Ilha 1 — Pirataria! — apropriações e adaptações

ILHA 1
PIRATARIA!
APROPRIAÇÕES
E ADAPTAÇÕES
Elaine Indrusiak
e Andrei Cunha


Piratas, falsários, traidores, ladrões, abigeatários, apátridas, infiéis, mercenários, mestiços, impuros: na história da cultura, os agentes da adaptação e da tradução sempre precisaram negociar naquele intermédio que causa repulsa aos gestores do centro. A palavra “apropriação”, polissêmica e multidisciplinar, pode ser usada para designar práticas predatórias, mas pode também se referir a posições de resistência — ou ainda, a diferentes combinações desses dois polos éticos. Por outro lado, como bem recorda Evando Nascimento, é na apropriação, devida ou indevida, que reside a possibilidade da duração. “Na vida como na arte, a mais perfeita mímesis faz ressaltar a diferença, a singularidade irreproduzível. Disso sabem muito bem os ‘falsários’, quer dizer, os infiéis tradutores que, como os bons escritores, colaboram ativamente para a supervivência de uma incomparável literatura” (NASCIMENTO, 2013, p.99). A despeito do muito que avançamos no reconhecimento da natureza intrinsecamente intersemiótica do fenômeno da intertextualidade, particularmente a partir dos estudos de transmidialidade, as relações entre “originais” e “cópias” apresentam-se ainda mais tensas quando envolvem, de um lado, obras canônicas e artes prestigiosas, e, de outro, manifestações culturais massificadas e populares, tais como o cinema comercial, as séries televisivas, os quadrinhos, videogames, entre outros. Nesse sentido, este simpósio visa congregar estudos acerca de adaptações, apropriações, traduções intersemióticas e diálogos inter- e transmidiáticos que problematizem ou questionem tais preconceitos anacrônicos.


HORÁRIOS DAS COMUNICAÇÕES

I. 9 de outubro, das 11h30min às 13h — LOCAL: ILEA

I.1 Colorindo o vazio: a adaptação do conto How to talk to girls at parties para os quadrinhos, Kleber Kurowsky
I.2 Os verdadeiros Contos do Cargueiro Negro: tradição e apropriação na obra de Alan Moore, Leonardo Poglia Vidal
I.3 Gaza-Confidentiel: webdocumentário e a linguagem de quadrinhos, Fernanda Bernardes
I.4 O teatro de Nelson Rodrigues invade o universo HQ, Débora Almeida de Oliveira

II. 9 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: ILEA

II.1 Cotidiano, humor e representação nas relações entre crônica e quadrinhos, Vinicius da Silva Rodrigues e Caroline Valada Becker
II.2 Autonarrativa, cinebiografia e orientalismo em Stupeur et tremblements, de Amélie Nothomb (1999) e Alain Corneau (2003), Luciana Wrege Rassier e Andrei Cunha
II.3 Flores raras (e banalíssimas): entre o documental e o ficcional, Bianca Deon Rossato e Elaine Indrusiak
II.4 Os leitores de Jane Austen: significados de representações e adaptações, Monica Chagas da Costa

III. 10 de outubro, das 10h às 11h30min — LOCAL: ILEA

III.1 As três irmãs de Haworth: diálogos imagéticos entre Morrison e Chekhov, Valter Henrique de Castro Fritsch
III.2 Adaptação intermidiática em espaços narrativos convergentes: RPG de mesa e literatura cyberpunk, Thiago Goulart Prietto
III.3 Notas sobre a transformação do conto “Uma branca sombra pálida”, de Lygia Fagundes Telles, no espetáculo teatral Sombra PáLida, Ivan Eder Neto Nunes
III.4 Diabo (Diablo, 2012), de Nicanor Loreti: a transculturação como ferramenta de descolonização audiovisual, Rosângela Fachel de Medeiros

IV. 10 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: ILEA

IV.1 Moral da história: um estudo comparativo da série Grimm e dos contos que a inspiraram, Fabian Quevedo da Rocha
IV.2 As novas adaptações de John Watson em séries televisivas contemporâneas, Eduarda De Carli
IV.3 A centralidade de Pride and Prejudice para a consolidação e manutenção da Austenmania, Filipe Róger Vuaden
IV.4 Penny Dreadful: o monstro gótico no século XXI, Éder Corrêa

V. 11 de outubro, das 11h30min às 13h — LOCAL: ILEA

V.1 Brasiliana ou da apropriação indébita, Cláudia Camardella Rio Doce
V.2 Da palavra do outro como palavra de si: contrabandos plagiários de linguagem, Luis Felipe Silveira de Abreu
V.3 Fronteiras selvagens: o estranhamento interartes na poética de Douglas Diegues, Jorge Antônio Miranda de Souza

VI. 11 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA 107

VI.1 Meus namorados — variações sobre Calle nº 1, Gisela de Moraes Rodrigues
VI.2 Pode o tradutor falar? Uma análise da tradução da Autobiografía de Juan Francisco Manzano no Brasil sob a ótica dos Estudos Culturais, Liliam Ramos da Silva


RESUMOS DAS COMUNICAÇÕES

I. 9 de outubro, das 11h30min às 13h — LOCAL: ILEA

I.1 Colorindo o vazio: a adaptação do conto How to talk to girls at parties para os quadrinhos (1)
Kleber Kurowsky, kleber_lz@hotmail.com

Publicado, originalmente, na coletânea Fragile things (2006), o conto “How to talk to girls at parties”, de Neil Gaiman, narra uma situação vivenciada por dois adolescentes em uma festa. Os protagonistas descobrem que todos ali, com exceção deles dois, vieram de outro planeta. A ênfase da narrativa está nas dificuldades que o personagem principal — o narrador — sente no que se refere a falar com as garotas da festa. Ele não entende o que elas dizem; em relação a ele, elas são de outro planeta. Narrada em primeira pessoa, a trama se sustenta, em boa parte, sobre o não dito, sobre a ausência de certos eventos que são contemplados pelo narrador, mas não expressos ao leitor; manifestam-se diversas lacunas na narrativa, com o narrador optando por omitir certas situações do leitor, muitas das quais ele não relata porque não consegue se lembrar direito. O narrador se vale do vazio para construir a narrativa. Em 2016, a obra foi adaptada para os quadrinhos pelos artistas brasileiros Fabio Moon e Gabriel Bá. No roteiro principal, as falas do narrador permanecem, na maior parte, inalteradas, mas agora há um aspecto a mais em jogo: o visual. A narrativa não conta mais apenas com o texto, mas também com os desenhos, com as cores; entretanto, o vazio continua presente, agora de forma visual. Ao realizar a adaptação, portanto, os artistas têm em mente o não dito, que se transforma no não visto. Na obra em quadrinhos, esse vazio é traduzido na forma de “sarjetas”, os espaços em branco entre os painéis da página: muito do que não é dito na prosa do conto, se encontra alojado no vazio entre os quadros da adaptação para os quadrinhos. Tendo em vista esse jogo de vazios, este trabalho tem como objetivo analisar a relação entre a obra e a adaptação, com ênfase nas ausências textuais e visuais. Para isso, a argumentação se sustentará, principalmente, nas teorias dos quadrinhos propostas por Scott McCloud (2005) e Will Eisner (2010), para melhor entender a estrutura e a forma desse tipo de mídia, em conjunto com os postulados de Wolgang Iser (1999) e Octavio Paz (2014) sobre a função do vazio na literatura.

I.2 Os verdadeiros Contos do Cargueiro Negro: tradição e apropriação na obra de Alan Moore (2)
Leonardo Poglia Vidal, leo.p.vidal@gmail.com

Alan Moore é um escritor com jeito de roqueiro, ideologia anarquista e a aparência geral de um yeti de casaco portando uma variedade de anéis e parafernália ocultista. É, também, um renomado pornógrafo, um desenhista sofrível e um pirata de notório sucesso. Durante sua carreira nos quadrinhos, Moore trabalhou principalmente com personagens de outrem — não apenas em seus títulos de origem, mas também como derivações de tipos icônicos como Superman, Capitão Marvel (que em si é uma variação de Superman) e outros clássicos. Moore não se limitou a super-heróis, mas também empregou múltiplas referências em suas obras, desde os clássicos da literatura até temas da cultura pop e astros do rock’n’roll (Roscoe Moscow e a personagem John Constantine, baseado em Sting, sendo os mais notórios nesse filão). Entre os personagens de que se “apropriou” ao longo de sua carreira, estão E.T., o Extraterrestre (em Skizz), A Família Monstro (The Munsters), Superman (em Miracleman/MarvelmanSupremeTom Strong, entre outros) e outras clássicas (como Jeckyll e Hyde, Nemo, Mina Murray e Alain Quartermain em A Liga Extraordinária) ou Jack, o Estripador (Do Inferno). Annalisa Di Liddo aponta, no livro Alan Moore: Comics as performance, fiction as scalpel (2009), que o emprego da tradição é ponto comum na obra do autor. Na verdade, no primeiro capítulo do livro, em que investiga os aspectos formais da obra de Moore, ela levanta três pontos diferentes: a linguagem dos quadrinhos e a estética das graphic novels (p.27), em que comenta o conhecimento do autor sobre a linguagem e estética do meio em que escreve; a reescrita de fontes literárias (p.35), em que aponta a familiaridade do autor com a tradição literária e como Moore tende a se apropriar dela em suas obras; e, finalmente, revisitando a tradição dos super-heróis (p. 46), em que comenta como Moore emprega também a tradição dos quadrinhos. Pode-se notar que todos os pontos levantados derivam do conhecimento da tradição, tanto literária quanto dos quadrinhos. O trabalho proposto consiste em uma recapitulação da qualidade derivativa da obra de Moore, desde o início de sua carreira até Jerusalem (2016), recriando uma ligação entre o emprego da tradição, a apropriação e a qualidade intertextual presente na obra do autor.

I.3 Gaza-Confidentiel: webdocumentário e a linguagem de quadrinhos (3)
Fernanda Bernardes, fernandacbernardes@gmail.com

O webdocumentário Gaza-Confidentiel (Adel Gastel, Gallagher Frenwick, 2015), produzido pelo canal FRANCE 24, retrata as condições da população civil na cidade de Gaza durante um bombardeio que durou 50 dias, em 2014. A história é contada através da combinação de desenhos no estilo de história em quadrinhos e alguns vídeos feitos por Gastel e Frenwick, com entrevistas e cenas do local no período do bombardeio. A partir do trabalho da autora Nina Mickwitz (2014), cuja análise relaciona quadrinhos e cinema documentário, vamos analisar os elementos textuais de Gaza-Confidentiel e como ocorre a articulação entre o texto e os componentes gráficos nesse webdocumentário. De acordo com Mickwitz (2014), narrativas em quadrinhos que tratam de fatos históricos são construídas empregando diversos estilos estéticos e de texto. Contudo, a autora observa que, de forma geral, ao tratar de fatos históricos, esse tipo de obra apoia-se em elementos paratextuais (denominação utilizada por Genette, 1991) para construir um posicionamento que convida os leitores a interpretarem seu conteúdo como representações de pessoas, eventos ou experiências históricas. Sendo assim, obras como Palestine (2003) e Footnotes in Gaza (2009), de Joe Sacco, empregam uma combinação de elementos paratextuais — comentários introdutórios e materiais de divulgação, entre outros — e “pistas” distribuídas ao longo da narrativa para que o leitor considere que o autor está retratando um evento do mundo histórico. No webdocumentário, por outro lado, a ancoragem da obra no mundo histórico pode ser realizada empregando imagens de registro, como ocorre em Gaza-Confidentiel. O objetivo do trabalho proposto é investigar como os autores de webdocumentários articulam texto em quadrinhos e registros audiovisuais; verificar se os elementos paratextuais são empregados de forma semelhante ao observado por Mickwitz (2014); e se a ancoragem de Gaza-Confidentiel emprega recursos além dos apontados pela autora.

I.4 O teatro de Nelson Rodrigues invade o universo HQ (4)
Débora Almeida de Oliveira, demestrado@yahoo.com.br

Em 1943, estreou no Rio de Janeiro, sob o comando do diretor polonês Zbigniew Ziembinski, a peça Vestido de noiva. Após a estreia, seu autor, Nelson Rodrigues, entrou para a história como um dos maiores dramaturgos do Brasil. Vestido de noiva é, até hoje, prestigiado como o marco que inicia o teatro moderno no país. Dada a importância da obra, inúmeros são os estudos acerca de sua complexidade, cujo cerne encontra-se no desenvolvimento do enredo através da mente em decomposição de uma mulher atropelada. Qualquer um que se proponha a levar Vestido de noiva aos palcos sabe, de antemão, que sua divisão em três planos (memória, alucinação e realidade) requer grande destreza para ser realizada. Maior destreza ainda requer sua adaptação para outros meios, como cinema ou televisão, por exemplo. No entanto, existe um universo que se presta a adaptar Nelson Rodrigues e suas obras de forma bastante consistente: o universo dos quadrinhos. Em 2013, Arnaldo Branco roteirizou Vestido de noiva para os quadrinhos com o apoio do ilustrador Gabriel Góes. Os dois artistas já haviam atuado em conjunto anteriormente, ao quadrinizarem a obra rodriguiana Beijo no asfalto, em 2007. Diante desse diálogo entre teatro e quadrinhos, o presente trabalho tem como objetivo analisar quais foram os recursos utilizados pelos autores da quadrinização para o processo de adaptação da peça. Será discutido, principalmente, como os autores transpuseram a divisão de planos do teatro para o papel e a utilização das imagens como coadjuvantes no processo de compreensão do texto escrito por Nelson Rodrigues. Para tanto, são utilizados teóricos dos estudos em quadrinhos para embasar tal análise, em especial os escritores Waldomiro Vergueiro, Paulo Ramos, Diogo Figueira e Roberto Elísio dos Santos, autores de obras que propõem um olhar mais aprofundado sobre as questões da linguagem dos quadrinhos e de sua relação com materiais literários.

II. 9 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: ILEA

II.1 Cotidiano, humor e representação nas relações entre crônica e quadrinhos (5)
Vinicius da Silva Rodrigues e Caroline Valada Becker, professorviniciusrodrigues@yahoo.com.br e carol.valada@hotmail.com

Têm aumentado consideravelmente a quantidade de pesquisas focadas em histórias em quadrinhos (HQs) e narrativas gráficas em âmbito acadêmico. Ainda que, no entanto, muito ligadas às Teorias da Comunicação, cabe a observação de que boa parte do arcabouço teórico discutido nessa esfera artística compartilha muitas noções com os Estudos Literários. São dimensões estéticas, pedagógicas e históricas que ainda carecem dessa participação efetiva das Letras, que pode enriquecer — e muito — essas discussões. Da mesma forma, há fenômenos relacionados à história da leitura que atravessam esses mesmos âmbitos, que são de interesse cultural, político e historiográfico fundamental, como o tema deste trabalho, voltado à investigação de dois materiais disponíveis na história da imprensa brasileira: a crônica — considerada um gênero literário híbrido e, ao mesmo tempo, um espaço de “suspensão” do tratamento jornalístico comum ao seu suporte mais frequente, o jornal — e as manifestações ligadas ao humor gráfico — a tira e a charge, principalmente. Estudar esses dois fenômenos lado a lado (crônica e humor gráfico) tão característicos da história cultural brasileira é uma maneira de possibilitar um entendimento particular para ambos. Como ponto de partida, compreende-se a hipótese de que há, talvez, um princípio cronístico que rege esse âmbito específico dos quadrinhos (em especial, no Brasil). Soma-se a isso uma importante fundamentação relacionada à discussão sobre os gêneros, visto o entrelugar ocupado pela crônica em relação à literatura e ao jornalismo e, da mesma forma, da tira e da charge em relação ao humor gráfico e aos quadrinhos. A relação com a imprensa torna-se, dessa maneira, outro importante ponto para reflexão, ao abrirmos caminho para o debate acerca do desenvolvimento dos quadrinhos como linguagem dentro da imprensa, ou seja: por meio da imprensa, por causa dela e, por que não dizer, apesar dela (e talvez, pensamos, o mesmo possa ser discutido a partir da crônica). Partindo dessas premissas, o objetivo primordial do trabalho é investigar noções caras a esses objetos de análise, como a ideia de representação e o trânsito entre ficção e realidade — tema de interesse das artes em geral —, a relação entre o autor empírico da crônica e o “mostrador” dos quadrinhos, a dimensão do cotidiano e a questão do humor. As leituras que amparam as análises desta pesquisa, por fim, passam por autores como Antonio Cândido, Luiz Costa Lima, Thierry Groensteen, Paulo Ramos, Gerard Gennette, Henri Bergson, entre outros.

II.2 Autonarrativa, cinebiografia e orientalismo em Stupeur et tremblements, de Amélie Nothomb (1999) e Alain Corneau (2003) (6)
Luciana Wrege Rassier e Andrei Cunha, luciana.rassier2010@gmail.com e andreicunha@gmail.com

Grande parte da obra da escritora belga Amélie Nothomb possui forte teor autobiográfico e privilegia aspectos como figurações identitárias, relações de alteridades ou contextos de culturas em contato, relacionados à sua própria experiência: a autora nasceu no Japão e fala fluentemente o japonês. Stupeur et tremblements (NOTHOMB, 1999), que recebeu da Academia Francesa o prêmio de melhor romance, narra o período de um ano durante o qual a protagonista belga Amélie, nascida no Japão, retorna a esse país após seus estudos universitários para trabalhar como intérprete em uma grande empresa sediada em Tóquio. O livro é em parte um exercício estilístico nos moldes do classicismo francês, com elementos de comédia de costumes, Bildungsroman e narrativa de viagem. O jogo entre texto confessional e ficção problematiza a fronteira com a autobiografia. Além disso, o livro faz referência implícita a uma longa tradição francófona de textos orientalistas que, desde Loti (1888) e passando por Claudel (1927), Duras (1959), Barthes (1970), Yourcenar (1980) e Butor (1995), imaginam o corpo europeu em contato com o Outro japonês. Em 2003, o cineasta francês Alain Corneau lança seu filme longa-metragem homônimo. A obra audiovisual retoma os elementos farsescos do texto literário, adicionando ao trabalho da escritora novas camadas de sentido, ao criar para a Amélie do cinema uma identidade que se descola deliberadamente da persona que Nothomb apresenta em público — seja na mídia, seja nos ensaios fotográficos para as capas de seus livros. Partindo dos pressupostos apresentados por Hutcheon (2010), propomos refletir neste trabalho sobre o texto e o filme a partir das seguintes questões: (1) Em que medida e pelo uso de que estratégias as duas obras tornam tênues os limites entre o ficcional e o confessional? (2) A partir do ponto de vista da cultura francesa, que diálogo intertextual está implícito no livro e no filme? (3) Como o livro e o filme reorganizam a tradição orientalista em que se inserem?

II.3 Flores raras (e banalíssimas): entre o documental e o ficcional (7)
Bianca Deon Rossato e Elaine Indrusiak, biancadrossato@gmail.com e eindrusiak@gmail.com

Este trabalho tem como objetivo observar a relação entre a obra Flores Raras e banalíssimas (1995) de Carmem L. Oliveira e o filme Flores Raras (2013), dirigido por Bruno Barreto. Ao (re)contar a história de amor entre Elizabeth Bishop e Lota de Macedo Soares, tendo como pano de fundo o Brasil dos anos 1950 e 1960, o texto de Oliveira pretende-se a um tempo documental e ficcional. A escritora fundamenta sua produção em documentos e arquivos pessoais, fontes históricas e relatos de pessoas do círculo de convivência de Lota e Bishop. A produção fílmica, a seu turno, é baseada no texto de Oliveira. Uma vez que as obras tratam de figuras históricas localizadas em determinado tempo e espaço, ambas suscitam questionamentos no que diz respeito a conceitos como o de passado histórico, de relações autor-personagem, de relações entre o real e o ficcional e a própria questão da apropriação e adaptação, conforme esses termos são entendidos nos Estudos de Adaptação. Nesse sentido, as discussões sobre metaficção historiográfica de Linda Hutcheon (1990), adaptação de Thomas Leitch (2008) e de Hutcheon (2013), e biopic — ou cinebiografia — de George Custen (1992) contribuem para a compreensão tanto de cada obra em seu caráter individual, como das relações existentes no processo adaptativo. O que se pode depreender desta análise, ainda em caráter parcial, é que embora trate de duas figuras históricas e se embase amplamente em documentos reais, a construção do texto de Oliveira, que se alimenta de elementos de uma narrativa literária, confere-lhe um caráter de romance. Existe neste texto uma espécie de triângulo amoroso entre Bishop, Lota e o Aterro do Flamengo, obra idealizada pela brasileira. Já a adaptação fílmica, ao tratar do ideal romântico, focado na ideia de amor impossível entre as figuras históricas, estabelece a terceira ponta do triângulo não com o Aterro, mas com a figura histórica, Mary Morse, uma americana que era companheira de Lota antes da chegada de Bishop ao Brasil.

II.4 Os leitores de Jane Austen: significados de representações e adaptações (8)
Monica Chagas da Costa, monicachagasdacosta@gmail.com

A leitura como prática passível de representação é o objeto de estudo de diversas análises sobre literatura e história. Estudiosos como o francês Roger Chartier, o americano Robert Darnton e as brasileiras Regina Zilberman e Marisa Lajolo, ao tomarem as imagens e as figuras leitoras enquanto representantes de práticas historicamente específicas, conseguiram desdobrar significados sobre a importância da leitura a partir de gestualidades inscritas nos textos. Eles nos apresentam métodos de interpretação de cenas literárias, demonstrando como a leitura, conforme sua expressão, pode conter múltiplas camadas interpretativas. A partir da capacidade de toda obra de apresentar seus próprios paradigmas de leitura, propõe-se analisar como essas figuras estão dispostas no romance Orgulho e Preconceito, de Jane Austen. Em um contexto ideal para a produção de novas práticas de leitura, a autora codifica significados a partir da apresentação de personagens leitoras variadas, definindo padrões e práticas que delineiam o perfil de seu próprio leitor. O presente trabalho busca compreender como, no processo de adaptação do texto para o cinema, esses códigos são interpretados, e quais são as novas dimensões que ganha a leitura em uma era em que o paradigma dos leitores é bastante diverso. Para tanto, serão cotejadas as cenas de leitura presentes no romance e aquelas encontradas em sua adaptação fílmica de 2005, dirigida por Joe Wright e estrelada por Keira Knightley. Através da comparação das duas obras, serão ressaltados os elementos que a narrativa fílmica incorpora ou reinterpreta, e os efeitos de sentido provocados por essas escolhas. Será levado em consideração o novo contexto leitor em que o filme foi produzido, já na era da tela e da leitura digital, e o que cada um dos objetos de leitura incorporados no filme pode significar quando pensada a realidade de seu público e as diferenças entre o público original do romance.

III. 10 de outubro, das 10h às 11h30min — LOCAL: ILEA

III.1 As três irmãs de Haworth: diálogos imagéticos entre Morrison e Chekhov (9)
Valter Henrique de Castro Fritsch, valter.fritsch@yahoo.com.br

O presente trabalho analisa a peça We are three sisters — escrita em 2011 pelo poeta e dramaturgo britânico Philip Blake Morrison —, com o objetivo de discutir as ligações entre as instâncias do ficcional, do real, do imagético e do biográfico. Morrison utiliza como pano de fundo para a elaboração de We are three sisters o texto As três irmãs (1902), do dramaturgo russo Anton Chekhov. Morrison preenche sua peça com dados sobre a vida das irmãs Brontë, como foram retratados pela historiadora e biógrafa Juliet Barker em The Brontës: wild genius on the moors (2010). Barker, que foi curadora da biblioteca da Brontë Society durante anos, confiou a Morrison os dados de sua pesquisa e o auxiliou a transportá-los para a peça que ele estava escrevendo. Considero importante examinar como se dá esse processo de alargamento das fronteiras entre o real e o ficcional através do conteúdo simbólico e imagético, porque ele reflete um tipo de prática cada vez mais utilizada por autores contemporâneos. O diálogo entre a Rússia de Chekhov da virada do século XIX para o XX e o cenário (interiorano) do norte (industrial) da Inglaterra na primeira metade do século XIX, quando equacionados por Morrison no contexto dos dias de hoje, convidam-nos a traçar considerações que muito têm a nos dizer sobre os parâmetros da dramaturgia contemporânea. Além de serem três grandes autoras do cânone literário do século XIX, as irmãs Brontë surgem também como ícones culturais britânicos, tantas vezes já representadas como personagens em biografias ficcionais, romances, filmes, balés e peças de teatro. Para escrever sua apropriação da vida das Brontë, Morrison ampara-se na biografia de Juliet Barker, ao mesmo tempo em que utiliza a peça de Chekhov como um texto-sombra, uma matriz que serve como base para sua criação, um andaime em torno do qual constrói seu enredo. O movimento de entrelaçamento de realidade e ficção realizado por Morrison e a produção do conteúdo simbólico através da análise de imagens arquetípicas são o principal foco de interesse deste trabalho. Escolho como metodologia de trabalho a aproximação entre os três textos, o de Morrison, o de Barker e o de Chekhov, através de ferramentas dos Estudos do Imaginário e de Adaptação, representados pela análise de conteúdos imagéticos nos termos propostos por Gaston Bachelard, Gilbert Durand, Carl Gustav Jung, Linda Hutcheon e Castor Bartolomé Ruiz, uma vez que o trabalho aponta para possibilidades dialógicas entre imagem e palavra dentro dos paradigmas da cena teatral contemporânea.

III.2 Adaptação intermidiática em espaços narrativos convergentes: RPG de mesa e literatura cyberpunk (10)
Thiago Goulart Prietto, tgoulartprietto@gmail.com

Pirataria! Palavra que se perpetua, indicando resistência ou subversão à norma, norma que se manifesta como aquilo que ocupa um local simbólico centralizado. É a escolha realizada para transportar algo de um lugar (seu ponto de origem) para outro, de maneira escusa, com o intuito de se acessar esse algo na “periferia”, justamente por não ser possível fazê-lo de maneira legítima no “centro”. Tal processo de adaptação de estruturas entre mídias distintas é reconhecido pela maior parte do público consumidor como uma ”afronta”, uma conspurcação do objeto supostamente original, agora espicaçado numa outra configuração infiel e desviante da proposta primeira. O que se ignora nesta leitura apressada são as inúmeras conexões anteriores à própria formação do objeto dito original, processos de intermidialidade e intertextualidade em espaços convergentes de expectativas distintas de narrativas e mundos imaginados coletivamente, narrados por vozes simbólicas que se manifestam na forma final de um autor, que dá nome a sua obra. Nesse sentido, este trabalho visa analisar dois textos de mídias distintas, o romance Neuromancer, de William Gibson, e o jogo de RPG de mesa Cyberpunk 2020, de Mike Pondsmith, com o intuito de verificar o que foi “roubado” de um elemento textual a outro: a estrutura narrativa e a temática de um mundo cyberpunk. Ao comparar os dois objetos, percebe-se que o autor da literatura provoca o jogador de RPG de mesa, também game designer (isto é, aquele (a) que projeta e publica jogos) para adaptar a narrativa literária para outro corpus midial, criando o jogo que adapta características do texto literário e amplia outras, de modo a formar o que se espera de um jogo de RPG: permitir a seus jogadores desfrutarem da experiência cyberpunk, num contexto intermidiático, não mais somente como leitores, mas também como agentes ativos na constituição da sua vivência narrativa no mundo ficcional almejado. Para a análise teórica, serão considerados os trabalhos relativos à Teoria da Adaptação de Linda Hutcheon (2006), as noções de Intermidialidade de Irina Rajewsky (RAJEWSKY, 2012) e Werner Wolf (WOLF, 2011), Cultura Convergente de Henry Jenkins (JENKINS, 2012) e a conceituação de jogos de RPG de mesa através da dissertação de Mestrado deste autor (PRIETTO, 2015). Por fim, ao analisar tais procedimentos, encontram-se evidências de correlações e contatos entre autores e leitores, produtores e público consumidor, percebe-se que em espaços convergentes de narrativas pirateadas, há toda uma série de reconfigurações de elementos intermidiáticos.

III.3 Notas sobre a transformação do conto “Uma branca sombra pálida”, de Lygia Fagundes Telles, no espetáculo teatral Sombra PáLida (11)
Ivan Eder Neto Nunes, ivanufrgs@gmail.com

Este texto tem por objetivo relatar como transformei o conto “Uma branca sombra pálida”, de Lygia Fagundes Telles, no espetáculo teatral Sombra PáLida. Apresentei este trabalho como pré-requisito para conclusão do Curso de Especialização em Teoria e Prática da Formação do Leitor, promovido pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), em 2015. Tive como contexto de pesquisa, portanto, o processo de criação do espetáculo, que ocorreu na Casa de Cultura Mário Quintana e teve duração de dois anos. Realizava, em média, três ensaios por semana. Os ensaios ocorriam de maneira bastante livre: relia o conto inúmeras vezes, percebia quais verbos do texto se prestavam para ações em cena; ao mesmo tempo, pensava na composição física da protagonista, maquiagem, figurino. Também ponderava quais objetos cênicos fariam parte do universo da personagem. Conforme ensaiava/criava, também registrava o que acontecia na sala de ensaio em cadernos (diários de bordo do espetáculo). Quando analisei o conteúdo dos diários, elaborei uma lista dos recursos que havia mobilizado para transformar o conto em espetáculo. Tais recursos revelam meu nível de interação com o conto — como leitor e ator — e podem ser divididos em recursos de natureza textual (a elaboração de uma dramaturgia textual com base no conto de Lygia), física (meus estudos para compor fisicamente a protagonista do conto) ou representacional (meu entorno de ator, o aparato cênico do espetáculo que, em suma, pode ser compreendido como cenário). Instituí uma atmosfera de ensaio em que estava bastante livre para criar, atmosfera essa típica do fazer teatral. Sendo assim, a abordagem da pesquisa foi qualitativa. Essa atmosfera também revelou que um método não antecedeu quaisquer ações no sentido de realizar a pesquisa, no sentido de transformar o conto num espetáculo; desse modo, registro que perseverei no processo — eu fazia, tentava, e também errava, evidentemente. Utilizei como pressupostos teóricos a definição do ato de ler de Leffa (1996), as noções de dramaturgia textual de Araújo (2009), os conceitos de conto e de monólogo interior de Pavani e Machado (2003), além de algumas obras centradas em processos de criação — destaco Pino e Zular (2007) na questão de que rastrear um processo de criação é “tarefa utópica”. Algumas conclusões a que cheguei são: (a) ao ajustar o conto para a cena, flertei com a figura de um dramaturgo; (b) ao compor uma personagem fisicamente, exerci com plenitude meu ofício de ator, pois estava livre; e (c) ao elaborar o aparato cênico, flertei com a figura de um cenógrafo. Essas conclusões apontam que não me limitei a ser apenas ator; creio que exerci meu ofício para além dos domínios desse ofício, sou um ator com iniciativa, proativo, multitarefa, enfim, um ator contemporâneo.

III.4 Diabo (Diablo, 2012), de Nicanor Loreti: a transculturação como ferramenta de descolonização audiovisual (12)
Rosângela Fachel de Medeiros, rosangelafachel@gmail.com

O mercado cinematográfico latino-americano é dominado pela hegemonia econômica e estética do cinema Hollywoodiano, administrado pelas majors transnacionais que, além de aturarem como produtoras, controlam os fluxos nacionais e internacionais de distribuição, decidindo assim que filmes chegam a que cinemas. Nessa perspectiva, imperam nas salas de cinema produções cinematográficas globalizadas (ORTIZ, 1999; CANCLINI, 2003), que têm como meta atingir o maior público possível. A percepção da importância econômica e cultural do setor no contexto nacional e regional vem originando, na América Latina, políticas nacionais e transnacionais de fomento à produção audiovisual. Destacam-se, nesse sentido, as ações do INCAA (Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales) na Argentina, que trouxeram o país ao patamar de maior produtor cinematográfico da região. Nesse contexto, surgem desde obras populares esteticamente “hollywoodianas”, realizadas com o objetivo de obter sucesso de público, até o cinema mais autoral e artístico, destinado aos festivais. No imbricamento dessas duas posições, surgem obras que, apesar de notoriamente geradas da hegemonia e da grande influência (narrativa, estética, formal e temática) dos cinemas hollywoodianos, apresentam uma forte marca identitária construída por meio da transculturação (RAMA, 1982) de modelos e de elementos recorrentes nesses cinemas. Tais obras respondem ao manifesto “Hacia un tercer cine” (1969), dos cineastas argentinos Fernando Solanas e Octavio Gentino, que, imbuídos das ideias de Franz Fanon, clamavam pela descolonização do olhar de produtores e espectadores cinematográficos latino-americanos. Os autores do manifesto propunham um enfrentamento estético, narrativo e educativo à linguagem hollywoodiana, partindo de perspectivas nacionais e regionais. Esse é o caso do premiado filme argentino Diabo (Diablo, 2012), de Nicanor Loreti, que imbrica elementos clássicos do cinema de gênero de matriz hollywoodiana: ação (em sua vertente reconfigurada por Quentin Tarantino), comédia negra, filme de boxeador; na configuração de uma obra cinematográfica absolutamente argentina e repleta de “argentinidade”. Violência e humor negro são o pano de fundo da história de Marcos, conhecido como “El Inca”, um boxeador que deixa os ringues após matar acidentalmente a um oponente: peruano, judeu e peronista, ele leva tatuados no peito os rostos de Evita e de Perón.

IV. 10 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: ILEA

IV.1 Moral da história: um estudo comparativo da série Grimm e dos contos que a inspiraram (13)
Fabian Quevedo da Rocha, fabianway07@gmail.com

Histórias, desde que começaram a ser contadas em um passado remoto, sempre desempenharam um papel importante em nossas vidas: por vezes, as contamos a fim de tentar explicar o inexplicável; por outras, a fim de manter tradições vivas. Há aqueles que as contem por entretenimento, ou simplesmente, como Boyd (1952) acredita, porque não conseguimos parar de contá-las. Um fato importante a respeito delas é que uma vez que elas provêm da tradição oral, é comum que elas mudem conforme são contadas. Isso ocorre, de acordo com Boyd, porque adaptar histórias faz parte da natureza humana. Shakespeare era um mestre em adaptar histórias em peças teatrais; os vitorianos, como afirma Hutcheon (2006), tinham o costume de adaptar praticamente tudo, de contos a pinturas, de romances a óperas; com a chegada da (pós) modernidade, no entanto, adaptar (o que quer que seja), tornou-se um hábito ainda mais frequente, mas nem sempre bem visto: tornou-se comum tratar adaptações como meras réplicas do meio que está sendo adaptado e ter-se a "fidelidade à obra original" como um dos quesitos principais para determinar-se uma adaptação como sucesso ou falha. Nesse cenário onde tudo se adapta e (quase) tudo se critica, uma adaptação que foi ao encontro das expectativas do público, tendo recebido críticas positivas, foi a série televisiva Grimm, criada em 2011 pelos cineastas Jim Kouf e Stephen Carpenter, que adapta, sobretudo, os contos de fada dos irmãos Grimm. Sendo assim, este trabalho tem por objetivo analisar a releitura feita por Kouf e Carpenter dos contos dos Grimm, a fim de melhor entender as intenções dos criadores, ao adaptarem tais obras, e também investigar quais os processos utilizados por eles que possam ter contribuído para que a série fosse bem recebida pelo público. Para tal fim, farei uso das teorias e conceitos sobre adaptação propostos pela teórica Linda Hutcheon, dos estudos a respeito de contos de fadas trazidos por Jack Zipes e Maria Tatar, a obra de Nathan Robert Brown a respeito da série e os estudos de Brian Boyd a respeito das origens das histórias.

IV.2 As novas adaptações de John Watson em séries televisivas contemporâneas (14)
Eduarda De Carli, dceduarda@gmail.com

A primeira adaptação das histórias do escritor escocês Sir Arthur Conan Doyle foi apresentada pela primeira vez no ano de 1899, no palco, com roteiro de William Gillette. Pouco tempo depois, no ano de 1900, o primeiro filme é lançado, com apenas 17 minutos. Podemos afirmar então que Sherlock Holmes está presente no campo das adaptações, mais especificamente na mídia audiovisual, desde a invenção do cinema, ocorrida no final do século XIX. Porém, não podemos afirmar o mesmo de seu famoso companheiro, Dr. John Watson, que não aparece nas duas obras acima mencionadas. Adaptadores consideravam que a personagem não teria nenhuma utilidade ou importância, e que poderia ser substituída ou simplesmente inexistente nas obras porque era apenas o narrador dos 56 contos e quatro romances, sem valor actancial, excluindo a personagem de várias obras nas primeiras décadas. Desde então, cada época conta com diferentes caracterizações da personagem, seja no cinema ou na televisão, estabelecendo tradições adaptativas que podem ser mantidas ou desafiadas. Com a virada do milênio, podemos perceber uma nova tradição sendo formada, apresentando uma reconfiguração da personagem, principalmente nas duas mais recentes adaptações televisivas — Sherlock (2010), da BBC, e Elementary (2012), da CBS. Devido ao fato de que as duas séries são situadas nos dias atuais, todas as personagens são atualizadas. Neste trabalho, foco na caracterização de John Watson, por ter sido inicialmente considerado um personagem sem utilidade e hoje, nas obras mencionadas, podemos dizer que é vital para a sobrevivência de Holmes na sociedade contemporânea. Portanto, proponho apresentar uma análise da personagem nas duas séries televisivas, tendo como principal aporte teórico Film Narratology, de Peter Verstraten (2009), e Complex TV, de Jason Mittell (2015), levando em consideração a existência da tradição adaptativa e a caracterização da personagem nas obras de Doyle. Desta maneira, pretendo demonstrar que (e como) as adaptações possibilitam a exploração e amplificação do papel de personagens-narradoras (BAL, 2009), de modo em que aumenta sua autonomia e também modifica sua configuração na mídia audiovisual.

IV.3 A centralidade de Pride and Prejudice para a consolidação e manutenção da Austenmania (15)
Filipe Róger Vuaden, filipe_vuaden@hotmail.com

Não é novidade que os anos 1990 representam uma grande virada para a popularidade e recepção das obras de Jane Austen, majoritariamente em função da quantidade de adaptações cinematográficas e televisivas baseadas em seus romances produzidas nesse período. O consequente interesse gerado por essas obras derivativas dos trabalhos da autora levou à cunhagem de termos como Austenmania e Austenfever, empregados como referência ao assim chamado fenômeno Jane Austen, que, a partir de então, passou a abarcar os domínios da literatura, do cinema, da televisão e da cultura popular. Do conjunto de adaptações das obras de Austen realizadas nos anos 1990, destaca-se a minissérie televisiva Pride and Prejudice (1995), produzida pela BBC, uma vez que, além do sucesso de público quando transmitida, a adaptação viu sua popularidade se estender além-mares, devido a fatores como o surgimento e ascensão da internet de uso comercial e o acesso a produtos culturais como boxes em formato VHS e DVD, estimulando o contato entre o público interessado na obra e oferecendo-lhe a oportunidade de revisitá-la sempre que desejasse. Consequentemente, tal popularidade parece ter orientado, em diferentes medidas, grande parte das subsequentes adaptações da obra de Austen produzidas a partir dos anos 2000: de um lado, a predominância de Orgulho e Preconceito dentre os romances da autora que são adaptados; de outro, a apropriação de elementos da adaptação televisiva de 1995 nestas novas obras derivativas do romance. Nesse sentido, tendo em vista a comemoração ao bicentenário de morte de Jane Austen, o presente trabalho tem por objetivo lançar luz sobre a centralidade de Pride and Prejudice (1995) em relação às posteriores adaptações (HUTCHEON, 2013) e apropriações (SANDERS, 2006) das obras da escritora. Assim, por meio de paralelos com obras como Bridget Jones’s Diary (2001), Pride and Prejudice (2005) e The Lizzy Bennet Diaries (2012-13), por exemplo, evidencia-se o papel que apropriações e obras derivativas, ainda que populares e massificadas, têm na manutenção e permanência de autores canônicos para novos públicos e leitores, tensionando as fronteiras entre obra original e secundária e, consequentemente, promovendo a revitalização da primeira por meio da segunda.

IV.4 Penny Dreadful: o monstro gótico no século XXI (16)
Éder Corrêa, edercorream@gmail.com

Na televisão, a série Penny Dreadful (2014-2016) juntou personagens clássicos da literatura vitoriana — Frankenstein, Dorian Gray, Drácula, Wilhelmina Harker, Dr. Jekyll —, para criar um novo enredo, baseado nos elementos da literatura gótica. Com boa recepção da crítica e do público, a série mostrou que elementos da literatura clássica ainda são bem receptíveis e comercializáveis, ao mesmo tempo em que projeta algo novo para o público contemporâneo. A série criada por John Logan apostou na recuperação dos elementos góticos do século XIX para produzir um produto original que pudesse suscitar discussões de temas da contemporaneidade, por intermédio das narrativas clássicas produzidas na época. A partir do século XXI, a sociedade contemporânea passou por mudanças muito rápidas que já vinham emergindo desde o final do século XX. Hoje, os direitos das mulheres são cobrados e, cada vez mais, conquistados, a luta dos homossexuais não é mais algo a ser escondido pelo manto da hipocrisia. O conflito entre ocidente cristão e oriente islâmico, a crise dos refugiados e instabilidade econômica trouxeram novamente o medo e a incerteza para as nações. Nos últimos anos, nasceram novamente posições nacionalistas e ufanistas, que amedrontam grupos minoritários e ameaçam tirar os direitos conquistados há pouco tempo. Neste sentido, a dúvida do que acontecerá novamente surge como pauta de discussão e, por isso, o gótico e as criaturas que causam medo — zumbis, lobisomens, fantasmas, demônios, apocalipses, distopias — ganham espaço, pois representam o inexplicável, o desconhecido. É neste contexto que a mídia aproveita para explorar esses seres desconhecidos, que ganham cada vez mais espaço nas produções do cinema e da televisão. Evidencia-se, assim, que, com Penny Dreadful, a relação entre a “alta” e a “baixa” cultura é tênue, além de demonstrar que o receptor desse mashup televisivo atua ativa e passivamente, ao precisar, necessariamente, de conhecimento prévio para poder compreender o universo ficcional apresentado. Esses elementos provam a inesgotabilidade das “produções clássicas” e sua relevância para a cultura globalizada presente. O monstro antigo, o desconhecido, o diabólico das produções vitorianas, agora representa outra coisa — o marginalizado, o homossexual, a minoria. Nesse sentido, a mesclagem dos elementos ditos clássicos com a produção de massa propõe uma compreensão nova do monstruoso para o público do século XXI.

V. 11 de outubro, das 11h30min às 13h — LOCAL: ILEA

V.1 Brasiliana ou da apropriação indébita (17)
Cláudia Camardella Rio Doce, claudiariodoce@yahoo.com.br

Brasiliana foi uma coluna inteiramente constituída de citações — de notícias de jornal, discursos, entrevistas, circulares, convites e anúncios — que integrava a primeira fase da Revista de Antropofagia, entre maio de 1928 e fevereiro de 1929. Sendo, provavelmente, uma das partes que melhor incorporam o espírito de alegre e combativo anarquismo da antropofagia, as citações, transportadas para as páginas da Revista, adquirem um tom cômico e subversivo. Funciona como uma denúncia de determinados valores da época e também destaca o nonsense presente no cotidiano e que poderia, de outra forma, passar despercebido. O que dá comicidade aos recortes é justamente o fato de estarem fora do contexto original, onde apenas reforçam o senso comum. É a contradição entre o que é dito (e dito em linguagem e lugar prestigiosos) e o novo espaço que cria o distanciamento necessário para a crítica. A revista, periódico literário, ao citar diretamente o noticiário nacional, coloca em evidência o esvaziamento de sentido das práticas sociais que contempla, questionando a sua lógica e relativizando as pretensas verdades aí expressas. Fazendo uso de um dos procedimentos mais empregados pelas vanguardas, a montagem, e sobrepondo fragmentos que abrangem uma multiplicidade de assuntos, a coluna ignora as regras usuais do jogo da reprodução e trabalha com a tensão e a irreconciliabilidade entre o que é citado e o novo contexto, produzindo a dessemelhança. Se movimentando entre a analogia e a dessemelhança, as imagens constituídas pela coluna atuam no contramovimento da mera reprodução e apelam para nossa sensibilidade, nos apresentando, simultaneamente, uma situação perpetuada e uma realidade obtusa, esvaziada de sentido. Brasiliana, é evidente, coloca os preceitos antropofágicos em prática, apropriando-se do alheio para produzir algo novo, próprio. Poderíamos dizer, ainda, que o procedimento empregado por Brasiliana possui semelhança com a concepção de montagem de Eisenstein, segundo a qual o leitor (o espectador, no caso do cinema) é convidado a uma postura ativa diante da justaposição dos diversos fragmentos a que é submetido, pois somente assim ele seria capaz de perceber uma imagem sintética final. O trabalho, portanto, buscará fazer uma reflexão acerca da coluna Brasiliana e todas essas questões aqui levantadas.

V.2 Da palavra do outro como palavra de si: contrabandos plagiários de linguagem (18)
Luis Felipe Silveira de Abreu, paraluisabreu@gmail.com

Se cada palavra dita na vida cotidiana de uma cidade fosse materializada em um floco de gelo, imagina o poeta e artista visual Kenneth Goldsmith, todo dia seria de nevascas. É refletindo esse acúmulo de linguagem que posicionamos o trabalho aqui proposto, interessado em discutir a produção e reprodução de discursos pelos meios técnicos de nosso cotidiano, da comunicação e da literatura. Em meio a tal glossolalia, como falar? Como responder a tal coro, como se contrapor às palavras que se infiltram pelo nosso dia a dia? E aí, como nossas próprias palavras refratam essas tantas outras? Retoma-se aí o tema da palavra do outro, central à filosofia da linguagem de Mikhail Bakhtin. O discurso é sempre produzido em um contexto social e político, postula o linguista russo, daí sua condição dialógica: tudo que falamos está impregnado por aquilo que vemos e outros, e cada palavra pronunciada carrega as marcas de suas enunciações anteriores. Todo discurso é heterodiscurso; lidar com a miríade de vozes e falas que nos circundam é, de forma ainda mais aguda, entender que em cada uma dessas falas residem outras tantas, e as nossas mesmo adentram esse jogo. Mais que entender a fala como criação, parece ser o caso de se colocar como “contrabandista” dessas matérias do mundo; daí, como modo de operação radical desse princípio dialógico, podemos observar, no seio das práticas artísticas e literárias, a proposição do plágio. Tornar a palavra do outro palavra minha. Como postula o manifesto Plágio utópico, hipertextualidade e produção cultural e eletrônica, do grupo de guerrilha midiática Critical Art Ensemble, o plágio é uma operação de linguagem que atua na própria estrutura semiótica do que concebemos como troca e comunicação; menos um problema moral/legal, mas uma performance crítica e paródica da própria condição da linguagem. Estender a compreensão da cópia e da citação para tais termos parece ser aqui o desafio. De forma a investigar a operação desse dispositivo plagiário, propomos aqui uma leitura dos livros O mez da gripe e Rremembranças da menina de rua morta nua, de Valêncio Xavier, e Trânsito, de Kenneth Goldsmith, constituídos por fragmentos de discursos midiáticos (recortes de jornais, anúncios publicitários, transcrições radiofônicas, etc.), acreditamos que tais textos apresentam uma perspectiva singular sobre a palavra do outro e sua produção e difusão pelos meios de comunicação; e, além, sua capacidade de subversão pela semiose plagiária.

V.3 Fronteiras selvagens: o estranhamento interartes na poética de Douglas Diegues (19)
Jorge Antônio Miranda de Souza, jorgemirand@uol.com.br

O foco desta comunicação é analisar os “sonetos selvagens”, designação dada aos poemas do poeta Douglas Diegues, e o diálogo interartístico estabelecido neles com o escritor e psiquiatra português António Lobo Antunes e com o cineasta espanhol naturalizado mexicano Luis Buñuel. Considerado um dos principais representantes do “não movimento literário” Portunhol Selvagem, Douglas Diegues é um poeta bastante peculiar no cenário da poesia brasileira contemporânea. Sua formação pode ser compreendida como triplamente fronteiriça: geograficamente, por ter vivido a maior parte da vida em uma região de encontro de fronteiras entre Ponta Porã (Mato Grosso do Sul), Paraguai e territórios indígenas Guarani; linguisticamente, pela composição de uma linguagem que consiste na assimilação do português, do espanhol e do guarani; e literariamente, por empregar essa linguagem concomitantemente tríplice e una para elaborar uma produção poética crítica, irônica e dificilmente categorizável. Em seu exercício poético, Douglas Diegues trabalha com o soneto – poema de forma fixa consolidado já dentro da tradição – no entanto, o opera a partir da apropriação de topoi clássicos do panorama da poesia deslocando-os de seus lugares comuns sem, por sua vez, desconfigurá-los totalmente, causando assim uma espécie de desautomatização ou estranhamento – tal como propôs, dentre alguns teóricos, o russo Viktor Chklovski — no regimento das convenções poéticas. Dentro desse processo de continuidade e subversão de formas e tópicas, destaca-se na obra de Douglas Diegues a evocação de determinados autorictas erigidos pela voz poética ao longo de alguns sonetos. Escritores e poetas diversos são convocados explicitamente pela voz poética para se apresentarem em meio ao discurso não domesticado de Diegues. No que diz respeito a esse movimento, contata-se um diálogo interartístico especial com Lobo Antunes e Luis Buñuel, no qual se verifica a apropriação e a reelaboração não da obra desses artistas, mas de suas imagens e representações construídas no imaginário sociocultural, passando a ser ressignificadas como alegorias de contestação, inconformidade e ruptura dentro da poética movediça, questionadora e singular de Douglas Diegues.

VI. 11 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA 107

VI.1 Meus namorados — variações sobre Calle nº 1 (20)
Gisela de Moraes Rodrigues, gicarodriguez@yahoo.com.br

Meus namorados — variações sobre Calle nº 1 é um relato pessoal que desenvolvi a partir do estudo sobre o livro Histórias Reais de Sophie Calle,  como ensaio de conclusão da cadeira de Literatura e Subjetividade na PUCRS, no primeiro semestre do mestrado em Escrita Criativa. Consiste num livro de contos curtos, escritos num tom autobiográfico e  imagens de cenas de filmes, sendo os títulos nomes de músicas de bandas de rock. É um trabalho que foi concebido como uma adaptação livre da obra Histórias Reais, e mantive a estrutura do diálogo entre texto e imagem para cada relato, e uma linguagem intima e ao mesmo tempo irônica, assim como no original. No entanto, para que esse meu livro de contos surgisse, e para que eu pudesse beber na fonte de Calle sem medo de apenas copiar seu trabalho, eu me orientei pela concepção da contra-assinatura, concebida por Jacques Derrida em Essa estranha instituição chamada literatura. Nesse texto, Derrida  fala sobre a sua “lei”, que seria seu intento e devoção, e que ele denomina de o texto do outro. Por outro lado, criei ao meu modo as intervenções visuais de cenas de filmes e de referências musicais como se fossem parte dos momentos de cada relação de namoro ali comentada. Calle é uma autora que nos instiga a vivenciar suas aventuras pessoais, criando situações textuais e imagéticas, ao mesmo tempo em que traz também o conceito de happening em paralelo aos seus relatos. Desde os anos 1980, a artista vem pesquisando uma linha na qual a vida privada surge em contraponto à vida pública. No meu caso, eu sou formada em Teatro e dirigi e atuei em espetáculos e performances, além de escrever romances e poesia, e me identifico naturalmente com a tendência de Calle de mesclar performance e literatura. 

VI.2 Pode o tradutor falar? Uma análise da tradução da Autobiografía de Juan Francisco Manzano no Brasil sob a ótica dos Estudos Culturais (21)
Liliam Ramos da Silva, liliamramos@gmail.com

Este artigo tem como objetivo analisar a Autobiografia do poeta-escravo Juan Francisco Manzano, única obra latino-americana conhecida escrita por um homem negro ainda em situação de escravidão em Cuba. Com tradução, publicada no Brasil em 2015, pelo escritor, pesquisador e tradutor Alex Castro, propõe-se uma discussão do texto traduzido sob a ótica dos Estudos Culturais. Os teóricos dos Estudos Culturais utilizados no ensaio — Gayatri Spivak, Stuart Hall e Boaventura Sousa Santos — consideram que o sujeito pós-colonial é alguém que se posiciona entre duas culturas e que constantemente desenvolve estratégias de tradução cultural entre diferentes povos.  As pesquisadoras dos Estudos da Tradução Susan Bassnet e Rosemary Arrojo inserem os textos traduzidos em uma perspectiva intercultural, na qual o tradutor não pode nem se eximir, nem se invisibilizar. A reflexão abordará a presença do tradutor no processo de tradução intercultural de um texto escrito no século XIX de acordo com a proposta de Castro, que realizou uma Tradução (adaptação ao português contemporâneo) e uma Transcriação (criação de um Manzano lusófono fictício, cujo texto mantém os desvios de gramática e as estruturas sintáticas presentes na versão de 1835), além de 342 notas explicativas relacionadas ao contexto escravocrata da época e à escrita dialética de Manzano. Discutiremos o papel do tradutor que transcodifica textos incluídos na perspectiva pós-colonial e sua mediação na tradução linguística e cultural.