral, Jorge Luis Borges, Alfonsina Storni, Gabriel García Márquez,
Patrick White, J. M. Coetzee, Janet Frame, Mia Couto e Erico Verissimo têm em
comum? Certamente são escritores consagrados em seus próprios países. Mas, para
além disso (e, acima de tudo, reconhecendo suas diferenças linguísticas,
históricas e culturais), seus locais de origem convergem para um único ponto no
nosso planisfério, o mesmo local no mundo, o mesmo hemisfério: o Sul. É dali
que seus pontos de vista emergem e, cada um a seu modo, formam um retrato que
nos últimos tempos tem recebido atenção. A ideia deste colóquio é olhar para o
Sul e além do Sul. Interessa-nos o Ocidente no Sul, que não pode deixar de ter
uma relação desigual (de periferia) com os centros mais antigos e mais
poderosos do Ocidente. Mas as várias maneiras possíveis de se lidar com essa
condição são um assunto rico para comparações. O Sul pode se olhar sem fingir
ser o centro do mundo. O Sul pode se olhar sem se transformar em algo exótico.
O Sul pode se olhar sem se reduzir a uma coisa só. Assim, a pergunta que vai
guiar nossos trabalhos é: o que significa olhar o Sul na literatura? O caso
brasileiro é interessante. Tendo em vista as proporções continentais do país,
conclamar o leitor do Nordeste, por exemplo, a pensar nossa literatura
brasileira vista como “sulista” em termos de hemisfério é um exercício que
imitará a experiência de Milton Hatoum, escritor do Norte do Brasil, que, por
meio da leitura de obras de Erico Verissimo, conseguiu se dar conta de que o Rio
Grande do Sul era tão diferente do Amazonas, apesar de a língua portuguesa ser
o elemento unificador. O mesmo se aplicaria a outros casos: toda a América
Latina, com suas inúmeras variantes de espanhol; o inglês dos diferentes países
do Hemisfério Sul; a África portuguesa e o Brasil, entre outros exemplos.
Assim, as possibilidades de comparação entre os mais diversos modos de produção
artística (teatro, música, poesia, prosa) são enriquecedoras, e sem dúvida vão
ajudar não só a compreender melhor nossas características estéticas, mas também
a identificar e refletir sobre aspectos até então não explorados e a responder
à pergunta que propomos neste simpósio.
HORÁRIOS E LOCAIS DAS APRESENTAÇÕES
I.
9 de outubro, das 11h30min às 13h — LOCAL: SALA DO PESQUISADOR DO ILEA
I.1 Notas sobre edição na Argentina, no Uruguai e no Brasil nas décadas de
60 e 70, Sérgio Bandeira Karam
I.2 O dia em que o Papa foi a Melo e a permanência no limiar-sul: uma
leitura benjaminiana, Liniane Haag Brum
I.3 A mulher na narrativa fantástica: um estudo comparativo entre os contos
de Horacio Quiroga e Samanta Schweblin, Gustavo Melo Czekster
I.4 Conversas ao sul do mundo: reflexões sobre literatura e identidade
sulina nas correspondências de Sergio Faraco e Mario Arregui, Gilmárcia da
Silva Picoli e Marta Freitas Mendes
II.
9 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA DO PESQUISADOR DO ILEA
II.1 Tito Carvalho e o lugar de sua obra na
história da literatura, Tiago Pedruzzi
II.2 Reflexos do Sul em Dyonélio Machado,
Jonas Kunzler Moreira Dornelles
II.3 Relações intertextuais entre Erico
Verissimo e Graham Greene: uma leitura do excepcionalismo americano, Bruno
Brizotto
II.4 Do Rio Grande do Sul à Califórnia:
repensando língua, literatura e cinema, Renata Pires de Souza
III.
10 de outubro, das 10h às 11h30min — LOCAL: SALA DO PESQUISADOR DO ILEA
III.1 A tradução de autores colombianos ao
português brasileiro: reflexões sobre tradição e tradução literária,
Carolina Carvalho Prola
III.2 A formação de identidade nacional em Cem
Anos de Solidão e Orfeu do Carnaval, Marina Bonatto Malka
III.3 Por que a literatura latino-americana não é
universal? Um estudo de caso de alunos do curso de Letras na Colômbia que não
leem a literatura de seu próprio continente, Sibylla Jockymann do Canto
Serafini e Mônica Stefani
III.4 Grande sertão: veredas e Cem anos
de solidão — Nova narrativa épica revisitada, Mariana Figueiró Klafke
IV.
10 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA DO PESQUISADOR DO ILEA
IV.1 O lugar sem limites: a insularidade social
a partir da questão da identidade em José Donoso, Alexandra Lopes Da Cunha
IV.2 Pensar uma comunidade atlântico-sul,
Keli Cristina Pacheco
IV.3 Ernesto Sábato e o Ensaio na América
Espanhola, Margarete Hülsendeger
IV.4 Literatura chilena e redemocratização:
Ariel Dorfman e Diamela Eltit, Karina de Castilhos Lucena
V.
11 de outubro, das 11h30min às 13h — LOCAL: SALA DO PESQUISADOR DO ILEA
V.1 O Estranhamento entre as Línguas Inglês e Africâner, em Boyhood,
de J. M. Coetzee, João Pedro Wizniewsky Amaral
V.2 Qual é a real?: uma mirada globalista sobre teorias contemporâneas do
realismo, Anderson Bastos Martins
V.3 O Estado nos contos de Henry Lawson e Simões Lopes Neto, Ian
Alexander
V.4 Alice e o Pudim: O Sul na literatura infantil, Liziane Kugland
VI.
11 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA 213
VI.1 Às Mulheres, a Opressão? Contos de denúncia
e libertação, Silvia Niederauer
VI.2 Uma Abelha na Chuva: a luta de
classes e o sarcasmo traçado no tocante à igreja, Luan Rodrigues de Figueiredo
e Janio Davila
VI.3 Das Dores de Ser-Se: O sujeito in itinere de Laferrière, Daniel
Conte
RESUMOS DAS COMUNICAÇÕES
I. 9 de outubro, das 11h30min às 13h — LOCAL: SALA DO
PESQUISADOR DO ILEA
I.1 Notas sobre edição na Argentina, no Uruguai e no Brasil nas décadas
de 60 e 70
Sérgio Bandeira Karam, sbkaram@uol.com.br
O início dos anos 60 do século passado foi um período fértil na área da
edição literária nos países platinos, bem como no Brasil. O Uruguai, mesmo
submetido à presença marcante das edições argentinas, viu surgir três
importantes editoras em resposta a um crescimento significativo do público
leitor: Alfa, Arca e Banda Oriental. A Argentina, além da continuidade do
trabalho de editoras surgidas aproximadamente duas décadas antes (como foi o
caso das editoras Sudamericana, Emecé e Losada), viu também surgirem novos
projetos editoriais, como os do Centro Editor de América Latina (CEAL), Jorge
Alvarez, De la Flor e Tiempo Contemporáneo, entre outros. No Brasil,
especialmente no âmbito da edição de literatura hispano-americana, pode-se
destacar o trabalho levado a cabo por algumas editoras tradicionais, como a
Civilização Brasileira, a Brasiliense e a Globo de Porto Alegre, bem como o de
algumas editoras surgidas naquele momento, como a EdInova, a Sabiá, a Expressão
e Cultura e a Paz e Terra. O trabalho desenvolvido por estas editoras vai
repercutir também na criação de coleções específicas deste tipo de literatura
por outras editoras, como a veterana Francisco Alves e a Alfa-Omega, isso já
nos anos 70 e 80. Além disso, pode-se destacar o trabalho conjunto desenvolvido
por alguns intelectuais latino-americanos nas décadas de 60 e 70, como nos
casos da Enciclopedia Uruguaya, publicada pela Editores Reunidos em parceria
com a Arca, fruto da colaboração entre Ángel Rama e Darcy Ribeiro, entre
outros, e da Biblioteca Ayacucho, dirigida por Ángel Rama na Venezuela, que
também contou com a participação de Darcy Ribeiro e Antonio Candido na
indicação dos títulos brasileiros. Ademais, uma importante coleção argentina,
Capítulo. La historia de la literatura argentina, editada pelo Centro Editor de
América Latina, teve um sucedâneo uruguaio, Capítulo Oriental, publicada sob a
direção de Carlos Real de Azúa, Calos Martínez Moreno e Carlos Maggi. Este
trabalho tenta colocar em relação as diversas experiências editoriais
identificadas nos parágrafos acima, com o objetivo de traçar um panorama da
edição literária no âmbito platino e brasileiro, especialmente durante as
décadas de 60 e 70.
I.2 O dia em que o Papa foi a Melo e a permanência no limiar-sul: uma
leitura benjaminiana
Liniane Haag Brum, liniane@uol.com.br
Analisando O Banheiro do Papa (César Charlone, Enrique Fernández) e O dia
em que o Papa foi a Melo (Schlee), pretende-se demonstrar que, enquanto na
primeira é a expectativa em torno da chegada do papa que perfaz a narratividade
fílmica, na segunda isso ocorre por força da expectativa frustrada: aqui devir
é atravessar a fronteira da pobreza e não conseguir - permanecendo no
limiar (BENJAMIN).
I.3 A mulher na narrativa fantástica: um estudo comparativo entre os
contos de Horacio Quiroga e Samanta Schweblin
Gustavo Melo Czekster, gusczekster@gmail.com
Entre as suas múltiplas expressões e vertentes, a literatura fantástica
também foi usada para abordar questões de gênero, sendo exemplo o surgimento e
expansão do gótico que, na Inglaterra vitoriana, foi a maneira encontrada por
escritoras como Eliza Parsons, Mary Shelley e a pioneira Ann Radcliffe para
denunciar condições vivenciadas pelas mulheres e extravasar seus anseios por
liberdade e pelo direito de ter voz própria. Ainda assim, o fantástico
raramente é analisado nas suas imbricações com o feminino, apesar de ser
interessante observar como mulheres tratam a “momentânea suspensão da
descrença” no interior das suas obras e perceber como temas característicos da
narrativa fantástica são tratados diferentemente por homens e por mulheres. Por
meio do enfoque na maneira através da qual o feminino é expresso no interior
das obras do gênero fantástico, o trabalho pretende analisar os contos de dois
escritores que tangenciaram tal questão, no caso, o uruguaio Horacio Quiroga
(1879-1937) e a argentina Samanta Schweblin (1978). Enquanto que, nos contos de
Quiroga, entre os quais os contos “A galinha degolada” e “O travesseiro de
plumas”, surge a figura de uma mulher passiva dominada tanto pelo homem quanto
pelas circunstâncias incomuns que lhe rodeiam, nas narrativas curtas de
Schweblin, a mulher assume uma posição de destaque no âmago ficcional, sendo a
sua visão de mundo essencial para o estabelecimento da atmosfera fantástica,
como é o caso de “Conservas”, “Pássaros na boca” e “Mulheres desesperadas”.
Muito dessa visão, além de expressar contextos próprios da sociedade em que os
escritores conviveram ou convivem (no caso de Schweblin), também demonstra uma
evolução do papel da mulher no interior de uma narrativa fantástica,
abandonando uma posição de passividade para assumir protagonismo, o que também
representa um retorno aos princípios formadores do gótico literário.
I.4 Conversas ao sul do mundo: reflexões sobre literatura e identidade
sulina nas correspondências de Sergio Faraco e Mario Arregui
Gilmárcia da Silva Picoli, gilmarcia.picoli@acad.pucrs.br e Marta
Freitas Mendes, marta.mendes@acad.pucrs.br
Com o intuito de refletir sobre a literatura produzida no hemisfério sul,
este trabalho se propõe a lançar um olhar sobre a América do Sul, mais
precisamente na região que compreende o Uruguai e o estado brasileiro do Rio
Grande do Sul, por ser o lugar que acolhe a amizade entre Sergio Faraco, escritor
gaúcho, de Alegrete, e Mario Arregui, escritor uruguaio, de Trinidad. Os contos
de Mario Arregui, despretensiosamente descobertos por Sergio Faraco, em 1976,
viriam ao encontro de uma temática do homem do campo e de sua simplicidade,
muitas vezes representados pela figura do gaúcho, que compõe igualmente os
contos do autor alegretense. Costumes, vida rural, relações familiares, lutas e
crenças estão coadunados em uma literatura que muito se familiariza, mas também
expressa diferenças. A tradução de contos de Arregui feita por Faraco, trouxe,
através de um intercâmbio linguístico e literário, a divulgação da literatura
uruguaia no Brasil e o apreço da literatura do sul do Brasil aos países
vizinhos, destacando aspectos peculiares de ambas regiões. Esse intercurso
literário feito pelos dois contistas se construiu principalmente através de
cartas, escritas no período de julho de 1981 a fevereiro de 1985, e que, após a
morte de Arregui (1985) foram registradas em livro, publicado em 1990, no
Uruguai e, posteriormente, no Brasil, em 2009. Considerando o que foi exposto,
o presente trabalho busca apresentar uma análise comparativa das visões de
literatura e identidade sulina de Faraco e Arregui, a partir das
correspondências reunidas no livro Diálogos sem fronteira (2009). Por sulina
entendemos aqui uma literatura e identidade híbridas, que congregam as
identidades dos gauchos argentinos e uruguaios, bem como dos gaúchos
sul-riograndenses, por conta de proximidades culturais e geográficas.
II. 9 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA DO
PESQUISADOR DO ILEA
II.1 Tito Carvalho e o lugar de sua obra na história da literatura
Tiago Pedruzzi, tiagopedruzzi@gmail.com
A literatura gauchesca produzida no Rio Grande do Sul sempre esteve em uma
encruzilhada crítica, foi uma espécie de corpo estranho nas tentativas de
classificação propostas nos manuais de literatura brasileira, pois para a
crítica nacional essa denominação encerrava dois problemas: o de apresentar um
elemento estrangeiro muito forte (a literatura gauchesca é ao mesmo tempo,
brasileira, argentina e uruguaia) e, além disso, restringia-se a um fenômeno
regional, longe do centro da produção crítica e da intelligentsia responsável
por sua difusão. Quanto à figuração em histórias e antologia de textos de
literatura gauchesca argentinos e uruguaios, até o começo do século XXI
apareceu raríssimas vezes como nota de rodapé, sendo apenas inserido mais
recentemente em estudos que buscam analisar o fenômeno em diacronia com a
produção rio-platense. Não esgotados os problemas apresentados, surgem outros a
resolver dentro da produção crítica nacional que podem romper com uma das
poucas certezas acerca do assunto, a de que a literatura gauchesca é aquela
produzida no Rio Grande do Sul e está circunscrita ao seu espaço geográfico.
Como exemplo podemos citar a produção literária de Tito Carvalho com seu livro
de contos Bulha D’arroio (1939) e seu romance Vida Salobra(1963), ambientados
no planalto serrano catarinense, uma região com uma formação social muito
próxima daquela acontecida no Rio Grande do Sul, além da presença de campos e
da produção pecuária. Este trabalho, portanto, tentará analisar a produção
contística de Tito Carvalho e buscará compreender em que medida se encaixa numa
classificação como a de Literatura Gauchesca, ainda que esteja num espaço
geográfico não referido por pesquisadores anteriores como gauchesco. Na
tentativa de explicar sua produção, buscou-se, repetidas vezes, classificar a
produção de Tito Carvalho como regionalista, por isso, também tentaremos
compreender se, de alguma forma, essa classificação não tentava de descolar a
produção do escritor da classificação de literatura gauchesca devido à forte
identificação do termo com a produção inserida dentro do contexto estadual do
Rio Grande do Sul.
II.2 Reflexos do Sul em Dyonélio Machado
Jonas Kunzler Moreira Dornelles, jkdornelles@hotmail.com
Gaúcho nascido na cidade de Quaraí, fronteira com Uruguai, Dyonélio
Machado não deixou de refletir sobre as particularidades do contexto sulista em
que cresceu. Do ponto inicial de sua produção, com Política Contemporânea: Três
Aspectos (1922), O Estadista (1926) e Um Pobre Homem (1927), passando por suas
obras intermediárias, como Desolação (1946) e Passos Perdidos (1947), até as
amostragens finais, com Fada (1982), sua obra refletiu as condições e
subjetividades do pampa e das cidades do Sul. Em suas páginas encontraremos não
só descrições poéticas dos contrastes entre o Sul e os trópicos, como também
uma sutil análise da psiquê especificamente sulista, a qual buscaremos
reconstituir a partir de suas entrevistas, de sua obra autobiográfica, e do
caráter de algumas de suas personagens. De certa maneira, podemos pensar a obra
de Dyonélio em um diálogo comparatista com outros autores sul riograndenses,
como nas representações regionalistas de Apolinário Porto-Alegre, Alcides Maya,
Cyro Martins, Aureliano de Figueiredo Pinto e Pedro Wayne. A interpretação
hermenêutica de sua obra se enriquece quando a pensamos em correlação com essa
vertente de autores, todos críticos às mitologias regionalistas, estabelecendo
um contraste com as narrativas hegemônicas “mainstream”. A relação com a obra
de Cyro Martins é especialmente importante, dado que esse autor, assim como
Dyonélio, tinha formação freudiana e utilizaria o recurso psicanalítico como
chave interpretativa para a compreensão das identidades regionais. Ainda, toda
a força e o valor da figura sulista dyoneliana, o desgarrado de seus
horizontes, se encontraria num diálogo com outra figura, desta vez autor de
antropologia e historiografia regionais, Manoelito de Ornellas. Personagem
profunda, e também algo aviltada por seus contemporâneos como Dyonélio,
Manoelito oferecerá subsídios para ampliar a compreensão da cultura e das
identidades da região Sul. As ancestralidades e os deslimites das proposições
de Dyonélio ganharão, assim, uma visibilidade para além do mero idealismo
teórico.
II.3 Relações intertextuais entre Erico Verissimo e Graham Greene: uma
leitura do excepcionalismo americano
Bruno Brizotto, brunobrizotto@gmail.com
Ao afirmar que “um texto é feito de escrituras múltiplas, oriundas de
várias culturas e que entram umas com as outras em diálogo, em paródia, em
contestação”, o crítico francês Roland Barthes (2004, p. 64) coloca em cena a
própria condição de existência e de legibilidade das obras literárias. De
acordo com tal perspectiva, a ideia de conceber a criação ficcional, bem como
sua consequente recepção, fora de uma ampla rede de relações seria praticamente
impensável. É o fenômeno da intertextualidade que, nesse sentido, garantiria o
sucesso de uma empreitada desse porte. Fora da prática intertextual, “a obra
literária seria muito simplesmente incompreensível, tal como a palavra duma
língua ainda desconhecida”, constata Laurent Jenny (1979, p. 5). Longe de
caracterizar-se como “uma soma confusa e misteriosa de influências”, o processo
intertextual designa “o trabalho de assimilação de vários textos, operado por
um texto centralizador, que detém o comando do sentido.” (JENNY, 1979, p. 14).
Visto desse modo, o ato de estabelecer conexões entre diferentes tradições
estéticas constitui um profícuo empreendimento que, por sua vez, tem
possibilitado a sobrevivência e a perenidade da literatura ao longo do tempo.
Levando em conta tais considerações, pretendemos realizar um exercício intertextual
entre os romances O americano tranquilo (The Quiet American, 1955) e O
prisioneiro (1967), escritos, respectivamente, pelo inglês Graham Greene
(1904-1991) e pelo brasileiro Erico Verissimo (1905-1975). Comum a ambos os
romances é a representação da evolução do envolvimento dos Estados Unidos nos
conflitos supracitados: de simples auxílios financeiros e econômicos até o
comprometimento total. Isso nos leva ao questionamento da participação
americana na guerra, sobretudo da política excepcionalista colocada em prática
em relação ao Vietnã. Sob esse ponto de vista, consideraremos dois polos para a
análise intertextual: em primeiro lugar, a defesa dessa perspectiva,
corporificada por Alden Pyle e o coronel branco; em segundo, a crítica a essa
posição, representada por Thomas Fowler, o major e a professora. Sentimos,
assim, uma “premência de entender o que permanece ou não permanece do passado,
e essa premência se introduz nas percepções do presente e do futuro.” (SAID,
2011, p. 40). Portanto, manteremos um olhar crítico durante o processo
analítico, levando em conta que é precisamente essa criticidade que define o
olhar intertextual (JENNY, 1979).
II.4 Do Rio Grande do Sul à Califórnia: repensando língua, literatura e
cinema
Renata Pires de Souza, repiress@yahoo.com.br
Este trabalho tem como objetivo apresentar uma reflexão sobre minha
experiência durante o ano acadêmico de 2016-17, quando participei do programa
Fulbright Foreign Language Teaching Assistant (FLTA) na University of
California, Santa Barbara. Como parte desse programa, os selecionados são
alocados em universidades norte-americanas, onde trabalham com o ensino da sua
língua materna, promovem a cultura de seu país e frequentam cursos voltados,
sobretudo, à cultura e à história dos Estados Unidos. Ao partir do Rio Grande
do Sul para a Califórnia, perguntava-me de que maneira abordaria o Sul do
Brasil em aulas e/ou eventos culturais, visto que o olhar do estrangeiro acerca
do nosso país quase sempre incide sobre o polo Rio-São Paulo. De tal modo, como
ser uma professora brasileira em outro país já não era mais a questão, e sim
como ser uma professora brasileira “sulista” – porque, afinal, foi a partir do
Sul que os meus pontos de vista sobre o Brasil e o mundo foram inevitavelmente
construídos. Como professora de PLA na UC Santa Barbara, trabalhei com cursos
de língua portuguesa e cinema brasileiro, por meio dos quais tentei percorrer
grande parte do nosso território nacional, explorando aspectos linguísticos,
históricos, geográficos, políticos e culturais. No entanto, foi através da
idealização de um ciclo de cinema (Luso-Brazilian Literature Through Film) que
o Sul pôde enfim ser (re)encontrado. Tal atividade extracurricular era aberta
tanto à comunidade acadêmica quanto externa e abordava filmes relacionados às
literaturas brasileira e portuguesa. Entre os títulos brasileiros, foram
exibidos O Auto da Compadecida (2000), Deus é Brasileiro (2003), Olga (2004) e
O Tempo e o Vento (2013). Considerando a resposta positiva dos alunos
especialmente quanto ao último filme do ciclo, outras atividades foram
desenvolvidas para que se explorasse um pouco mais do Sul em sala de aula, como
a leitura de um pequeno trecho da obra de Erico Verissimo. Assim, por meio de
um distanciamento e de uma experiência tão particular que culminou com O Tempo
e o Vento, pode-se repensar nossa língua, literatura e cinema em várias
dimensões, observando, por exemplo, o Rio Grande do Sul em relação ao restante
do Brasil, o Brasil em relação a Portugal e aos EUA e, enfim, o Rio Grande do
Sul em relação à Califórnia – que, de maneira curiosa, apresenta similaridades
com o nosso espaço gaúcho paradoxalmente estranho e familiar.
III. 10 de outubro, das 10h às 11h30min — LOCAL: SALA DO
PESQUISADOR DO ILEA
III.1 A tradução de autores colombianos ao português brasileiro:
reflexões sobre tradição e tradução literária
Carolina Carvalho Prola, carolina.prola@gmail.com
O trabalho a seguir apresentará os resultados da pesquisa envolvendo
autores e obras, em prosa, de origem colombiana, traduzidos ao português
brasileiro até os dias atuais. Tal pesquisa teve seu embrião gerado no projeto
de pesquisa Panorama da Narrativa Curta e do Romance Hispano-americano
dos Séculos XX e XXI, e se desenvolveu ao longo destes dois últimos anos.
Ao longo das próximas páginas, apresentarei os autores, as obras, as traduções,
os tradutores e as editoras envolvidas no processo das publicações. Um dos
objetivos de tal apresentação é divulgar a literatura colombiana no Brasil e
mostrar a importância que as traduções e os agentes envolvidos neste processo
possuem na propagação de uma literatura estrangeira em determinado cenário
local. Para tanto, realizei um levantamento dos autores colombianos publicados
no Brasil, observando a época de sua publicação, e fazendo paralelos com o
momento histórico em que vieram a público aqui. Com tais dados, procurei
observar padrões editoriais e temáticos de maneira crítica, construindo
gráficos a fim de visualizar possíveis fenômenos literários e mercadológicos.
Desta maneira, pretendi mostrar como a tradução literária se articula com a
tradição nacional. Mais especificamente, como duas literaturas periféricas -
brasileira e colombiana - dialogam através das traduções. Outro objetivo é o de
iluminar de que maneira fatores como mercado editorial e história atuam e influenciam
neste processo e no sistema literário, de modo a destacar que as traduções são
um pequeno galho desse sistema, assim como da história literária. Uma última
intenção é contribuir para os estudos de história da literatura e história da
tradução, a fim de descobrir maneiras de estudá-las e incentivar novos estudos
em tais áreas. Formam a base teórica deste estudo autores como Antonio Candido,
Franco Moretti, Itamar Even-Zohar e Ricardo Piglia.
III.2 A formação de identidade nacional em Cem Anos de Solidão e Orfeu
do Carnaval
Marina Bonatto Malka, marinabmalka@gmail.com
Este trabalho procura analisar como as identidades nacionais da Colômbia e
do Brasil são formadas no livro Cem Anos de Solidão (1967), de
Gabriel García Márquez e no filme Orfeu do Carnaval (1959), de
Marcel Camus, adaptação da peça de Vinicius de Moraes chamada Orfeu da
Conceição (1954). Ambas as obras foram aclamadas pelo público da época
vigente: o livro de Márquez que o levou a ganhar o Nobel de 1982 e o filme de
Camus com a Palme d’Or de 1959 (Festival de Cannes) e o Oscar de 1960, entre
outros prêmios. O imaginário da cultura latino-americana e da cultura
brasileira foram formados por essas duas obras, explicitando o exótico e
marcando alguns estereótipos, como o mágico e samba, um com a perspectiva
colombiana e outro com a perspectiva francesa (a luz de Vinicius de Moraes). O
meu objetivo é observar a maneira como a identidade da América do Sul é formada
por essas obras, analisando o enredo, a recepção mundial, os autores, os
estereótipos reforçados e o que aproxima as duas obras. Macondo e o morro
carioca são peças estratégicas para a fundamentação do imaginário de América do
Sul, são locais que a caracterizam de uma maneira econômica e cultural e que
possuem uma força tão grande que se tornam os personagens principais das obras.
Para embasamento teórico desse trabalho, faço uso dos textos A
identidade latino-americana em Cem Anos de Solidão (1967), de Gabriel García
Márquez (2016), de Bruna Ferreira da Silva; Cem anos de mitos,
imperialismo e solidão: Macondo e a (des)construção identitária
latino-americana (2009), de Ronan Simioni e Vera Elisabeth
Prola Farias e Um mito exótico? A recepção crítica de Orfeu Negro de
Marcel Camus (1959-2008) (2009), de Anaïs Fléchet, entre outros.
III.3 Por que a literatura latino-americana não é universal? Um estudo
de caso de alunos do curso de Letras na Colômbia que não leem a literatura de
seu próprio continente
Sibylla Jockymann do Canto Serafini, sibylla.serafini@tdea.edu.co e
Mônica Stefani, mokistefani@yahoo.com.br
Como parte das discussões na Ilha do Sul no Colóquio de Literatura
Comparada, o presente trabalho visa a propor uma reflexão a respeito da
preferência de alunos de uma Instituição de Ensino Superior localizada em
Medellín, Colômbia, estudantes de Letras, por literatura europeia em detrimento
à literatura latino-americana, escrita em sua língua materna e ênfase de estudo
do curso em questão. Em avaliações onde podem escolher material literário para
analisar ou quando devem selecionar livros para trabalhar durante o período de
prática profissional, a esmagadora maioria opta por literatura originalmente de
língua inglesa, francesa e russa, com a ideia de que a qualidade é superior à
produzida na América Latina. Há demonstrações claras não somente de
preferência, mas de um profundo desconhecimento da literatura de seu próprio
país, com um discurso repetido de que desde a escola eles aprendem com seus
professores que a literatura universal não inclui a literatura produzida em nosso
continente. No caso dos alunos dessa instituição, eles reportam que toda
literatura vista na escola e exigida nos processos seletivos para entrar nas
universidades privilegiam autores que não são americanos. Com isso, surgem
questões relativas à forma como vem sendo tratada a nossa produção
latino-americana não somente na escola, mas também na esfera acadêmica que, por
sua vez, formará professores que podem perpetuar (ou não) essas ideias de
literatura universal sem América Latina. Chama a atenção que o país de nosso
estudo de caso é a Colômbia, terra de nada mais nada menos que Gabriel García
Márques, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1982 e autor de clássicos da
literatura dita universal, como Cem Anos de Solidão. Ao apontar os
problemas verificados no presente momento na área de ensino de literatura,
propomos uma reflexão, com possíveis abordagens se não para resolver, pelo
menos para atenuar essas dificuldades, e conclamar os alunos para que comecem a
visualizar sua literatura com olhos mais realistas e sulistas.
III.4 Grande sertão: veredas e Cem anos de solidão
- Nova narrativa épica revisitada
Mariana Figueiró Klafke, marianaklafke@gmail.com
O boom latino-americano, fenômeno editorial e literário
dos anos 1960 e 1970 que chamou a atenção da Europa e dos Estados Unidos da
América para a literatura produzida na periferia, não incluiu autores
brasileiros como pertencentes ao movimento. Diversas questões podem ser
discutidas para entender essa exclusão: a diferença linguística entre Brasil e
demais países latino-americanos e o fato de que o português, ao contrário do
espanhol, não possui status de língua de cultura no ocidente; os diferentes
contextos políticos e econômicos; o histórico muito diverso de escolarização e
acesso à cultura letrada da América espanhola e da portuguesa. Ainda assim,
mesmo que nenhum autor brasileiro tenha alcançado a projeção internacional de
autores como Gabriel García Márquez e Vargas Llosa no período, o boom acabou
por abrir portas no mercado internacional para alguns autores brasileiros, como
Jorge Amado e Guimarães Rosa. Alguns estudos propõem análises comparativas
entre autores do boom e brasileiros. Nova narrativa
épica no Brasil, de José Hildebrando Dacanal, apresenta uma leitura de
algumas obras brasileiras (Grande sertão: veredas; O coronel e o
lobisomem; Sargento Getúlio; Os Guaianãs) como pertencentes a
um fenômeno mais amplo da literatura da periferia do ocidente, uma nova
narrativa épica latino-americana, que incluiria também obras como Cem
anos de solidão, de García Márquez. A proposta desta comunicação é
apresentar possibilidades de diálogo entre Grande sertão: veredas e Cem
anos de solidão, tendo como ponto de partida as análises de Dacanal, mas
ponderando algumas questões. Os principais pontos de convergência são que ambos
os romances foram elaborados a partir de dados da cultura popular e oral,
procurando mimetizar modos de narrar e questões mágicas e míticas que são
próprios das culturas locais; e o mesmo fenômeno histórico que permeia as
obras, o choque de culturas mítico-sacrais com a lógica pragmática e
racionalista ocidental. Propõe-se aqui o questionamento, porém, sobre os
efeitos diversos que causam uma narrativa em 3ª ou em 1ª pessoa quanto aos
elementos mágicos presentes, ponto que Dacanal não leva em conta em sua
análise. Procura-se também nesta comunicação pensar diferenças das obras em seu
desenvolvimento: enquanto uma é conciliatória em relação ao choque de culturas,
a outra é apocalíptica. O que isso diz sobre as visões de mundo dos autores e
sobre a história de suas nações?
IV. 10 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA DO
PESQUISADOR DO ILEA
IV.1 O lugar sem limites: a insularidade social a partir da questão da
identidade em José Donoso
Alexandra Lopes Da Cunha, alexandra.cunha@acad.pucrs.br
Na epígrafe que abre O lugar sem limites, do escritor chileno
José Donoso, tem-se um trecho de Doutor Fausto de Marlowe em
que Mefistófeles diz precisamente que o inferno não tem limites, não se
localiza em lugar específico. É onde estamos e estaremos, para sempre. A
personagem principal de Donoso é Manuela, um travesti que se encontra em uma
espécie de inferno perpétuo: um prostíbulo em uma pequena cidade interiorana –
El Olivo – e o outro que a aprisiona para toda a vida: seu próprio corpo. José
Donoso parte assim do duplo isolamento, o geográfico e o corporal, para compor
um quadro de uma sociedade sulista eivada de preconceitos e hipocrisias em
relação à sexualidade, em que a questão do lugar, este Sul impreciso, sem
limites, conforme o título do livro, se demarca em ignorâncias e brutalidades,
esmagando o indivíduo. Já em Stella Manhattan, do autor
brasileiro Silviano Santiago, o isolamento da figura do travesti faz-se em uma
ilha, a de Manhattan, que é para onde se dirige o personagem principal para
fugir da perseguição paterna em relação à sua sexualidade. É a partir das
questões sexuais que outras, a situação política do Brasil durante os anos de
ditadura e o preconceito racial, são abordadas. Nesta obra também se percebe as
mesmas questões de isolamento presentes na obra de Donoso: isolamento,
incompreensão e repressão do indivíduo. O objetivo do presente trabalho é tecer
comparativos no que diz respeito à questão do tratamento da identidade nestas
duas obras, ou seja, como os dois autores partem da questão de identidade de
gênero/sexualidade para construir uma ideia maior: a de identidade nacional e,
mais especificamente, sulista.
IV.2 Pensar uma comunidade atlântico-sul
Keli Cristina Pacheco, kelipacheco@hotmail.com
O conto “O enterro da bicicleta”, do moçambicano Nelson Saúte, do livro O
rio dos bons sinais (2007), traz uma metáfora que nos permite pensar a
especificidade de um país que passou por um longo e doloroso processo colonial
e que se vê, precariamente, diante da necessidade de criar contatos com o
exterior. A narrativa coloca em primeiro plano a história de um deputado em uma
aldeia na África que, devorado por um leão, deixa evidente a fragilidade do
contato dessa comunidade com o exterior. Tal como o conto de Franz Kafka, “Uma
mensagem imperial”, temos o tema da incomunicabilidade, ou da necessidade de
certas condições prévias necessárias para que esta minimamente se dê,
notadamente quando o fora é expressivamente mais forte, estabelecendo uma
relação desigual. No caso brasileiro a retórica antropofágica parece dar conta
de desestabilizar essa força desigual, através da ressignificação do gesto
indígena, contudo nunca nos vimos como antropófagos devorados, como atesta
Alfredo Cesar Barbosa de Melo (2016), quando localiza no contato entre as
literaturas brasileira e africanas uma forma de desvio das assimetrias de poder
entre norte/sul, por exemplo. Pretendo, a partir da leitura de “O enterro da
bicicleta”, explorar um debate em torno da literatura e da comunidade em países
periféricos de língua portuguesa para pensar em uma comunidade atlântico sul
como uma forma de armar resistência e desestabilizar hierarquias de poder.
IV.3 Ernesto Sábato e o Ensaio na América Espanhola
Margarete Hülsendeger, margacenteno@gmail.com
O conceito de “ensaio” surgiu pela primeira vez com o francês Michel de
Montaigne, nele se instaura um novo tipo de escrita que valoriza o “eu” na sua
forma de se expressar. No entanto, como explica Liliana Weiberg, foram
necessários muitos anos para que a poderosa intuição de Montaigne fosse aceita
pelas diversas manifestações literárias, artísticas e filosóficas (WEINBERG,
2007). Nesse sentido, o século XX foi considerado o grande século do ensaio,
pois conseguiu mostrar o carácter “indeterminado del género al sintetizar en
los diversos escritos en los que se materializa las múltiples manifestaciones
textuales de las que procede y por las que se ha desarrollado (GIL-ALBARELLOS,
1998, p. 87). Na América Espanhola pode-se perceber um movimento acentuado em
direção a esse gênero “híbrido”, com grandes expoentes da literatura
hispano-americana – Mario Vargas Llosa, Alfonso Reyes, Jorge Luis Borges,
Ernesto Sábato, Ricardo Piglia, entre outros – utilizando-o para refletir sobre
os mais variados assuntos. A partir do que foi exposto, neste trabalho, escolheu-se
abordar uma questão que até os dias atuais é motivo de debate e tem sido
discutida em inúmeros ensaios: o conceito de literatura nacional na América
Espanhola. Para apresentar esse tema analisou-se alguns dos ensaios do escritor
argentino Ernesto Sábato. Seguindo um estilo que se assemelha ao adotado por
Pedro Henríquez Ureña em seus Seis ensayos en busca de nuestra
expresión, ele constrói textos que tanto podem ocupar várias páginas
como apenas a extensão de um parágrafo, consequentemente, a composição de seus
ensaios é feita, muitas vezes, de fragmentos – a exemplo do que ocorre com
Walter Benjamin e Roland Barthes. Em obras fundamentais como Homens e
engrenagens, Heterodoxia e O escritor e seus
fantasmas, Sábato deixa claro sua opinião sobre o que considera uma
literatura nacional. Do mesmo modo, poderá se perceber que muitas de suas
ideias ainda são matéria de polêmica como, por exemplo, os conceitos de
originalidade, tradição e nacionalismo. Para Sábato, a originalidade da
literatura hispano-americana está na sua competência de aceitar que na América
nasceu uma nova cultura e, consequentemente, um novo homem. Um homem que,
segundo ele, herdou de seus antepassados espanhóis uma língua que foi, ao longo
do tempo e do espaço, transformando-se até chegar ao espanhol que hoje é falado
nos diferentes países da América espanhola, igualmente “contaminado” pelas
línguas dos nativos e dos imigrantes que mais tarde chegariam a essas terras.
IV.4 Literatura chilena e redemocratização: Ariel Dorfman e Diamela
Eltit
Karina de Castilhos Lucena, kclucena@gmail.com
Um passado autoritário unifica os países do sul: muitos deles passaram por
ditaduras civis-militares entre os anos 1960 e 1980. Mas se são similares as
ditaduras, são desiguais os processos de redemocratização. Da conciliação
brasileira – desacompanhada de políticas oficiais da memória (como são as
Comissões Nacionais da Verdade, por exemplo) na época da transição – ao Nunca
más argentino – memória coletiva oficializada, produzida com
participação direta da sociedade – há uma distância importante. Talvez o caso
chileno esteja a meio caminho entre as redemocratizações brasileira e
argentina. Se, por um lado, o Chile transitou para a democracia por meio de uma
grande conciliação (Augusto Pinochet deixou a presidência para ser o comandante
das Forças Armadas do primeiro governo democrático), por outro, o presidente
eleito imediatamente institui aComisión Rettig, com a missão de
investigar os crimes da ditadura. Além disso, a famosa vitória do No,
em plebiscito chamado por Pinochet, dá mais uma mostra de que o episódio
chileno é especial. Levando em conta essa especificidade, o objetivo deste
trabalho é verificar como os escritores chilenos Ariel Dorfman (1942) e Diamela
Eltit (1949) estetizaram a transição da ditadura à democracia no Chile. O exame
se centra basicamente em La muerte y la doncella (1990), de
Dorfman, e Jamás el fuego nunca (2007), de Eltit, embora
outras obras dos autores também componham o argumento. Nos interessam nesta
análise diferenças de gênero literário (teatro, no caso de Dorfman, romance, no
de Eltit), de época de publicação (a peça é registro no calor da hora,
publicada e encenada no ano em que o Chile volta à democracia; o romance é
elaboração posterior, distanciada) e o óbvio: se trata de um escritor e de uma
escritora reagindo a uma mesma experiência histórica. Fundamentam este estudo
os livros Deslocamentos do feminino (1998), de Maria Rita
Kehl, História, Memória, Literatura: o testemunho na era das
catástrofes (2003), de Márcio Seligmann-Silva, O que resta da
ditadura (2010), de Edson Teles e Vladimir Safatle (orgs.), O
circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo (2015),
de Vladimir Safatle, e Mal-estar, sofrimento e sintoma (2015),
Christian Dunker.
V. 11 de outubro, das 11h30min às 13h — LOCAL: SALA DO
PESQUISADOR DO ILEA
V.1 O Estranhamento entre as Línguas Inglês e Africâner, em Boyhood,
de J. M. Coetzee
João Pedro Wizniewsky Amaral, shuaum@gmail.com
Boyhood é o primeiro romance da trilogia autoficcional
de J. M. Coetzee, Scenes from Provincial Life. A obra trata do
crescimento do protagonista homônimo do autor em uma segregada África do Sul e
se desenrola através de um complexo sistema narratológico que permite ao
escritor distanciar-se de sua própria história. Os eventos e descobertas do
menino aparecem principalmente através de suas impressões sensoriais. Nesse
contexto, o protagonista, que fala inglês e africâner, parece não se sentir à
vontade ao usar qualquer uma das línguas, colocando-as em conflito. A criança
não se vê africânder, nem inglês, nem nativo sul-africano, nem forasteiro. Seu
próprio nome, John Coetzee, aponta para uma mistura de descendências: um nome
de origem inglesa com um sobrenome típico sul-africano. Assim, o rapaz vive uma
espécie de busca de vínculos identitários no extremo-sul da África, em uma
tensão alegórica que remete às relações entre colonizado/colonizador. Tal
problemática está bastante presente na tradição literária do hemisfério Sul. A
partir dessas conjecturas, esta leitura de Boyhood busca entender como o
protagonista percebe o confronto entre as línguas inglês e africâner e qual o
efeito desse embate para a narrativa. Nesse paralelo, John muitas vezes pende
para o lado do inglês, por julgar a língua africâner como agressiva. Sua
justificativa, entretanto, não é lógica, e se constrói a partir de fonemas
específicos, gírias pesadas e das atitudes violentas dos falantes de africâner.
De modo infantil e incipiente, John percebe o poder simbólico e intelectual que
uma língua pode possuir, além de uma disputa hierárquica entre as línguas,
mesmo que não consiga verbalizar isso de forma articulada. Outro motivo para
John priorizar o inglês é porque ele tem mais afinidade com sua mãe (de origem
holandesa) em detrimento do pai (de família africânder). O menino projeta as
características das línguas para simbolizar diferenças culturais no apartheid,
regime em que as pessoas eram segregadas por sua cor e, consequentemente, por
grupo linguístico. O conflito entre essas línguas em Boyhood funciona
como metáfora para as condições sociais de seus falantes e aludem à política do
apartheid. Toda a noção do embate ideológico entre as línguas, criada pelo
protagonista, é descoberta de forma pueril pelo personagem: John suspeita do
poder que uma língua possui, percebe o embate através dos falantes, mas não
consegue verbalizar um pensamento lógico-racional para explicar isso.
V.2 Qual é a real?: uma mirada globalista sobre teorias contemporâneas
do realismo
Anderson Bastos Martins, anderbas@ufsj.edu.br
Este texto parte da premissa de que o realismo é uma vertente narrativa
prevalente naquela que podemos insistir em denominar “Literatura do Terceiro
Mundo”. Essa premissa, aliada à proposta oriunda dos estudos globalistas de se
pensar a cultura internacionalmente também por meio de um eixo Sul-Sul,
permite-nos abordar uma amostragem de textos literários contemporâneos
originados no Hemisfério Sul e identificar entrelaçamentos e dissonâncias entre
eles tendo teorias do realismo como pano de fundo. O recorte aqui proposto é uma
seleção de cinco contos publicados em 2012 na edição da revista Granta
dedicada aos “melhores jovens escritores brasileiros”, que serão lidos em
diálogo com outros cinco contos de autores sul-africanos que apareceram na
antologia The Granta Book of the African Short Story, publicado em 2011.
O objetivo é não apenas aproximar textos produzidos por autores contemporâneos
de duas das principais nações do chamado eixo Sul-Sul, ou seja, o Brasil e a
África do Sul, mas também ler esses textos a contrapelo do volume The
Antinomies of Realism, de Fredric Jameson, aproveitando a oportunidade para
revisitar, frente aos novos realismos literários produzidos em tempos globais,
sua conhecida postulação sobre a “alegoria nacional” como tarefa dos autores do
Terceiro Mundo.
V.3 O Estado nos contos de Henry Lawson e Simões Lopes Neto
Ian Alexander, ianalex63@gmail.com
O australiano Henry Lawson (1867-1922) e o sul-rio-grandense Simões Lopes
Neto (1865-1916) escreveram contos sobre a vida nas planícies do Novo Mundo no século
XIX, utilizando narradores que eram homens da classe trabalhadora. A grande
diferença é que Lawson e os seus leitores também eram da classe trabalhadora,
enquanto Simões e os seus possíveis leitores eram da classe proprietária,
diferença que gera uma série de contrastes entre as obras dos dois autores. O
foco deste trabalho é a representação da atividade do Estado nos Contos
Gauchescos de Simões e num grupo de vinte contos de Lawson, publicados
entre 1892 e 1894.
V.4 Alice e o Pudim: O Sul na literatura infantil
Liziane Kugland, liziane.kugland@gmail.com
Este trabalho compara as Alices de Lewis Carroll e o clássico
infantil The Magic Pudding (1918) de Norman Lindsay com foco nas (ou na
ausência de) traduções de obras do norte e do sul do mundo literário. Alice
chega ao País das Maravilhas ao cair em um buraco que parece não ter fundo.
Enquanto cai, imagina o que encontrará do outro lado, no país dos
“Antipathies”, como chama os antípodas, o povo que viveria no local oposto à
Inglaterra na superfície da Terra, e que os ingleses então supunham ser a
Austrália e a Nova Zelândia. Alice os imagina com os pés na cabeça, já que
viveriam de cabeça para baixo. Os Antipathies não aparecem nem são mais
mencionados na história e seu registro apenas evidencia o conceito de centro e
periferia dos leitores ingleses da época. Se a Inglaterra era o centro (ou o
norte, a referência, o lado superior do planeta), a Austrália era a periferia
(ou o sul, o lado oposto, inferior). A ideia de norte como lado superior é visível
na representação gráfica padrão do globo terrestre, com a Europa e os Estados
Unidos, por exemplo, na posição superior, ainda hoje dominante cultural e
economicamente e, no sul, os países pobres, com suas culturas periféricas,
muitas vezes restritas ao local de produção. As duas aventuras da menina
inglesa Alice foram traduzidas no mundo inteiro, inclusive no Brasil, onde
ganharam dezenas de traduções e adaptações para diversos meios, tornando-se
clássicos também em nosso sistema literário. The Magic Pudding, além de
ter sido possivelmente inspirado por uma cena de Through the Looking-Glass,
contém muitos pontos coincidentes com os livros de Alice – incluindo a
importância da comida na história, canções, sátira a figuras de autoridade,
viagens e até mesmo um julgamento que termina em uma briga e leva à conclusão
da história – e poderia interessar aos mesmos leitores. Além disso, possui
diversos elementos reconhecíveis por leitores brasileiros e especialmente
sulistas, tais como personagens de vida semelhante à do gaúcho de atividade
pastoril, que valoriza a vida errante ao ar livre, na companhia de amigos, sem
conforto excessivo, mas com comida farta e música. Entretanto, jamais foi
traduzido para o português e continua virtualmente desconhecido no Brasil, fato
que exemplifica o status periférico da literatura australiana em nosso sistema
literário igualmente periférico.
VI. 11 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA 213
VI.1 Às Mulheres, a Opressão? Contos de denúncia e libertação
Silvia Niederauer, silvia.niederauer@yahoo.com
A questão da mulher e sua subalternização nas sociedades em que ainda há a
vigência de uma doxa de cunho masculino é fator a ser considerado ao
se ler textos literários que trazem figuras femininas como personagens
centrais. Por meio de uma investigação comparatista, intenta-se aproximar
autores de países distantes, mas que comungam da língua portuguesa e trazem à
tona problemáticas relacionadas a mulheres distintas em semelhantes situações
de opressão. O corpus investigativo são, assim, os contos
“Contradições de Eva”, de A rua dos secretos amores (2002) e
“A saia almarrotada”, de O fio das missangas (2009), de Jane
Tutikian e de Mia Couto, respectivamente. Os autores são exímios construtores
de personagens femininas: ela, autora que dá voz a mulheres, tematiza, no livro
referido, várias facetas de mulheres brasileiras subjugadas, solitárias, com
suas alegrias, tristezas e frustrações. O título do livro dá a dimensão do
espaço a ser apresentado: um narrador “passeia” pela rua dos secretos amores, a
entrar nas casas e a desvelar o que lá dentro se passa. Ele, autor que dá voz a
mulheres negras de Moçambique, as quais sofrem com a submissão a que estão
expostas. No caso das mulheres moçambicanas, ainda há a marginalização por
conta da etnia, o que revela um outro modo de silenciamento, apagamento e
opressão. Seguindo a esteira de Boaventura de Souza Santos, em Epistemologias
do Sul (2010), percebe-se a necessidade de uma reflexão efetiva em
relação à proposição de novos modelos sociais nos quais a mulher ganhe espaço e
voz. Se a literatura é o campo da produção de sentidos outros ao que a
realidade apresenta, se por meio da leitura literária tornam-se possíveis
processos de emancipação, os contos aqui selecionados permitem estabelecer um
diálogo crítico entre os diferentes contextos culturais e sociais enfocados,
demonstrando suas aproximações e distanciamentos para, sobretudo, enfatizar sua
pauta comum de denúncia ao que as mulheres sofrem e calam nas sociedades patriarcais.
VI.2 Uma Abelha na Chuva: a luta de classes e o sarcasmo traçado
no tocante à igreja
Luan Rodrigues de Figueiredo, luafigueiredo83@gmail.com e Janio
Davila, janio.gotham@gmail.com
Uma Abelha na Chuva foi publicado em 1953,
Romance consagrado que trata da história de Álvaro Silvestre, representante da
burguesia portuguesa “sem brasão”, casado com Maria do Prazeres, representante
de uma nobreza que possuí o nome, mas não o capital. A obra narra o fracasso de
laço matrimonial por interesse e as consequências da frustração que resulta
desta relação. Os sentimentos de desconfiança, crise de consciência, remorso e
dúvida, fazem dominam Silvestre durante toda obra, fazendo que com que o
personagem passe boa parte do tempo imerso no álcool. Após ouvir o seu cocheiro
narrar para a amante que sua patroa “o come com os olhos”. Silvestre resolve
contar para o pai da moça sobre a relação proibida entre sua filha e o
cocheiro, resultando deste ato, a morte do empregado. É possível observar na
obra uma forte crítica à sociedade portuguesa da época, que fica evidente tanto
na representação da questão de classe, quanto na representação das personagens
ligadas à igreja. A crise econômica dos anos vinte e a instauração de regimes
políticos de feição totalitária configuram um período de grande crise
financeira para o povo português. Essa realidade é transportada para o universo
diegético da obra, o qual é perpassado pelo conflito de classes, constituído
por diferentes posições sociais representadas na narrativa. O objetivo deste
trabalho consiste em evidenciar as questões do conflito de classes desencadeado
por fatores geográficos, políticos e sociais, bem como a crítica às ações da
igreja aliada às classes superiores que perpassam o universo diegético.
Observar-se-á que as relações de hierarquia expostas acarretam uma penalidade
absurdamente maior nas classes menos favorecidas, e são reduzidas conforme a
posição social ocupada pelos sujeitos. Da mesma forma a igreja é retratada no
espaço social representado na obra, funcionando como um meio de redenção por
uma teoria não praticada. O discurso religioso é proferido por
personagens que se opõem a tudo o que é proposto pela igreja, aparentemente
devoto, mas movido por sentimentos gananciosos e vingativos. A opressão exposta
de forma delatora reflete de maneira articulada a organização e os problemas de
graves proporções que ocorriam no ambiente social português da época.
VI.3 Das Dores de Ser-Se: O sujeito in itinere de Laferrière
Daniel Conte, danielconte@feevale.br
Ao lermos a narrativa País sem chapéu, de
Dany Laferrière, encontramos um sujeito que é produto da materialidade
histórica da diáspora caribenha e cindido entre dois mundos: um real e outro
sonhado. Esses espaços que compõem o sujeito narrativo produzem um
estranhamento, modo significador de um movimento de circunscrição do sujeito e
de seus mundos, estabelecendo conflitos que fazem com que o agente social
transite entre elementos imaginários que o levam ao hibridismo referencial,
identitário. Neste trabalho, propomos um diálogo entre as percepções de sujeito
cultural trazidas por Homi Bhabha, Stuart Hall e Edward Said. Esses autores
erguem, a partir dos estudos culturais, uma perspectiva de sujeito que se
materializa desde suas relações com a ossatura social que o suporta, gestando,
desta forma, um imaginário interseccionado por discursos e ideologias diversos.
Trabalhamos com a ideia de um sujeito híbrido e cindido, fruto das relações
políticas e sócio culturais entre colonizadores e colonizados. Um sujeito que
habita um entre -lugar e se apresenta de maneira opaca, disseminada, sem
pretensão de uma totalidade, constituindo-se na articulação de diferenças
culturais. Nessas condições, ele evidencia sua não-homogeneidade, e sua
não-previsibilidade, fugindo às características sonhadas pelo processo
colonialista: tornar o sujeito plenamente dominável. Por esse viés, sujeito e
sentido passam a ter uma mobilidade ideológica e deixam de ser passíveis de
homogeneização, perdendo a ideia de fixidez. É desde o exposto que pretendemos
evidenciar a condição discursiva do sujeito narrativo de Laferrière, partindo
de uma investigação bibliográfica, embora sejam raras as produções críticas de
qualidade relativas à sua obra. Faz-se importante ressaltar que o escritor
haitiano traz em seu dizer literário uma linguagem constituída da imediata
relação da exterioridade com seu espaço imagético-íntimo. Laferrière “aparece
como um expoente de uma escritura híbrida e plural [...] que recria e reinventa
o real”, resultando em uma obra “inserida num universo de travessia de línguas,
de territórios e de imaginário” (SOBRINHO, 2010, p. 107). Sua tessitura dá
passagem a uma voz que, povoada pela História que lhe foi particular, engendrou
um evidente processo de sedimentação imaginária de suas relações sociais. A
questão que nos leva a esta proposição é a seguinte: como se desvela, que
mundos e que contextos histórico-culturais traz este sujeito narrativo de
Laferrière?