ILHA 1
PIRATARIA!
APROPRIAÇÕES
E ADAPTAÇÕES
Elaine Indrusiak
e Andrei Cunha
Piratas,
falsários, traidores, ladrões, abigeatários, apátridas, infiéis, mercenários,
mestiços, impuros: na história da cultura, os agentes da adaptação e da
tradução sempre precisaram negociar naquele intermédio que causa repulsa aos
gestores do centro. A palavra “apropriação”, polissêmica e multidisciplinar,
pode ser usada para designar práticas predatórias, mas pode também se referir a
posições de resistência — ou ainda, a diferentes combinações desses dois polos
éticos. Por outro lado, como bem recorda Evando Nascimento, é na apropriação,
devida ou indevida, que reside a possibilidade da duração. “Na vida como na
arte, a mais perfeita mímesis faz ressaltar a diferença, a singularidade
irreproduzível. Disso sabem muito bem os ‘falsários’, quer dizer, os infiéis
tradutores que, como os bons escritores, colaboram ativamente para a supervivência
de uma incomparável literatura” (NASCIMENTO, 2013, p.99). A despeito do muito
que avançamos no reconhecimento da natureza intrinsecamente intersemiótica do
fenômeno da intertextualidade, particularmente a partir dos estudos de
transmidialidade, as relações entre “originais” e “cópias” apresentam-se ainda
mais tensas quando envolvem, de um lado, obras canônicas e artes prestigiosas,
e, de outro, manifestações culturais massificadas e populares, tais como o
cinema comercial, as séries televisivas, os quadrinhos, videogames, entre
outros. Nesse sentido, este simpósio visa congregar estudos acerca de
adaptações, apropriações, traduções intersemióticas e diálogos inter- e
transmidiáticos que problematizem ou questionem tais preconceitos anacrônicos.
HORÁRIOS DAS COMUNICAÇÕES
I. 9 de outubro, das 11h30min às 13h — LOCAL: ILEA
I.1 Colorindo o vazio: a
adaptação do conto How to talk to girls at parties para os quadrinhos,
Kleber Kurowsky
I.2 Os verdadeiros Contos do
Cargueiro Negro: tradição e apropriação na obra de Alan Moore, Leonardo
Poglia Vidal
I.3 Gaza-Confidentiel:
webdocumentário e a linguagem de quadrinhos, Fernanda Bernardes
I.4 O teatro de Nelson
Rodrigues invade o universo HQ, Débora Almeida de Oliveira
II. 9 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: ILEA
II.1 Cotidiano, humor e
representação nas relações entre crônica e quadrinhos, Vinicius da Silva
Rodrigues e Caroline Valada Becker
II.2 Autonarrativa,
cinebiografia e orientalismo em Stupeur et tremblements, de Amélie
Nothomb (1999) e Alain Corneau (2003), Luciana Wrege Rassier e Andrei Cunha
II.3 Flores raras (e
banalíssimas): entre o documental e o ficcional, Bianca Deon Rossato e
Elaine Indrusiak
II.4 Os leitores de Jane
Austen: significados de representações e adaptações, Monica Chagas da Costa
III. 10 de outubro, das 10h às 11h30min — LOCAL: ILEA
III.1 As três irmãs de
Haworth: diálogos imagéticos entre Morrison e Chekhov, Valter Henrique de
Castro Fritsch
III.2 Adaptação
intermidiática em espaços narrativos convergentes: RPG de mesa e literatura cyberpunk,
Thiago Goulart Prietto
III.3 Notas sobre a
transformação do conto “Uma branca sombra pálida”, de Lygia Fagundes Telles, no
espetáculo teatral Sombra PáLida, Ivan Eder Neto Nunes
III.4 Diabo (Diablo,
2012), de Nicanor Loreti: a transculturação como ferramenta de
descolonização audiovisual, Rosângela Fachel de Medeiros
IV. 10 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: ILEA
IV.1 Moral da história: um
estudo comparativo da série Grimm e dos contos que a inspiraram,
Fabian Quevedo da Rocha
IV.2 As novas adaptações de
John Watson em séries televisivas contemporâneas, Eduarda De Carli
IV.3 A centralidade de Pride
and Prejudice para a consolidação e manutenção da Austenmania,
Filipe Róger Vuaden
IV.4 Penny Dreadful:
o monstro gótico no século XXI, Éder Corrêa
V. 11 de outubro, das 11h30min às 13h — LOCAL: ILEA
V.1 Brasiliana ou da
apropriação indébita, Cláudia Camardella Rio Doce
V.2 Da palavra do outro como
palavra de si: contrabandos plagiários de linguagem, Luis Felipe Silveira
de Abreu
V.3 Fronteiras selvagens: o
estranhamento interartes na poética de Douglas Diegues, Jorge Antônio
Miranda de Souza
VI. 11 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA
107
VI.1 Meus namorados —
variações sobre Calle nº 1, Gisela de Moraes Rodrigues
VI.2 Pode o tradutor
falar? Uma análise da tradução da Autobiografía de Juan Francisco
Manzano no Brasil sob a ótica dos Estudos Culturais, Liliam Ramos da
Silva
RESUMOS DAS COMUNICAÇÕES
I. 9 de outubro, das 11h30min às 13h — LOCAL: ILEA
I.1
Colorindo o vazio: a adaptação do conto How to talk to girls at parties
para os quadrinhos (1)
Kleber
Kurowsky, kleber_lz@hotmail.com
Publicado,
originalmente, na coletânea Fragile things (2006), o conto “How
to talk to girls at parties”, de Neil Gaiman, narra uma situação vivenciada
por dois adolescentes em uma festa. Os protagonistas descobrem que todos ali,
com exceção deles dois, vieram de outro planeta. A ênfase da narrativa está nas
dificuldades que o personagem principal — o narrador — sente no que se refere a
falar com as garotas da festa. Ele não entende o que elas dizem; em relação a
ele, elas são de outro planeta. Narrada em primeira pessoa, a trama se
sustenta, em boa parte, sobre o não dito, sobre a ausência de certos eventos
que são contemplados pelo narrador, mas não expressos ao leitor; manifestam-se
diversas lacunas na narrativa, com o narrador optando por omitir certas
situações do leitor, muitas das quais ele não relata porque não consegue se
lembrar direito. O narrador se vale do vazio para construir a narrativa. Em
2016, a obra foi adaptada para os quadrinhos pelos artistas brasileiros Fabio
Moon e Gabriel Bá. No roteiro principal, as falas do narrador permanecem, na
maior parte, inalteradas, mas agora há um aspecto a mais em jogo: o visual. A
narrativa não conta mais apenas com o texto, mas também com os desenhos, com as
cores; entretanto, o vazio continua presente, agora de forma visual. Ao
realizar a adaptação, portanto, os artistas têm em mente o não dito, que se
transforma no não visto. Na obra em quadrinhos, esse vazio é traduzido na forma
de “sarjetas”, os espaços em branco entre os painéis da página: muito do que
não é dito na prosa do conto, se encontra alojado no vazio entre os quadros da
adaptação para os quadrinhos. Tendo em vista esse jogo de vazios, este trabalho
tem como objetivo analisar a relação entre a obra e a adaptação, com ênfase nas
ausências textuais e visuais. Para isso, a argumentação se sustentará,
principalmente, nas teorias dos quadrinhos propostas por Scott McCloud (2005) e
Will Eisner (2010), para melhor entender a estrutura e a forma desse tipo de
mídia, em conjunto com os postulados de Wolgang Iser (1999) e Octavio Paz
(2014) sobre a função do vazio na literatura.
I.2
Os verdadeiros Contos do Cargueiro Negro: tradição e apropriação na obra de
Alan Moore (2)
Leonardo
Poglia Vidal, leo.p.vidal@gmail.com
Alan Moore é um escritor com jeito de roqueiro, ideologia anarquista e a aparência geral de um yeti de casaco portando uma variedade de anéis e parafernália ocultista. É, também, um renomado pornógrafo, um desenhista sofrível e um pirata de notório sucesso. Durante sua carreira nos quadrinhos, Moore trabalhou principalmente com personagens de outrem — não apenas em seus títulos de origem, mas também como derivações de tipos icônicos como Superman, Capitão Marvel (que em si é uma variação de Superman) e outros clássicos. Moore não se limitou a super-heróis, mas também empregou múltiplas referências em suas obras, desde os clássicos da literatura até temas da cultura pop e astros do rock’n’roll (Roscoe Moscow e a personagem John Constantine, baseado em Sting, sendo os mais notórios nesse filão). Entre os personagens de que se “apropriou” ao longo de sua carreira, estão E.T., o Extraterrestre (em Skizz), A Família Monstro (The Munsters), Superman (em Miracleman/Marvelman, Supreme, Tom Strong, entre outros) e outras clássicas (como Jeckyll e Hyde, Nemo, Mina Murray e Alain Quartermain em A Liga Extraordinária) ou Jack, o Estripador (Do Inferno). Annalisa Di Liddo aponta, no livro Alan Moore: Comics as performance, fiction as scalpel (2009), que o emprego da tradição é ponto comum na obra do autor. Na verdade, no primeiro capítulo do livro, em que investiga os aspectos formais da obra de Moore, ela levanta três pontos diferentes: a linguagem dos quadrinhos e a estética das graphic novels (p.27), em que comenta o conhecimento do autor sobre a linguagem e estética do meio em que escreve; a reescrita de fontes literárias (p.35), em que aponta a familiaridade do autor com a tradição literária e como Moore tende a se apropriar dela em suas obras; e, finalmente, revisitando a tradição dos super-heróis (p. 46), em que comenta como Moore emprega também a tradição dos quadrinhos. Pode-se notar que todos os pontos levantados derivam do conhecimento da tradição, tanto literária quanto dos quadrinhos. O trabalho proposto consiste em uma recapitulação da qualidade derivativa da obra de Moore, desde o início de sua carreira até Jerusalem (2016), recriando uma ligação entre o emprego da tradição, a apropriação e a qualidade intertextual presente na obra do autor.
I.3 Gaza-Confidentiel:
webdocumentário e a linguagem de quadrinhos (3)
Fernanda
Bernardes, fernandacbernardes@gmail.com
O
webdocumentário Gaza-Confidentiel (Adel Gastel, Gallagher Frenwick, 2015),
produzido pelo canal FRANCE 24, retrata as condições da população civil na
cidade de Gaza durante um bombardeio que durou 50 dias, em 2014. A história é
contada através da combinação de desenhos no estilo de história em quadrinhos e
alguns vídeos feitos por Gastel e Frenwick, com entrevistas e cenas do local no
período do bombardeio. A partir do trabalho da autora Nina Mickwitz (2014),
cuja análise relaciona quadrinhos e cinema documentário, vamos analisar os
elementos textuais de Gaza-Confidentiel e como ocorre a articulação
entre o texto e os componentes gráficos nesse webdocumentário. De acordo com
Mickwitz (2014), narrativas em quadrinhos que tratam de fatos históricos são
construídas empregando diversos estilos estéticos e de texto. Contudo, a autora
observa que, de forma geral, ao tratar de fatos históricos, esse tipo de obra
apoia-se em elementos paratextuais (denominação utilizada por Genette, 1991)
para construir um posicionamento que convida os leitores a interpretarem seu
conteúdo como representações de pessoas, eventos ou experiências históricas.
Sendo assim, obras como Palestine (2003) e Footnotes in Gaza (2009),
de Joe Sacco, empregam uma combinação de elementos paratextuais — comentários
introdutórios e materiais de divulgação, entre outros — e “pistas” distribuídas
ao longo da narrativa para que o leitor considere que o autor está retratando
um evento do mundo histórico. No webdocumentário, por outro lado, a ancoragem
da obra no mundo histórico pode ser realizada empregando imagens de registro,
como ocorre em Gaza-Confidentiel. O objetivo do trabalho proposto é
investigar como os autores de webdocumentários articulam texto em quadrinhos e
registros audiovisuais; verificar se os elementos paratextuais são empregados
de forma semelhante ao observado por Mickwitz (2014); e se a ancoragem de Gaza-Confidentiel
emprega recursos além dos apontados pela autora.
I.4 O
teatro de Nelson Rodrigues invade o universo HQ (4)
Débora
Almeida de Oliveira, demestrado@yahoo.com.br
Em
1943, estreou no Rio de Janeiro, sob o comando do diretor polonês Zbigniew
Ziembinski, a peça Vestido de noiva. Após a estreia, seu autor, Nelson
Rodrigues, entrou para a história como um dos maiores dramaturgos do Brasil. Vestido
de noiva é, até hoje, prestigiado como o marco que inicia o teatro moderno
no país. Dada a importância da obra, inúmeros são os estudos acerca de sua
complexidade, cujo cerne encontra-se no desenvolvimento do enredo através da
mente em decomposição de uma mulher atropelada. Qualquer um que se proponha a levar
Vestido de noiva aos palcos sabe, de antemão, que sua divisão em três
planos (memória, alucinação e realidade) requer grande destreza para ser
realizada. Maior destreza ainda requer sua adaptação para outros meios, como
cinema ou televisão, por exemplo. No entanto, existe um universo que se presta
a adaptar Nelson Rodrigues e suas obras de forma bastante consistente: o
universo dos quadrinhos. Em 2013, Arnaldo Branco roteirizou Vestido de noiva
para os quadrinhos com o apoio do ilustrador Gabriel Góes. Os dois artistas já
haviam atuado em conjunto anteriormente, ao quadrinizarem a obra rodriguiana Beijo
no asfalto, em 2007. Diante desse diálogo entre teatro e quadrinhos, o
presente trabalho tem como objetivo analisar quais foram os recursos utilizados
pelos autores da quadrinização para o processo de adaptação da peça. Será
discutido, principalmente, como os autores transpuseram a divisão de planos do
teatro para o papel e a utilização das imagens como coadjuvantes no processo de
compreensão do texto escrito por Nelson Rodrigues. Para tanto, são utilizados
teóricos dos estudos em quadrinhos para embasar tal análise, em especial os
escritores Waldomiro Vergueiro, Paulo Ramos, Diogo Figueira e Roberto Elísio
dos Santos, autores de obras que propõem um olhar mais aprofundado sobre as
questões da linguagem dos quadrinhos e de sua relação com materiais literários.
II. 9 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: ILEA
II.1
Cotidiano, humor e representação nas relações entre crônica e quadrinhos
(5)
Vinicius
da Silva Rodrigues e Caroline Valada Becker, professorviniciusrodrigues@yahoo.com.br
e carol.valada@hotmail.com
Têm
aumentado consideravelmente a quantidade de pesquisas focadas em histórias em
quadrinhos (HQs) e narrativas gráficas em âmbito acadêmico. Ainda que, no
entanto, muito ligadas às Teorias da Comunicação, cabe a observação de que boa
parte do arcabouço teórico discutido nessa esfera artística compartilha muitas
noções com os Estudos Literários. São dimensões estéticas, pedagógicas e
históricas que ainda carecem dessa participação efetiva das Letras, que pode
enriquecer — e muito — essas discussões. Da mesma forma, há fenômenos
relacionados à história da leitura que atravessam esses mesmos âmbitos, que são
de interesse cultural, político e historiográfico fundamental, como o tema
deste trabalho, voltado à investigação de dois materiais disponíveis na
história da imprensa brasileira: a crônica — considerada um gênero literário
híbrido e, ao mesmo tempo, um espaço de “suspensão” do tratamento jornalístico
comum ao seu suporte mais frequente, o jornal — e as manifestações ligadas ao
humor gráfico — a tira e a charge, principalmente. Estudar esses dois fenômenos
lado a lado (crônica e humor gráfico) tão característicos da história cultural
brasileira é uma maneira de possibilitar um entendimento particular para ambos.
Como ponto de partida, compreende-se a hipótese de que há, talvez, um princípio
cronístico que rege esse âmbito específico dos quadrinhos (em especial, no
Brasil). Soma-se a isso uma importante fundamentação relacionada à discussão
sobre os gêneros, visto o entrelugar ocupado pela crônica em relação à
literatura e ao jornalismo e, da mesma forma, da tira e da charge em relação ao
humor gráfico e aos quadrinhos. A relação com a imprensa torna-se, dessa
maneira, outro importante ponto para reflexão, ao abrirmos caminho para o
debate acerca do desenvolvimento dos quadrinhos como linguagem dentro da
imprensa, ou seja: por meio da imprensa, por causa dela e, por que não dizer,
apesar dela (e talvez, pensamos, o mesmo possa ser discutido a partir da
crônica). Partindo dessas premissas, o objetivo primordial do trabalho é
investigar noções caras a esses objetos de análise, como a ideia de
representação e o trânsito entre ficção e realidade — tema de interesse das
artes em geral —, a relação entre o autor empírico da crônica e o “mostrador”
dos quadrinhos, a dimensão do cotidiano e a questão do humor. As leituras que
amparam as análises desta pesquisa, por fim, passam por autores como Antonio
Cândido, Luiz Costa Lima, Thierry Groensteen, Paulo Ramos, Gerard Gennette,
Henri Bergson, entre outros.
II.2
Autonarrativa, cinebiografia e orientalismo em Stupeur et tremblements,
de Amélie Nothomb (1999) e Alain Corneau (2003) (6)
Luciana
Wrege Rassier e Andrei Cunha, luciana.rassier2010@gmail.com e andreicunha@gmail.com
Grande
parte da obra da escritora belga Amélie Nothomb possui forte teor
autobiográfico e privilegia aspectos como figurações identitárias, relações de
alteridades ou contextos de culturas em contato, relacionados à sua própria
experiência: a autora nasceu no Japão e fala fluentemente o japonês. Stupeur
et tremblements (NOTHOMB, 1999), que recebeu da Academia Francesa o prêmio
de melhor romance, narra o período de um ano durante o qual a protagonista
belga Amélie, nascida no Japão, retorna a esse país após seus estudos
universitários para trabalhar como intérprete em uma grande empresa sediada em
Tóquio. O livro é em parte um exercício estilístico nos moldes do classicismo
francês, com elementos de comédia de costumes, Bildungsroman e narrativa
de viagem. O jogo entre texto confessional e ficção problematiza a fronteira
com a autobiografia. Além disso, o livro faz referência implícita a uma longa
tradição francófona de textos orientalistas que, desde Loti (1888) e passando
por Claudel (1927), Duras (1959), Barthes (1970), Yourcenar (1980) e Butor
(1995), imaginam o corpo europeu em contato com o Outro japonês. Em 2003, o
cineasta francês Alain Corneau lança seu filme longa-metragem homônimo. A obra
audiovisual retoma os elementos farsescos do texto literário, adicionando ao
trabalho da escritora novas camadas de sentido, ao criar para a Amélie do
cinema uma identidade que se descola deliberadamente da persona que
Nothomb apresenta em público — seja na mídia, seja nos ensaios fotográficos
para as capas de seus livros. Partindo dos pressupostos apresentados por
Hutcheon (2010), propomos refletir neste trabalho sobre o texto e o filme a
partir das seguintes questões: (1) Em que medida e pelo uso de que estratégias
as duas obras tornam tênues os limites entre o ficcional e o confessional? (2)
A partir do ponto de vista da cultura francesa, que diálogo intertextual está
implícito no livro e no filme? (3) Como o livro e o filme reorganizam a
tradição orientalista em que se inserem?
II.3
Flores raras (e banalíssimas): entre o documental e o ficcional (7)
Bianca
Deon Rossato e Elaine Indrusiak, biancadrossato@gmail.com e eindrusiak@gmail.com
Este
trabalho tem como objetivo observar a relação entre a obra Flores Raras e
banalíssimas (1995) de Carmem L. Oliveira e o filme Flores Raras
(2013), dirigido por Bruno Barreto. Ao (re)contar a história de amor entre
Elizabeth Bishop e Lota de Macedo Soares, tendo como pano de fundo o Brasil dos
anos 1950 e 1960, o texto de Oliveira pretende-se a um tempo documental e
ficcional. A escritora fundamenta sua produção em documentos e arquivos
pessoais, fontes históricas e relatos de pessoas do círculo de convivência de
Lota e Bishop. A produção fílmica, a seu turno, é baseada no texto de Oliveira.
Uma vez que as obras tratam de figuras históricas localizadas em determinado
tempo e espaço, ambas suscitam questionamentos no que diz respeito a conceitos
como o de passado histórico, de relações autor-personagem, de relações entre o
real e o ficcional e a própria questão da apropriação e adaptação, conforme
esses termos são entendidos nos Estudos de Adaptação. Nesse sentido, as
discussões sobre metaficção historiográfica de Linda Hutcheon (1990), adaptação
de Thomas Leitch (2008) e de Hutcheon (2013), e biopic — ou
cinebiografia — de George Custen (1992) contribuem para a compreensão tanto de
cada obra em seu caráter individual, como das relações existentes no processo
adaptativo. O que se pode depreender desta análise, ainda em caráter parcial, é
que embora trate de duas figuras históricas e se embase amplamente em
documentos reais, a construção do texto de Oliveira, que se alimenta de
elementos de uma narrativa literária, confere-lhe um caráter de romance. Existe
neste texto uma espécie de triângulo amoroso entre Bishop, Lota e o Aterro do
Flamengo, obra idealizada pela brasileira. Já a adaptação fílmica, ao tratar do
ideal romântico, focado na ideia de amor impossível entre as figuras
históricas, estabelece a terceira ponta do triângulo não com o Aterro, mas com
a figura histórica, Mary Morse, uma americana que era companheira de Lota antes
da chegada de Bishop ao Brasil.
II.4
Os leitores de Jane Austen: significados de representações e adaptações (8)
Monica
Chagas da Costa, monicachagasdacosta@gmail.com
A
leitura como prática passível de representação é o objeto de estudo de diversas
análises sobre literatura e história. Estudiosos como o francês Roger Chartier,
o americano Robert Darnton e as brasileiras Regina Zilberman e Marisa Lajolo,
ao tomarem as imagens e as figuras leitoras enquanto representantes de práticas
historicamente específicas, conseguiram desdobrar significados sobre a
importância da leitura a partir de gestualidades inscritas nos textos. Eles nos
apresentam métodos de interpretação de cenas literárias, demonstrando como a
leitura, conforme sua expressão, pode conter múltiplas camadas interpretativas.
A partir da capacidade de toda obra de apresentar seus próprios paradigmas de
leitura, propõe-se analisar como essas figuras estão dispostas no romance Orgulho
e Preconceito, de Jane Austen. Em um contexto ideal para a produção de
novas práticas de leitura, a autora codifica significados a partir da
apresentação de personagens leitoras variadas, definindo padrões e práticas que
delineiam o perfil de seu próprio leitor. O presente trabalho busca compreender
como, no processo de adaptação do texto para o cinema, esses códigos são
interpretados, e quais são as novas dimensões que ganha a leitura em uma era em
que o paradigma dos leitores é bastante diverso. Para tanto, serão cotejadas as
cenas de leitura presentes no romance e aquelas encontradas em sua adaptação
fílmica de 2005, dirigida por Joe Wright e estrelada por Keira Knightley.
Através da comparação das duas obras, serão ressaltados os elementos que a
narrativa fílmica incorpora ou reinterpreta, e os efeitos de sentido provocados
por essas escolhas. Será levado em consideração o novo contexto leitor em que o
filme foi produzido, já na era da tela e da leitura digital, e o que cada um
dos objetos de leitura incorporados no filme pode significar quando pensada a
realidade de seu público e as diferenças entre o público original do romance.
III. 10 de outubro, das 10h às 11h30min — LOCAL: ILEA
III.1
As três irmãs de Haworth: diálogos imagéticos entre Morrison e Chekhov (9)
Valter
Henrique de Castro Fritsch, valter.fritsch@yahoo.com.br
O
presente trabalho analisa a peça We are three sisters — escrita em 2011
pelo poeta e dramaturgo britânico Philip Blake Morrison —, com o objetivo de
discutir as ligações entre as instâncias do ficcional, do real, do imagético e
do biográfico. Morrison utiliza como pano de fundo para a elaboração de We
are three sisters o texto As três irmãs (1902), do dramaturgo russo
Anton Chekhov. Morrison preenche sua peça com dados sobre a vida das irmãs
Brontë, como foram retratados pela historiadora e biógrafa Juliet Barker em The
Brontës: wild genius on the moors (2010). Barker, que foi curadora da
biblioteca da Brontë Society durante anos, confiou a Morrison os dados de sua
pesquisa e o auxiliou a transportá-los para a peça que ele estava escrevendo.
Considero importante examinar como se dá esse processo de alargamento das
fronteiras entre o real e o ficcional através do conteúdo simbólico e imagético,
porque ele reflete um tipo de prática cada vez mais utilizada por autores
contemporâneos. O diálogo entre a Rússia de Chekhov da virada do século XIX
para o XX e o cenário (interiorano) do norte (industrial) da Inglaterra na
primeira metade do século XIX, quando equacionados por Morrison no contexto dos
dias de hoje, convidam-nos a traçar considerações que muito têm a nos dizer
sobre os parâmetros da dramaturgia contemporânea. Além de serem três grandes
autoras do cânone literário do século XIX, as irmãs Brontë surgem também como
ícones culturais britânicos, tantas vezes já representadas como personagens em
biografias ficcionais, romances, filmes, balés e peças de teatro. Para escrever
sua apropriação da vida das Brontë, Morrison ampara-se na biografia de Juliet
Barker, ao mesmo tempo em que utiliza a peça de Chekhov como um texto-sombra,
uma matriz que serve como base para sua criação, um andaime em torno do qual
constrói seu enredo. O movimento de entrelaçamento de realidade e ficção
realizado por Morrison e a produção do conteúdo simbólico através da análise de
imagens arquetípicas são o principal foco de interesse deste trabalho. Escolho
como metodologia de trabalho a aproximação entre os três textos, o de Morrison,
o de Barker e o de Chekhov, através de ferramentas dos Estudos do Imaginário e
de Adaptação, representados pela análise de conteúdos imagéticos nos termos
propostos por Gaston Bachelard, Gilbert Durand, Carl Gustav Jung, Linda
Hutcheon e Castor Bartolomé Ruiz, uma vez que o trabalho aponta para
possibilidades dialógicas entre imagem e palavra dentro dos paradigmas da cena
teatral contemporânea.
III.2
Adaptação intermidiática em espaços narrativos convergentes: RPG de mesa e
literatura cyberpunk (10)
Thiago
Goulart Prietto, tgoulartprietto@gmail.com
Pirataria!
Palavra que se perpetua, indicando resistência ou subversão à norma, norma que
se manifesta como aquilo que ocupa um local simbólico centralizado. É a escolha
realizada para transportar algo de um lugar (seu ponto de origem) para outro,
de maneira escusa, com o intuito de se acessar esse algo na “periferia”,
justamente por não ser possível fazê-lo de maneira legítima no “centro”. Tal
processo de adaptação de estruturas entre mídias distintas é reconhecido pela
maior parte do público consumidor como uma ”afronta”, uma conspurcação do
objeto supostamente original, agora espicaçado numa outra configuração infiel e
desviante da proposta primeira. O que se ignora nesta leitura apressada são as
inúmeras conexões anteriores à própria formação do objeto dito original,
processos de intermidialidade e intertextualidade em espaços convergentes de
expectativas distintas de narrativas e mundos imaginados coletivamente,
narrados por vozes simbólicas que se manifestam na forma final de um autor, que
dá nome a sua obra. Nesse sentido, este trabalho visa analisar dois textos de
mídias distintas, o romance Neuromancer, de William Gibson, e o jogo de
RPG de mesa Cyberpunk 2020, de Mike Pondsmith, com o intuito de
verificar o que foi “roubado” de um elemento textual a outro: a estrutura
narrativa e a temática de um mundo cyberpunk. Ao comparar os dois
objetos, percebe-se que o autor da literatura provoca o jogador de RPG de mesa,
também game designer (isto é, aquele (a) que projeta e publica jogos)
para adaptar a narrativa literária para outro corpus midial, criando o
jogo que adapta características do texto literário e amplia outras, de modo a
formar o que se espera de um jogo de RPG: permitir a seus jogadores desfrutarem
da experiência cyberpunk, num contexto intermidiático, não mais somente
como leitores, mas também como agentes ativos na constituição da sua vivência
narrativa no mundo ficcional almejado. Para a análise teórica, serão
considerados os trabalhos relativos à Teoria da Adaptação de Linda Hutcheon
(2006), as noções de Intermidialidade de Irina Rajewsky (RAJEWSKY, 2012) e
Werner Wolf (WOLF, 2011), Cultura Convergente de Henry Jenkins (JENKINS, 2012)
e a conceituação de jogos de RPG de mesa através da dissertação de Mestrado
deste autor (PRIETTO, 2015). Por fim, ao analisar tais procedimentos,
encontram-se evidências de correlações e contatos entre autores e leitores,
produtores e público consumidor, percebe-se que em espaços convergentes de
narrativas pirateadas, há toda uma série de reconfigurações de elementos
intermidiáticos.
III.3
Notas sobre a transformação do conto “Uma branca sombra pálida”, de
Lygia Fagundes Telles, no espetáculo teatral Sombra PáLida (11)
Ivan
Eder Neto Nunes, ivanufrgs@gmail.com
Este
texto tem por objetivo relatar como transformei o conto “Uma branca sombra
pálida”, de Lygia Fagundes Telles, no espetáculo teatral Sombra PáLida.
Apresentei este trabalho como pré-requisito para conclusão do Curso de
Especialização em Teoria e Prática da Formação do Leitor, promovido pela
Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), em 2015. Tive como contexto
de pesquisa, portanto, o processo de criação do espetáculo, que ocorreu na Casa
de Cultura Mário Quintana e teve duração de dois anos. Realizava, em média,
três ensaios por semana. Os ensaios ocorriam de maneira bastante livre: relia o
conto inúmeras vezes, percebia quais verbos do texto se prestavam para ações em
cena; ao mesmo tempo, pensava na composição física da protagonista, maquiagem,
figurino. Também ponderava quais objetos cênicos fariam parte do universo da
personagem. Conforme ensaiava/criava, também registrava o que acontecia na sala
de ensaio em cadernos (diários de bordo do espetáculo). Quando analisei o
conteúdo dos diários, elaborei uma lista dos recursos que havia mobilizado para
transformar o conto em espetáculo. Tais recursos revelam meu nível de interação
com o conto — como leitor e ator — e podem ser divididos em recursos de
natureza textual (a elaboração de uma dramaturgia textual com base no conto de
Lygia), física (meus estudos para compor fisicamente a protagonista do conto)
ou representacional (meu entorno de ator, o aparato cênico do espetáculo que,
em suma, pode ser compreendido como cenário). Instituí uma atmosfera de ensaio
em que estava bastante livre para criar, atmosfera essa típica do fazer
teatral. Sendo assim, a abordagem da pesquisa foi qualitativa. Essa atmosfera
também revelou que um método não antecedeu quaisquer ações no sentido de
realizar a pesquisa, no sentido de transformar o conto num espetáculo; desse
modo, registro que perseverei no processo — eu fazia, tentava, e também errava,
evidentemente. Utilizei como pressupostos teóricos a definição do ato de ler de
Leffa (1996), as noções de dramaturgia textual de Araújo (2009), os conceitos de
conto e de monólogo interior de Pavani e Machado (2003), além de algumas obras
centradas em processos de criação — destaco Pino e Zular (2007) na questão de
que rastrear um processo de criação é “tarefa utópica”. Algumas conclusões a
que cheguei são: (a) ao ajustar o conto para a cena, flertei com a figura de um
dramaturgo; (b) ao compor uma personagem fisicamente, exerci com plenitude meu
ofício de ator, pois estava livre; e (c) ao elaborar o aparato cênico, flertei
com a figura de um cenógrafo. Essas conclusões apontam que não me limitei a ser
apenas ator; creio que exerci meu ofício para além dos domínios desse ofício,
sou um ator com iniciativa, proativo, multitarefa, enfim, um ator
contemporâneo.
III.4
Diabo (Diablo, 2012), de Nicanor Loreti: a transculturação como
ferramenta de descolonização audiovisual (12)
Rosângela
Fachel de Medeiros, rosangelafachel@gmail.com
O
mercado cinematográfico latino-americano é dominado pela hegemonia econômica e
estética do cinema Hollywoodiano, administrado pelas majors
transnacionais que, além de aturarem como produtoras, controlam os fluxos
nacionais e internacionais de distribuição, decidindo assim que filmes chegam a
que cinemas. Nessa perspectiva, imperam nas salas de cinema produções
cinematográficas globalizadas (ORTIZ, 1999; CANCLINI, 2003), que têm como meta
atingir o maior público possível. A percepção da importância econômica e
cultural do setor no contexto nacional e regional vem originando, na América
Latina, políticas nacionais e transnacionais de fomento à produção audiovisual.
Destacam-se, nesse sentido, as ações do INCAA (Instituto Nacional de Cine y
Artes Audiovisuales) na Argentina, que trouxeram o país ao patamar de maior
produtor cinematográfico da região. Nesse contexto, surgem desde obras populares
esteticamente “hollywoodianas”, realizadas com o objetivo de obter sucesso de
público, até o cinema mais autoral e artístico, destinado aos festivais. No
imbricamento dessas duas posições, surgem obras que, apesar de notoriamente
geradas da hegemonia e da grande influência (narrativa, estética, formal e
temática) dos cinemas hollywoodianos, apresentam uma forte marca identitária
construída por meio da transculturação (RAMA, 1982) de modelos e de elementos
recorrentes nesses cinemas. Tais obras respondem ao manifesto “Hacia un
tercer cine” (1969), dos cineastas argentinos Fernando Solanas e Octavio
Gentino, que, imbuídos das ideias de Franz Fanon, clamavam pela descolonização
do olhar de produtores e espectadores cinematográficos latino-americanos. Os
autores do manifesto propunham um enfrentamento estético, narrativo e educativo
à linguagem hollywoodiana, partindo de perspectivas nacionais e regionais. Esse
é o caso do premiado filme argentino Diabo (Diablo, 2012), de
Nicanor Loreti, que imbrica elementos clássicos do cinema de gênero de matriz
hollywoodiana: ação (em sua vertente reconfigurada por Quentin Tarantino),
comédia negra, filme de boxeador; na configuração de uma obra cinematográfica
absolutamente argentina e repleta de “argentinidade”. Violência e humor negro
são o pano de fundo da história de Marcos, conhecido como “El Inca”, um
boxeador que deixa os ringues após matar acidentalmente a um oponente: peruano,
judeu e peronista, ele leva tatuados no peito os rostos de Evita e de Perón.
IV. 10 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: ILEA
IV.1
Moral da história: um estudo comparativo da série Grimm e dos contos
que a inspiraram (13)
Fabian
Quevedo da Rocha, fabianway07@gmail.com
Histórias,
desde que começaram a ser contadas em um passado remoto, sempre desempenharam
um papel importante em nossas vidas: por vezes, as contamos a fim de tentar
explicar o inexplicável; por outras, a fim de manter tradições vivas. Há
aqueles que as contem por entretenimento, ou simplesmente, como Boyd (1952)
acredita, porque não conseguimos parar de contá-las. Um fato importante a
respeito delas é que uma vez que elas provêm da tradição oral, é comum que elas
mudem conforme são contadas. Isso ocorre, de acordo com Boyd, porque adaptar
histórias faz parte da natureza humana. Shakespeare era um mestre em adaptar
histórias em peças teatrais; os vitorianos, como afirma Hutcheon (2006), tinham
o costume de adaptar praticamente tudo, de contos a pinturas, de romances a
óperas; com a chegada da (pós) modernidade, no entanto, adaptar (o que quer que
seja), tornou-se um hábito ainda mais frequente, mas nem sempre bem visto:
tornou-se comum tratar adaptações como meras réplicas do meio que está sendo
adaptado e ter-se a "fidelidade à obra original" como um dos quesitos
principais para determinar-se uma adaptação como sucesso ou falha. Nesse
cenário onde tudo se adapta e (quase) tudo se critica, uma adaptação que foi ao
encontro das expectativas do público, tendo recebido críticas positivas, foi a
série televisiva Grimm, criada em 2011 pelos cineastas Jim Kouf e
Stephen Carpenter, que adapta, sobretudo, os contos de fada dos irmãos Grimm.
Sendo assim, este trabalho tem por objetivo analisar a releitura feita por Kouf
e Carpenter dos contos dos Grimm, a fim de melhor entender as intenções dos
criadores, ao adaptarem tais obras, e também investigar quais os processos
utilizados por eles que possam ter contribuído para que a série fosse bem
recebida pelo público. Para tal fim, farei uso das teorias e conceitos sobre
adaptação propostos pela teórica Linda Hutcheon, dos estudos a respeito de
contos de fadas trazidos por Jack Zipes e Maria Tatar, a obra de Nathan Robert
Brown a respeito da série e os estudos de Brian Boyd a respeito das origens das
histórias.
IV.2
As novas adaptações de John Watson em séries televisivas contemporâneas (14)
Eduarda
De Carli, dceduarda@gmail.com
A
primeira adaptação das histórias do escritor escocês Sir Arthur Conan Doyle foi
apresentada pela primeira vez no ano de 1899, no palco, com roteiro de William
Gillette. Pouco tempo depois, no ano de 1900, o primeiro filme é lançado, com
apenas 17 minutos. Podemos afirmar então que Sherlock Holmes está presente no
campo das adaptações, mais especificamente na mídia audiovisual, desde a
invenção do cinema, ocorrida no final do século XIX. Porém, não podemos afirmar
o mesmo de seu famoso companheiro, Dr. John Watson, que não aparece nas duas
obras acima mencionadas. Adaptadores consideravam que a personagem não teria
nenhuma utilidade ou importância, e que poderia ser substituída ou simplesmente
inexistente nas obras porque era apenas o narrador dos 56 contos e quatro
romances, sem valor actancial, excluindo a personagem de várias obras nas
primeiras décadas. Desde então, cada época conta com diferentes caracterizações
da personagem, seja no cinema ou na televisão, estabelecendo tradições
adaptativas que podem ser mantidas ou desafiadas. Com a virada do milênio,
podemos perceber uma nova tradição sendo formada, apresentando uma
reconfiguração da personagem, principalmente nas duas mais recentes adaptações
televisivas — Sherlock (2010), da BBC, e Elementary (2012), da
CBS. Devido ao fato de que as duas séries são situadas nos dias atuais, todas
as personagens são atualizadas. Neste trabalho, foco na caracterização de John Watson,
por ter sido inicialmente considerado um personagem sem utilidade e hoje, nas
obras mencionadas, podemos dizer que é vital para a sobrevivência de Holmes na
sociedade contemporânea. Portanto, proponho apresentar uma análise da
personagem nas duas séries televisivas, tendo como principal aporte teórico Film
Narratology, de Peter Verstraten (2009), e Complex TV, de
Jason Mittell (2015), levando em consideração a existência da tradição
adaptativa e a caracterização da personagem nas obras de Doyle. Desta maneira,
pretendo demonstrar que (e como) as adaptações possibilitam a exploração e
amplificação do papel de personagens-narradoras (BAL, 2009), de modo em que
aumenta sua autonomia e também modifica sua configuração na mídia audiovisual.
IV.3
A centralidade de Pride and Prejudice para a consolidação e manutenção
da Austenmania (15)
Filipe
Róger Vuaden, filipe_vuaden@hotmail.com
Não
é novidade que os anos 1990 representam uma grande virada para a popularidade e
recepção das obras de Jane Austen, majoritariamente em função da quantidade de
adaptações cinematográficas e televisivas baseadas em seus romances produzidas
nesse período. O consequente interesse gerado por essas obras derivativas dos
trabalhos da autora levou à cunhagem de termos como Austenmania e Austenfever,
empregados como referência ao assim chamado fenômeno Jane Austen, que, a partir
de então, passou a abarcar os domínios da literatura, do cinema, da televisão e
da cultura popular. Do conjunto de adaptações das obras de Austen realizadas
nos anos 1990, destaca-se a minissérie televisiva Pride and Prejudice
(1995), produzida pela BBC, uma vez que, além do sucesso de público quando
transmitida, a adaptação viu sua popularidade se estender além-mares, devido a
fatores como o surgimento e ascensão da internet de uso comercial e o acesso a
produtos culturais como boxes em formato VHS e DVD, estimulando o
contato entre o público interessado na obra e oferecendo-lhe a oportunidade de
revisitá-la sempre que desejasse. Consequentemente, tal popularidade parece ter
orientado, em diferentes medidas, grande parte das subsequentes adaptações da
obra de Austen produzidas a partir dos anos 2000: de um lado, a predominância
de Orgulho e Preconceito dentre os romances da autora que são adaptados;
de outro, a apropriação de elementos da adaptação televisiva de 1995 nestas
novas obras derivativas do romance. Nesse sentido, tendo em vista a comemoração
ao bicentenário de morte de Jane Austen, o presente trabalho tem por objetivo
lançar luz sobre a centralidade de Pride and Prejudice (1995) em relação
às posteriores adaptações (HUTCHEON, 2013) e apropriações (SANDERS, 2006) das
obras da escritora. Assim, por meio de paralelos com obras como Bridget
Jones’s Diary (2001), Pride and Prejudice (2005) e The Lizzy Bennet
Diaries (2012-13), por exemplo, evidencia-se o papel que apropriações e
obras derivativas, ainda que populares e massificadas, têm na manutenção e
permanência de autores canônicos para novos públicos e leitores, tensionando as
fronteiras entre obra original e secundária e, consequentemente, promovendo a
revitalização da primeira por meio da segunda.
IV.4
Penny Dreadful: o monstro gótico no século XXI (16)
Éder
Corrêa, edercorream@gmail.com
Na
televisão, a série Penny Dreadful (2014-2016) juntou personagens
clássicos da literatura vitoriana — Frankenstein, Dorian Gray, Drácula,
Wilhelmina Harker, Dr. Jekyll —, para criar um novo enredo, baseado nos
elementos da literatura gótica. Com boa recepção da crítica e do público, a
série mostrou que elementos da literatura clássica ainda são bem receptíveis e
comercializáveis, ao mesmo tempo em que projeta algo novo para o público
contemporâneo. A série criada por John Logan apostou na recuperação dos
elementos góticos do século XIX para produzir um produto original que pudesse
suscitar discussões de temas da contemporaneidade, por intermédio das
narrativas clássicas produzidas na época. A partir do século XXI, a sociedade
contemporânea passou por mudanças muito rápidas que já vinham emergindo desde o
final do século XX. Hoje, os direitos das mulheres são cobrados e, cada vez
mais, conquistados, a luta dos homossexuais não é mais algo a ser escondido
pelo manto da hipocrisia. O conflito entre ocidente cristão e oriente islâmico,
a crise dos refugiados e instabilidade econômica trouxeram novamente o medo e a
incerteza para as nações. Nos últimos anos, nasceram novamente posições
nacionalistas e ufanistas, que amedrontam grupos minoritários e ameaçam tirar
os direitos conquistados há pouco tempo. Neste sentido, a dúvida do que
acontecerá novamente surge como pauta de discussão e, por isso, o gótico e as
criaturas que causam medo — zumbis, lobisomens, fantasmas, demônios,
apocalipses, distopias — ganham espaço, pois representam o inexplicável, o
desconhecido. É neste contexto que a mídia aproveita para explorar esses seres
desconhecidos, que ganham cada vez mais espaço nas produções do cinema e da
televisão. Evidencia-se, assim, que, com Penny Dreadful, a relação entre
a “alta” e a “baixa” cultura é tênue, além de demonstrar que o receptor desse mashup
televisivo atua ativa e passivamente, ao precisar, necessariamente, de
conhecimento prévio para poder compreender o universo ficcional apresentado.
Esses elementos provam a inesgotabilidade das “produções clássicas” e sua relevância
para a cultura globalizada presente. O monstro antigo, o desconhecido, o
diabólico das produções vitorianas, agora representa outra coisa — o
marginalizado, o homossexual, a minoria. Nesse sentido, a mesclagem dos
elementos ditos clássicos com a produção de massa propõe uma compreensão nova
do monstruoso para o público do século XXI.
V. 11 de outubro, das 11h30min às 13h — LOCAL: ILEA
V.1 Brasiliana
ou da apropriação indébita (17)
Cláudia
Camardella Rio Doce, claudiariodoce@yahoo.com.br
Brasiliana foi
uma coluna inteiramente constituída de citações — de notícias de jornal,
discursos, entrevistas, circulares, convites e anúncios — que integrava a
primeira fase da Revista de Antropofagia, entre maio de 1928 e fevereiro de
1929. Sendo, provavelmente, uma das partes que melhor incorporam o espírito de
alegre e combativo anarquismo da antropofagia, as citações, transportadas para
as páginas da Revista, adquirem um tom cômico e subversivo. Funciona como uma
denúncia de determinados valores da época e também destaca o nonsense
presente no cotidiano e que poderia, de outra forma, passar despercebido. O que
dá comicidade aos recortes é justamente o fato de estarem fora do contexto
original, onde apenas reforçam o senso comum. É a contradição entre o que é
dito (e dito em linguagem e lugar prestigiosos) e o novo espaço que cria o
distanciamento necessário para a crítica. A revista, periódico literário, ao
citar diretamente o noticiário nacional, coloca em evidência o esvaziamento de
sentido das práticas sociais que contempla, questionando a sua lógica e
relativizando as pretensas verdades aí expressas. Fazendo uso de um dos
procedimentos mais empregados pelas vanguardas, a montagem, e sobrepondo
fragmentos que abrangem uma multiplicidade de assuntos, a coluna ignora as
regras usuais do jogo da reprodução e trabalha com a tensão e a
irreconciliabilidade entre o que é citado e o novo contexto, produzindo a
dessemelhança. Se movimentando entre a analogia e a dessemelhança, as imagens
constituídas pela coluna atuam no contramovimento da mera reprodução e apelam
para nossa sensibilidade, nos apresentando, simultaneamente, uma situação
perpetuada e uma realidade obtusa, esvaziada de sentido. Brasiliana, é
evidente, coloca os preceitos antropofágicos em prática, apropriando-se do
alheio para produzir algo novo, próprio. Poderíamos dizer, ainda, que o
procedimento empregado por Brasiliana possui semelhança com a concepção
de montagem de Eisenstein, segundo a qual o leitor (o espectador, no caso do
cinema) é convidado a uma postura ativa diante da justaposição dos diversos
fragmentos a que é submetido, pois somente assim ele seria capaz de perceber
uma imagem sintética final. O trabalho, portanto, buscará fazer uma reflexão
acerca da coluna Brasiliana e todas essas questões aqui levantadas.
V.2
Da palavra do outro como palavra de si: contrabandos plagiários de
linguagem (18)
Luis
Felipe Silveira de Abreu, paraluisabreu@gmail.com
Se
cada palavra dita na vida cotidiana de uma cidade fosse materializada em um
floco de gelo, imagina o poeta e artista visual Kenneth Goldsmith, todo dia
seria de nevascas. É refletindo esse acúmulo de linguagem que posicionamos o
trabalho aqui proposto, interessado em discutir a produção e reprodução de
discursos pelos meios técnicos de nosso cotidiano, da comunicação e da
literatura. Em meio a tal glossolalia, como falar? Como responder a tal coro,
como se contrapor às palavras que se infiltram pelo nosso dia a dia? E aí, como
nossas próprias palavras refratam essas tantas outras? Retoma-se aí o tema da
palavra do outro, central à filosofia da linguagem de Mikhail Bakhtin. O
discurso é sempre produzido em um contexto social e político, postula o
linguista russo, daí sua condição dialógica: tudo que falamos está impregnado
por aquilo que vemos e outros, e cada palavra pronunciada carrega as marcas de
suas enunciações anteriores. Todo discurso é heterodiscurso; lidar com a
miríade de vozes e falas que nos circundam é, de forma ainda mais aguda,
entender que em cada uma dessas falas residem outras tantas, e as nossas mesmo
adentram esse jogo. Mais que entender a fala como criação, parece ser o caso de
se colocar como “contrabandista” dessas matérias do mundo; daí, como modo de
operação radical desse princípio dialógico, podemos observar, no seio das
práticas artísticas e literárias, a proposição do plágio. Tornar a palavra do
outro palavra minha. Como postula o manifesto Plágio utópico,
hipertextualidade e produção cultural e eletrônica, do grupo de guerrilha
midiática Critical Art Ensemble, o plágio é uma operação de linguagem que atua
na própria estrutura semiótica do que concebemos como troca e comunicação;
menos um problema moral/legal, mas uma performance crítica e paródica da
própria condição da linguagem. Estender a compreensão da cópia e da citação
para tais termos parece ser aqui o desafio. De forma a investigar a operação
desse dispositivo plagiário, propomos aqui uma leitura dos livros O mez da
gripe e Rremembranças da menina de rua morta nua, de Valêncio Xavier, e Trânsito,
de Kenneth Goldsmith, constituídos por fragmentos de discursos midiáticos
(recortes de jornais, anúncios publicitários, transcrições radiofônicas, etc.),
acreditamos que tais textos apresentam uma perspectiva singular sobre a palavra
do outro e sua produção e difusão pelos meios de comunicação; e, além, sua
capacidade de subversão pela semiose plagiária.
V.3
Fronteiras selvagens: o estranhamento interartes na poética de Douglas
Diegues (19)
Jorge
Antônio Miranda de Souza, jorgemirand@uol.com.br
O
foco desta comunicação é analisar os “sonetos selvagens”, designação dada aos
poemas do poeta Douglas Diegues, e o diálogo interartístico estabelecido neles
com o escritor e psiquiatra português António Lobo Antunes e com o cineasta
espanhol naturalizado mexicano Luis Buñuel. Considerado um dos principais
representantes do “não movimento literário” Portunhol Selvagem, Douglas Diegues
é um poeta bastante peculiar no cenário da poesia brasileira contemporânea. Sua
formação pode ser compreendida como triplamente fronteiriça: geograficamente,
por ter vivido a maior parte da vida em uma região de encontro de fronteiras
entre Ponta Porã (Mato Grosso do Sul), Paraguai e territórios indígenas
Guarani; linguisticamente, pela composição de uma linguagem que consiste na
assimilação do português, do espanhol e do guarani; e literariamente, por
empregar essa linguagem concomitantemente tríplice e una para elaborar uma
produção poética crítica, irônica e dificilmente categorizável. Em seu
exercício poético, Douglas Diegues trabalha com o soneto – poema de forma fixa
consolidado já dentro da tradição – no entanto, o opera a partir da apropriação
de topoi clássicos do panorama da poesia deslocando-os de seus lugares comuns
sem, por sua vez, desconfigurá-los totalmente, causando assim uma espécie de
desautomatização ou estranhamento – tal como propôs, dentre alguns teóricos, o
russo Viktor Chklovski — no regimento das convenções poéticas. Dentro desse
processo de continuidade e subversão de formas e tópicas, destaca-se na obra de
Douglas Diegues a evocação de determinados autorictas erigidos pela voz
poética ao longo de alguns sonetos. Escritores e poetas diversos são convocados
explicitamente pela voz poética para se apresentarem em meio ao discurso não
domesticado de Diegues. No que diz respeito a esse movimento, contata-se um
diálogo interartístico especial com Lobo Antunes e Luis Buñuel, no qual se
verifica a apropriação e a reelaboração não da obra desses artistas, mas de
suas imagens e representações construídas no imaginário sociocultural, passando
a ser ressignificadas como alegorias de contestação, inconformidade e ruptura
dentro da poética movediça, questionadora e singular de Douglas Diegues.
VI. 11 de outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA 107
VI.1
Meus namorados — variações sobre Calle nº 1 (20)
Gisela
de Moraes Rodrigues, gicarodriguez@yahoo.com.br
Meus
namorados — variações sobre Calle nº 1 é um relato pessoal
que desenvolvi a partir do estudo sobre o livro Histórias Reais de Sophie
Calle, como ensaio de conclusão da cadeira de Literatura e
Subjetividade na PUCRS, no primeiro semestre do mestrado em Escrita Criativa.
Consiste num livro de contos curtos, escritos num tom autobiográfico
e imagens de cenas de filmes, sendo os títulos nomes de músicas de
bandas de rock. É um trabalho que foi concebido como uma adaptação livre da
obra Histórias Reais, e mantive a estrutura do diálogo entre texto e
imagem para cada relato, e uma linguagem intima e ao mesmo tempo irônica, assim
como no original. No entanto, para que esse meu livro de contos surgisse, e
para que eu pudesse beber na fonte de Calle sem medo de apenas copiar seu
trabalho, eu me orientei pela concepção da contra-assinatura, concebida por
Jacques Derrida em Essa estranha instituição chamada literatura. Nesse
texto, Derrida fala sobre a sua “lei”, que seria seu intento e devoção, e
que ele denomina de o texto do outro. Por outro lado, criei ao meu
modo as intervenções visuais de cenas de filmes e de referências musicais como
se fossem parte dos momentos de cada relação de namoro ali comentada. Calle é
uma autora que nos instiga a vivenciar suas aventuras pessoais, criando
situações textuais e imagéticas, ao mesmo tempo em que traz também o conceito
de happening em paralelo aos seus relatos. Desde os anos 1980,
a artista vem pesquisando uma linha na qual a vida privada surge em contraponto
à vida pública. No meu caso, eu sou formada em Teatro e dirigi e atuei em
espetáculos e performances, além de escrever romances e poesia, e me
identifico naturalmente com a tendência de Calle de mesclar performance
e literatura.
VI.2
Pode o tradutor falar? Uma análise da tradução da Autobiografía
de Juan Francisco Manzano no Brasil sob a ótica dos Estudos Culturais (21)
Liliam
Ramos da Silva, liliamramos@gmail.com
Este
artigo tem como objetivo analisar a Autobiografia do poeta-escravo Juan
Francisco Manzano, única obra latino-americana conhecida escrita por um
homem negro ainda em situação de escravidão em Cuba. Com tradução,
publicada no Brasil em 2015, pelo escritor, pesquisador e tradutor Alex Castro,
propõe-se uma discussão do texto traduzido sob a ótica dos Estudos Culturais.
Os teóricos dos Estudos Culturais utilizados no ensaio — Gayatri Spivak, Stuart
Hall e Boaventura Sousa Santos — consideram que o sujeito pós-colonial é alguém
que se posiciona entre duas culturas e que constantemente desenvolve
estratégias de tradução cultural entre diferentes povos. As pesquisadoras
dos Estudos da Tradução Susan Bassnet e Rosemary Arrojo inserem os textos
traduzidos em uma perspectiva intercultural, na qual o tradutor não pode nem se
eximir, nem se invisibilizar. A reflexão abordará a presença do tradutor no
processo de tradução intercultural de um texto escrito no século XIX de acordo
com a proposta de Castro, que realizou uma Tradução (adaptação ao português
contemporâneo) e uma Transcriação (criação de um Manzano lusófono fictício,
cujo texto mantém os desvios de gramática e as estruturas sintáticas presentes
na versão de 1835), além de 342 notas explicativas relacionadas ao contexto
escravocrata da época e à escrita dialética de Manzano. Discutiremos o papel do
tradutor que transcodifica textos incluídos na perspectiva pós-colonial e sua
mediação na tradução linguística e cultural.