ILHA 3
VIAGENS,
NAUFRÁGIOS,
MIGRAÇÕES
E REFUGIADOS
Cinara Ferreira
e Gerson Neumann
As poéticas do movimento
voltam-se, hoje, ao exame dos movimentos que constituem os espaços reais e
imaginários. Para essas poéticas, os espaços somente surgem por meio de
movimentos, que incluem cruzamentos e travessias. Nesse sentido, os temas da
viagem, do naufrágio, da migração e dos refugiados fomentam a discussão sobre o
dinamismo que envolve a configuração dos espaços na literatura, nas artes e nas
sociedades. Viajar pressupõe um deslocamento, uma saída do espaço em que se
está para outro, havendo sempre o risco de acidentes, interrupções, naufrágios.
Desde a sua origem, o ser humano se desloca pela necessidade de sobrevivência
e, a partir de suas viagens, aprende a não naufragar. Pelo mar, constrói-se o
itinerário das clássicas narrativas homéricas e também dos feitos heroicos dos
viajantes chineses, vikings, entre outros. O período das grandes navegações
registra a inserção do homem moderno no mundo, realizada pela saída para o
desconhecido mar, pelos países da península ibérica, marcando o que se pode
chamar de primeiro movimento de globalização. Ette (2012) afirma que, nesse
período, "as dimensões do mundo eram cientificamente conhecidas do homem
ocidental, o mundo na sua forma esférica, por sua vez, era potencialmente
dominável". Contudo, dessa experiência de movimento, são oriundas as
primeiras assimetrias nas estruturas de poder entre o europeu e o não europeu:
um é civilizado e o outro é selvagem, um é cristão e o outro é pagão, um é
europeu e o outro é o outro. A partir do primeiro movimento de saída da Europa,
as viagens passam por diferentes fases: da caravela ao navio a vapor, da viagem
calculada a partir da marcação do tempo pelo relógio, das viagens de descobrimento,
às viagens de aventuras, de recolhimento científico, de emigração. São muitos
os nomes de grandes viajantes (europeus na sua grande maioria) que navegaram os
mares do mundo; são muitos os relatos de naufrágios; o “novo mundo” é novo
devido às viagens de “descobrimento” e devido aos muitos (e)migrantes que
deixaram a Europa para “fazerem a América”. Atualmente, o uso do conceito de
“refugiados” está em voga e assistimos a diversos naufrágios, mesmo em meio a
tanta tecnologia à disposição. Como? Por quê? Muitos são os pontos que merecem
nossa atenção, quando tratamos de questões em torno dos temas da viagem, dos
naufrágios, da migração e dos refugiados. Muitas viagens levaram a narrativas
hoje canônicas, e muitas dessas narrativas levaram, por sua vez, a viagens.
Tem-se aí um círculo que já é uma viagem em si e, nessa viagem, queremos entrar
neste simpósio.
HORÁRIOS
DAS COMUNICAÇÕES
I. 9 de
outubro, das 11h30min às 13h — LOCAL: SALA 120 DO PPG
I. 1 Tawada Yôko Não Existe: a
contribuição teórica de Yoko Tawada sobre tradução, autoria e a língua
estrangeira, Lúcia
Collischonn de Abreu
I. 2 Gilles Lapouge e seu
dicionário sobre o Brasil: uma viagem amoureuse, Laura Taddei
Brandini
I. 3 As fronteiras
extra-insulares na escrita de Yoko Tawada, Cláudia Pavan
I. 4 A tradução como ato de
recriação e a poesia de Tawada Yôko,
Marianna Ilgenfritz Daudt e Michelle Conterato Buss
IIA. 9 de
outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA 120 DO PPG
IIA.1 A emigração açoriana
para o Brasil no século XIX e a exploração humana: uma história pouco contada, Gisélle Razera
IIA.2 "Fare l'America". A
emigração italiana nas obras Cuore e Sull'oceano,
de Edmondo De Amicis, Heloísa
Sousa Pinto Neto
IIA.3 Opisanie Świata, um livro de
viagens, Michel Machado Flores
IIA.4 Oxum e A
casa da água — do mito orixaísta ao romance de Antônio Olinto, José Ricardo da Costa
IIB. 9 de
outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: AUDITÓRIO LUFT
IIB.1 Veendam, a
viagem da França ao México: histórias do exílio republicano espanhol da
geração 1939, Ana Paula
Cabrera
IIB.2 O murmúrio do mundo de
Almeida Faria - a revisitação de uma Índia nunca conhecida, Gabriela Silva
IIB.3 Deslocamentos na
narrativa brasileira contemporânea: um recorte do romance Algum lugar,
de Paloma Vidal", Rafael
Ferreira
IIB.4 Dora Maar e o espaço
picasseano: algumas notas sobre La mujer que llora, de Zoé Valdés, Amanda da Silva Oliveira
IIB.5 A viagem de Shadow: deuses americanos e a (des)arqueologia do sujeito, Ilse Maria da Rosa Vivian e Guilherme Buzatto
IIB.5 A viagem de Shadow: deuses americanos e a (des)arqueologia do sujeito, Ilse Maria da Rosa Vivian e Guilherme Buzatto
III. 10 de
outubro, das 10h às 11h30min — LOCAL: SALA 120 DO PPG
III.1 Mulheres migrantes nas
obras de Najat El Hachmi e Chimamanda Ngozi Adichie, Luciane da Silva Alves
III.2 Das perdas, partidas e
refúgios (im)possíveis: algumas notas sobre o exílio no romance Mar
Azul, de Paloma Vidal,
Cristiane da Silva Alves
III.3 Os percalços da
movência: a família errante de A vendedora de fósforos, de
Adriana Lunardi,
Jéssica Fraga da Costa
III.4 Silêncios em movimento:
pequena leitura de Um, dois e já, de Inés Bortagaray, Camila Rodrigues Boff
III.5 “Em algum lugar, um riacho rumorejava” — Vidas em tempos líquidos: uma
análise dos personagens de Fama, de Daniel Kehlmann e Mãos de Cavalo,
de Daniel Galera, Carla Klos Schöninger
IVA. 10 de
outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA 120 DO PPG
IVA.1 Duas jornadas e dois
destinos: a trajetória dos personagens náufragos nas novelas Amy Foster
e Ladies in Lavender, Fernanda
de Mello Veeck
IVA.2 A viagem como trajetória
frustrada para a redenção,
Rosita Maria Schmitz
IVA.3 A representação dos
refugiados em duas obras contemporâneas de língua alemã, Monique Cunha de Araújo
IVA.4 Paródia e contra-epopeia em As naus, de António Lobo Antunes, Camila Stefanello
IVB. 10 de
outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: AUDITÓRIO LUFT
IVB.1 Os espaços movediços na
narrativa de Carolina Maria de Jesus, Janaína da Silva Sá
IVB.2 Poéticas e
deslocamentos: a viagem na arte de Paulo Nazareth, Mari Lúcie da Silva Loreto
IVB.3 As palavras em estado de
rebeldia, Lucas Antônio
de Carvalho Cyrino
IVB.4 Naufrágio e refluxo do
nazismo em Passo de caranguejo, Gabriel Felipe Pautz Munsberg
IVB.5 (Des)territorialização e narrativa autobiográfica: deslocamentos e ressignificação do passado na obra Transplante de menina, de Tatiana Belinky, Simone Luciano Vargas
IVB.5 (Des)territorialização e narrativa autobiográfica: deslocamentos e ressignificação do passado na obra Transplante de menina, de Tatiana Belinky, Simone Luciano Vargas
V. 11 de
outubro, das 11h30min às 13h — LOCAL: SALA 120 DO PPG
V.1 Identidade porvir: a
viagem como construção do eu e do nós, em Maleita, de Lúcio Cardoso,
Luís Alberto dos Santos Paz Filho
V.2 Estética da viagem,
poética do perder-se: apontamentos sobre Lorde, de João Gilberto Noll,
Tamara dos Santos
V.3 Viagens rosianas: uma
reflexão dialética sobre Grande Sertão: Veredas, Suellen Cordovil da Silva
V.4 Escravidão, migração e
trauma cultural em Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves, Vanessa Hack Gatteli
VIA. 11 de
outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA 120 DO PPG
VIA.1 Apenas um rapaz
latino-americano: a experiência do migrante nordestino na canção de Belchior, Nathalia Pinto
VIA.2 Sinais fechados: a
comunidade inconfessável (De Belchior a Foucault), Daniel de Oliveira Gomes
VIA.3 Viagem e memória em Hiroshima,
meu amor: confluências entre cinema, literatura e música, Cinara Ferreira e Carlos Walter
Soares
VIA.4 O espaço e o movimento
do Rio em Danúbio (2008), de Claudio Magris, Fidelainy Sousa
VIB. 11 de
outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA 105
VIB.1 Da dor de perder o que
não se tem, Daniel
Conte
VIB.2 Outreidade, Latinidades:
a escrita viajante de Erico Verissimo, Nícollas Cayann
VIB.3 O texto literário como
guia de viagem do turista contemporâneo, Jamile Cezar de Moraes
VIA.4 Não é possível retornar ao paraíso quando se faz a travessia para o mundano, Raquel Belisario da Silva
VIA.4 Não é possível retornar ao paraíso quando se faz a travessia para o mundano, Raquel Belisario da Silva
RESUMOS
DAS COMUNICAÇÕES
I. 9 de
outubro, das 11h30min às 13h — LOCAL: SALA 120 DO PPG
I.1 Tawada Yôko Não Existe: a
contribuição teórica de Yoko Tawada sobre tradução, autoria e a língua
estrangeira
Lúcia Collischonn de Abreu, luciacollischonn@gmail.com
Yoko Tawada, japonesa que escreve
em língua alemã, contribuiu com uma vasta obra em suas duas línguas principais
de trabalho, o alemão e o japonês. Sua escrita literária vem recebendo especial
atenção na crítica em língua alemã e inglesa, especialmente, e a autora é hoje
uma importante expoente das literaturas sem morada fixa, termo cunhado por
Ottmar Ette (2005). Além da aclamada contribuição no âmbito da ficção, a autora
se insere no contexto acadêmico e contribui também na crítica e teoria
literária, tanto sobre a escrita e a tradução de forma geral, mas também sobre
sua própria obra ficcional. A partir disso, proponho considerarmos o viés
teórico de Tawada utilizando primariamente o texto “Tawada Yoko Não
Existe”, palestra proferida em japonês pela autora, e traduzida ao inglês por
“Doug Slaymaker” (2007), em que a autora aborda o conceito de autoria,
contrastando a imagem do autor na tradição ocidental com o autor no contexto
japonês. Com o intuito de dialogar com o texto, trago também outras
contribuições da autora que corroboram sua visão de autoria, tradução e escrita
em língua estrangeira, a saber: Von der Muttersprache zur Sprachmutter [Da
língua materna à mãe da língua] (1996), em que apresenta sua visão sobre a
língua estrangeira, Erzähler ohne Seelen [Narradores sem alma]
(1996), em que reflete sobre o narrador e os diferentes textos que operam em
uma tradução e, por fim, Das Tor des Übersetzers oder Celan liest
Japanisch [O portal da tradução ou Celan lê japonês] (1996), texto em
que propõe uma forma não-linear de visualizar a relação entre tradução e
original através de traduções dos poemas de Paul Celan para o japonês. Assim,
busco estruturar a contribuição da autora para os conceitos de autoria, escrita
em língua estrangeira e tradução, apresentando a autora Yoko Tawada como
teórica da literatura, para que sua contribuição possa ser expandida para além
dos muros das línguas em que opera, sendo utilizada em outros contextos.
I.2 Gilles Lapouge e seu dicionário sobre o
Brasil: uma viagem amoureuse
Laura Taddei Brandini, laurabrandini2016@gmail.com
Fundamentais para os diálogos
entre as culturas são os mediadores: escritores, tradutores, jornalistas,
críticos, editores, livreiros que não só transitam entre culturas, como
propiciam os contatos entre elas. Em sentido próprio ou figurado, são todos
viajantes que cruzam espaços e estabelecem relações entre autores, espaços,
leitores, temporalidades e temas. Tendo como horizonte as relações literárias
entre o Brasil e a França, destacaremos em nossa comunicação o escritor francês
Gilles Lapouge, correspondente do jornal O Estado de S. Paulo desde
1950, que viveu no Brasil durante alguns anos e que continua a frequentá-lo,
exercendo o papel de mediador-viajante entre as literaturas francesa e
brasileira: Lapouge tanto divulgou (e continua divulgando) autores franceses no
jornal brasileiro, quanto retratou o Brasil em alguns de seus romances e
contos. Célebre autor de obras que tematizam as viagens, Lapouge situa
seu Dicionário dos Apaixonados pelo Brasil(2011) em algum lugar entre a
ficção e a obra de referência, pois, por um lado, enquanto “dicionário”, deve
buscar descrever seu objeto de forma precisa; por outro, essa meta é modalizada
pela proposta da obra, um “dicionário dos apaixonados”, que coloca o texto sob
o império da sensibilidade e da afetividade do autor em relação a seu objeto.
Nesse sentido, a proposta da coleção da editora francesa PLON, que criou os
“dicionários” de diversos assuntos, oferece a Lapouge terreno fértil à seleção
dos temas brasileiros que mais lhe tocam, permitindo-lhe a efabulação de
relatos de viagem de fatura literária, recobertos pela ambiguidade do formato
de verbetes de dicionário. Na presente comunicação, à luz de reflexões teóricas
acerca do olhar europeu sobre o estrangeiro desenvolvidas por Jean-Marc Moura
(1998, 2003), bem como de estudos sobre a literatura e os espaços, notadamente
a geocrítica de Bertrand Westphal (2000), analisaremos alguns verbetes
do Dicionário dos Apaixonados pelo Brasil a fim de focalizarmos o
olhar do escritor-viajante Lapouge sobre as terras brasileiras, interpretando-o
criticamente. Mais precisamente, indagaremos os espaços brasileiros presentes
na obra, tendo em vista a seleção do autor para compor seu “dicionário”. O que
tal seleção anuncia de antemão? Uma visão estereotipada, curiosa ou que
demonstra um grau avançado de conhecimento por parte do escritor? Em que medida
a obra pode ser lida como um “dicionário” e em que medida o “amoroso” intervém
na construção das imagens? Seria possível pensarmos num “dicionário de viagem”?
Enfim, qual imagem dos espaços brasileiros predomina no mosaico de pequenas
imagens-verbetes afetuosas do mediador-viajante Lapouge?
I.3 As fronteiras
extra-insulares na escrita de Yoko Tawada
Cláudia Pavan, cp4v4n@gmail.com
Yoko Tawada se apropria do alemão
como uma criança se apropria do brinquedo de um amigo: de assalto, cheia de
curiosidade, acompanhada por um olhar estranho, um pouco esquisito, um pouco
inusitado. Imbuída desses sentimentos e sensações, ela experimenta, e
experimentando, concede mais liberdade e vivacidade à língua do outro e, quem
sabe, também à sua própria língua. A escrita de Yoko Tawada se move entre
o japonês e o alemão: suas primeiras obras foram escritas em japonês e mais
tarde traduzidas para o alemão por Peter Pörtner; outras obras foram escritas
inicialmente em alemão e reescritas em japonês pela própria Yoko Tawada;
outras, ela escreveu primeiramente em japonês e posteriormente em alemão; e há
ainda obras que foram escritas simultaneamente em alemão e japonês. Esse
movimento, contudo, vai além das fronteiras entre o alemão e o japonês, pois se
manifesta também nas traduções de suas obras. Na escrita de Yoko Tawada, escrever,
reescrever e traduzir por vezes se complementam e por vezes se individualizam
totalmente numa dança entre fronteiras que podem ser flexíveis, ou nebulosas,
ou até inexistentes. Yoko Tawada é japonesa e como japonesa desconhece
fronteiras estáticas: "nasci e cresci num país no qual os trens não podem
cruzar fronteiras. Numa ilha, acredita-se, equivocadamente, que o fim do
próprio mundo é determinado pela água salgada" (TAWADA, 2010, p. 408 − tradução nossa). O mover-se entre fronteiras na obra de Yoko Tawada se dá tanto física
quanto linguisticamente. O deslocamento espacial e linguístico são temas constantes em seus textos
e são também processos que marcam e movem sua escrita. Para ela, a língua
representa um território a ser explorado e a fronteira, o início dessa
aventura. Assim, pretendemos, neste trabalho, discutir a influência das
fronteiras na escrita − em constante deslocamento − de Yoko Tawada e como esse jogo entre fronteiras e movimento influencia
também a tradução de suas
obras.
I.4 A tradução como ato de
recriação e a poesia de Tawada Yôko
Marianna Ilgenfritz Daudt, maridaudt@gmail.com
e Michelle Conterato Buss, michelle.buss@gmail.com
O presente trabalho se
insere em um projeto de pesquisa de maior abrangência, ainda em andamento,
sobre a obra de Tawada Yôko, sob a orientação dos professores Andrei Cunha e
Gerson Neumann. Propomos uma tradução para o seu poema Sekkijidai no
Orinppiku(Olimpíadas da Idade da Pedra), publicado em 1991, apenas na Alemanha,
como parte do livro Wo Europa anfängt, uma edição bilíngue que apresenta
poemas da autora em japonês ao lado da tradução para o alemão, realizada por
Peter Pörtner. Em seguida, analisamos os temas, imagens poéticas e
ressonâncias intertextuais entre a cultura e história da Alemanha e do Japão
evocados nesse texto. TawadaYôko, uma das representantes dos novos
caminhos da chamada literatura transnacional, possui uma escrita distinta
e complexa, o que contribui para que sua obra represente um considerável
desafio tradutório. A escritora, nascida e criada no Japão, vive há mais de
trinta anos na Alemanha e escreve e publica tanto em japonês quanto em alemão.
Os versos de Tawada apresentam constante diálogo entre as duas línguas e
exploram as diferenças culturais entre o Japão e o mundo ocidental europeu.
Desejamos também traçar reflexões acerca da atividade de tradução de poesia,
especialmente de uma poesia marcada por jogar com idiossincrasias linguísticas
e culturais pertencentes a contextos diversos do de língua portuguesa e que
passa por diferentes tradutores e idiomas (japonês, alemão, português
brasileiro). A metodologia utilizada inclui pesquisa bibliográfica, cotejo das
traduções do alemão e do português brasileiro e análise temática e descrição de
algumas associações lexicais do poema. Esse trabalho é pautado nos estudos
desenvolvidos por Kristeva (1969) com relação ao conceito de intertextualidade
e por Bakhtin (1929) quanto ao conceito de polifonia, interseccionado com o
próprio conceito de exofonia conforme utilizado por Tawada (2003). Utilizam-se
também os conceitos de teoria de tradução de Tawada, que entende a atividade da
tradução como um ato recriação, uma forma de trazer nova vida à língua e de
colocar as convenções culturais em questão. Como resultados preliminares,
percebemos que o poema Sekkijidai no Orinppiku (Olimpíadas da Idade
da Pedra) tem ressonância com a cultura contemporânea mundial e com a própria
literatura brasileira contemporânea.
IIA. 9 de
outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA 120 DO PPG
IIA.1 A emigração açoriana
para o Brasil no século XIX e a exploração humana: uma história pouco contada
Gisélle Razera, gisellerazera@hotmail.com
O Brasil do século XIX teve no
escravismo o sórdido combustível dos motores que movimentavam a máquina
agrícola e, consequentemente, a sua economia. Nesse contexto, além da evidente
exploração africana, o lugar foi palco de outra modalidade de exploração humana,
desta vez envolvendo a migração de portugueses açorianos para este país. O
assunto foi amplamente representado na ficção e na política portuguesa
oitocentista e pouco abordado no contexto brasileiro. A proibição do tráfico
africanos para terras brasileiras demandou a criação de uma alternativa para a
substituição da força negra nas lavouras, o que consistia em atrair gente do
paupérrimo Portugal insular para terras sul-americanas. De pouca instrução,
prioritariamente analfabetos, muitos ilhéus eram trazidos ao Brasil, voluntária
e involuntariamente, em porões de navios sob condições tão degradantes quanto
as que seriam encontradas/enfrentadas neste país-destino. Iludidos por
contratos de trabalho dos quais dificilmente se livrariam, os então denominados
engajados eram negociados nos portos de chegada tais quais cargas de mercadoria
viva e raramente retornavam ao seu solo natal; quando o faziam, desembarcavam
em Portugal tão ou mais pobres do que quando deixaram aquele país. Esse
processo de aliciamento, cunhado na história portuguesa como “escravatura
branca”, foi retratado em diversos textos literários produzidos em território
lusitano, dos quais destacam-se as peças Aleijões sociais (1850), de
Francisco Gomes de Amorim e Paulo e Maria (ou A escravatura branca)
(1858), assinada por F. J. da Costa Braga. Os dois textos ficcionais foram
levados a público com o propósito de servirem de alerta aos portugueses sobre a
discrepância entre o sonho do eldorado prometido pelos engajadores aos
candidatos a colonos e a armadilha que significava aceitar se submeter aos
contratos abusivos que os conduziriam ao Brasil. Em meio aos seus enredos,
esses textos ilustraram aspectos do dia a dia de uma gente expatriada pela
pobreza e explorada pela ganância de latifundiários brasileiros e
intermediadores dessa modalidade de migração, assunto que suscita um debate
oportuno e necessário até os dias atuais.
IIA.2 "Fare
l'America". A emigração italiana nas obras Cuore e Sull'oceano,
de Edmondo De Amicis
Heloísa Sousa Pinto Neto, heloisaspnetto@hotmail.com
O escritor italiano Edmondo De
Amicis (1846-1908), autor de Cuore (Coração),
livro escrito em 1886 e que obteve repercussão imediata na Europa e
em diversos países americanos, escreveu uma série de outras obras que tem
viagem como tema central. Além de escritor amplamente reconhecido em seu
país, De Amicis exerceu com sucesso a atividade de jornalista. Como tal,
viajou a diferentes países e continentes, sempre registrando suas
experiências por escrito, em obras tais como Olanda, Spagna,
Marocco e Costantinopla. No início de 2017, uma de suas
obras mais significativas neste âmbito, Sull'oceano, publicada
na Itália em 1889, ganhou tradução brasileira. A publicação, aqui
intitulada Em alto mar, é resultado de coedição da Editora
Nova Alexandria e do Instituto Italiano di Cultura de São Paulo e conta com a
tradução de Adiana Marcolini. A obra não fala só de uma
viagem, traz a pungente história de emigrantes da então
recém-unificada Itália em busca de melhores condições de vida no lado de cá do
Atlântico. A bordo do navio Galileo, mil e setecentos passageiros
partem com destino às cidades de Buenos Aires e Montevidéu. Durante vinte e
dois dias de navegação, Edmondo De Amicis é participante ativo de um
importante capítulo da história moderna: o fenômeno da emigração entre Europa e
América. Em alto mar é um romance com traços de diário de
viagem, já que é o registro da própria experiência do autor, ele mesmo um dos
passageiros do Nord America, nome real do navio Galileo.
Sull'oceano foi a primeira obra italiana a falar sobre o movimento
migratório Itália-América, mais objetivamente, Itália-Argentina. Antes desta
publicação, entretanto, De Amicis já havia inserido em Cuore um
pequeno conto sobre o tema. Este trabalho pretende traçar um panorama das obras
de Edmondo De Amicis que apresentam a viagem como tema, tendo como foco
principal os livros Cuore e Sull'oceano.
IIA.3 Opisanie Świata, um
livro de viagens
Michel Machado Flores, michel.flores@acad.pucrs.br
Opisanie świata (2013), de Veronica
Stigger, é uma ficção que pode ser lida como um trânsito por diversas formas
narrativas e por questões da literatura e de outras artes. Nela, a viagem
parece ser um eixo que é atravessado por uma multiplicidade de histórias, de
formas e de temáticas historicamente vinculadas ao fazer literário e artístico.
Além da viagem que se confunde com uma narrativa que inicia na Europa e termina
na Amazônia brasileira, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, essa história
explora outras formas de sentido da viagem na literatura, sendo uma delas a da
experiência da leitura. Contada por um narrador marcado pela experiência do
ver, essa narrativa faz com que seu leitor também viaje, fazendo-o transitar
por várias formas narrativas durante sua leitura. Nesta comunicação, se buscará
apresentar alguns dos desdobramentos da viagem nessa narrativa, uma vez que,
em Opisanie świata (2013), é a viagem que torna possível
encontrarmos um ponto de partida e de chegada, de termos um início e um fim,
para uma história que não tem apenas um começo, tampouco um final. Com base nos
estudos da poética da viagem, de Maria Alzira Seixo (1998), serão apresentados
alguns pontos de confluência da viagem com a literatura, como a viagem
explorada como forma de organização efabulativa, a viagem imaginada e a viagem
relatada. Mas, também, para além dessas formas de relação, serão apresentados
dois personagens dessa história que vivenciam viagens iniciáticas, revelações
de mistérios, que provocam transformações na forma como eles agem no mundo em
que habitam. O personagem Bopp, por exemplo, não é mais o mesmo depois da
viagem que faz à Amazônia; já Opalka, depois de descobrir que tem um filho,
parte em viagem para conhecê-lo. Para refletir sobre isso, se recorrerá aos
textos de Marie Balmary (2011), sobre a viagem iniciática, e de Giorgio Agamben
(2011), sobre o que pode ser um mistério e sua relação com a vida e o romance.
IIA.4 Oxum e A
casa da água — do mito orixaísta ao romance de Antônio Olinto
José Ricardo da Costa, jricardocostabg@gmail.com
Em A casa da Água (2007),
primeiro romance da trilogia Alma da África (2007), Antônio
Olinto representa uma família de descendentes de escravizados que retorna para
o continente africano, após a abolição, em busca de suas raízes e de um lugar
de pertencimento. Em uma associação sincrética entre a religião católica, o
Candomblé brasileiro e a religião tradicional iorubá, os deuses se fazem
presentes no retorno dos ex-escravos ao solo africano. Tem-se no romance,
publicado originalmente em 1969, uma versão feminina do “bildungsroman”
goethiano, que associa o processo de individuação da protagonista, Mariana, ao
de resgate dos laços rompidos pela diáspora. Acredita-se que a trilogia Alma
da África propõe a representação de um matriarcado que reorganiza a
sociedade na diáspora africana. Neste trabalho, buscar-se-á uma compreensão da
personagem central da obra, a partir de sua aproximação com o arquétipo de
Oxum, mito africano e afro-brasileiro diretamente ligado ao que E.M.
Meletínski (2015) localiza enquanto “herói-cultural”, reorganizador e
transformador da sociedade. Mariana, a mulher que não chora, perdeu sua
terra para se encontrar, e, a partir deste resgate, cultivar a África com
sangue e voz. Assim, propõe-se uma análise do romance a partir dos arquétipos
literários que subjazem à narrativa, em diálogo com o que propõe Northrop Frye
(1977). Se, no mito, o fato cotidiano é ritualizado pela presença da
divindade, alçado ao fantástico, no romance, George Lukács fala de um
acontecimento isoladamente burilado pela lírica do autor, capaz de configurar
cada fragmento do ato diário ao nível do universal, a partir do que chama de
“sacramento da forma” (2007, p. 49). Tem-se, assim, um romance que se expressa
como epopeia de uma era “para qual a totalidade extensiva da vida não é mais
dada de modo evidente” (2007, p. 49), para a qual a imanência do sentido
tornou-se problemática, mas que ainda assim tem por intenção a totalidade.
IIB. 9 de
outubro, das 16h às 17h30min – Sessão II — LOCAL: AUDITÓRIO LUFT
IIB.1 Veendam, a
viagem da França ao México: histórias do exílio republicano espanhol da
geração 1939
Ana Paula Cabrera, paulacabreraes@gmail.com
Este trabalho objetiva
elucidar alguns aspectos que marcaram a viagem de um grupo de exilados
espanhóis da geração de 1939, a bordo do transatlântico holandês Veendam.
O conhecido desenlace da Guerra Civil Espanhola afetou uma enorme parte dos
intelectuais espanhóis, bem como o crescimento cultural que surgia na Espanha
nesta década. Em meados de março, a Junta de Cultura Española já desligada
da embaixada espanhola em Paris, com o apoio da Legación de
México, também em Paris, organiza a saída de um reduzido grupo de artistas
e intelectuais da França para o México. Em conjunto com as organizações que
formavam parte da Frente Popular, a diplomacia mexicana organizou um
sistema de controle que identificava os militantes mais representativos,
preparando assim, sua saída da França. Outras nações estavam dispostas a
acolher este grupo de intelectuais prestigiados dentro e fora da Espanha em
diferentes campos científicos e culturais. A determinação e os esforços do
presidente Lázaro Cárdenas em acolher esses refugiados republicanos chegados da
Espanha foi implacável, disponibilizando, entre outras coisas, aos
exilados, uma viagem para o México a bordo do transatlântico
holandês Veendam. Pesquisas de estudiosos como Antonio Plaza (2011),
apontam que um dos fatores mais importantes para o sucesso desta viagem
foi a disponibilidade financeira do governo mexicano- que através de
sua representação em Paris- assumiu todo custo da operação de traslado. O
pintor Fernando Gamboa e o embaixador do México em Paris, Narciso
Bassols, foram fundamentais na organização dessa expedição, que
conduziu um seleto grupo de intelectuais, escritores e pintores de grande
prestígio rumo ao México. O historiador Antonio Plaza (2011) cita uma longa
lista de espanhóis refugiados no México que saíram da França
no Veendam com destino a Nova York (maio de 1939),
entre eles, José Bergamín Gutiérrez, Ramón Puyol Carnés, Luisa Carnés
Caballero. A acolhida do governo mexicano aos republicanos espanhóis serviu de
contrapeso para opinião pública. Porém, a generosa guarida do México a estes
intelectuais, despertou a revolta dos setores conservadores, da imprensa
mexicana e dos antigos emigrantes espanhóis do final do século XIX - los
gachupines, alinhados politicamente com o governo franquista espanhol. Tais
medidas repercutiram como um reforço as posições governamentais do governo
nacionalista de Cárdenas. As histórias vividas no Veendam representam
um fragmento do esforço coletivo que salvaguardou uma parcela da elite cultural
espanhola.
IIB.2 O murmúrio do mundo de
Almeida Faria - a revisitação de uma Índia nunca conhecida
Gabriela Silva, srtagabi@gmail.com
Eduardo Lourenço sobre O
murmúrio do mundo de Almeida Faria comenta que é uma viagem-diário com dois
textos: o que retrata a Índia de hoje, mostrando o que nela é tão fascinante e
um segundo momento em que existe um antigo encontro com o Outro, no momento de
sua invenção pelos portugueses. Recorrente tema da literatura portuguesa, as
navegações desde Camões, habitam o imaginário luso. Da mesma forma que Fernando
Pessoa ou o moderno Gonçalo M. Tavares, Almeida Faria toma como motivo a Índia
e constrói uma viagem que é peregrinação, momento em que procura conhecer o
outro diferente dele mesmo - o europeu. Ao viajar por Goa e Cochim o autor
evoca a história da própria geografia local e a relação com Portugal e a
dominação religiosa. Publicado em 2012, o texto de Almeida Faria conjuga os
relatos de cronistas portugueses da época das navegações e textos de filósofos
e escritores de diferentes momentos da contemporaneidade, como também alguns
heterônimos pessoanos. Viagem composta de outras viagens, O murmúrio do mundo é
um resgate da memória colonizadora portuguesa agora desvencilhada do peso da
história e disposta a ver e ouvir o mundo, que outrora constituía um desejo de
dominação incansável. Toda a riqueza de uma Índia idealizada, sonhada em sua
riqueza cultural e mítica agora percebida pelos sentidos de um viajante livre,
mas consciente de seu lugar histórico, ainda de acordo com Eduardo Lourenço,
Almeida Faria visita essa mesmo espaço, consciente de que já o conhece, sem lá
ter ido, na legitimação da herança imperial da viagem de Vasco da Gama. A carta
do mundo, de que nos fala o mesmo Eduardo Lourenço em A nau de Ícaro,
pensada pelos portugueses como mapeadora do português como língua, cultura e
ficção, agora é construída de uma outra maneira: pela temporalidade que trouxe
ao homem português contemporâneo a capacidade de visualizar a Índia fora dos
seus domínios ancestrais. Este trabalho propõe uma leitura da obra de Almeida
Faria, refletindo sobre a idealização histórica da Índia colonial portuguesa e
a Índia visitada e descrita por um português contemporâneo.
IIB.3 Deslocamentos na
narrativa brasileira contemporânea: um recorte do romance Algum lugar,
de Paloma Vidal"
Rafael Ferreira, raffael_05@yahoo.com.br
Definir o modo de vida na contemporaneidade
é um problema sobre o qual estudiosos têm se debruçado há décadas. A resposta a
esse questionamento é complexa e remonta a transformações ocorridas no âmago da
sociedade, sobretudo a partir das experiências turbulentas vividas no século XX.
No entanto, é possível afirmar que uma das marcas da contemporaneidade reside
nos deslocamentos populacionais e nas políticas migratórias que caracterizaram
o momento histórico recente. Dessa maneira, as narrativas literárias, enquanto
manifestações de pensamento de vanguarda, capazes de apreender as mutações
pelas quais a sociedade se molda ao longo do tempo, refletem os efeitos dessa
nova demanda. Tais obras colocam no centro do debate questões que dizem
respeito a noções como identidade, alteridade, migração, exílio, diáspora,
dentre outros aspectos. Na Literatura Brasileira, em particular, dentre os
inúmeros assuntos tematizados, figura-se um que está associado aos
deslocamentos, compulsórios ou não, de indivíduos ou grupos de indivíduos que
migram de suas pátrias em direção a outros países. O presente
estudo dedica-se ao romance Algum lugar, de Paloma Vidal,
publicado em 2009. A narrativa é fruto da vivência da escritora na cidade de
Los Angeles, Estados Unidos, durante o período em que realizou parte da
pesquisa de sua tese de doutorado, sendo escrito concomitantemente à elaboração
da sua tese. Como reflexo da experiência de Paloma Vidal, o romance narra a
história de uma personagem feminina que se muda temporariamente do Rio de
Janeiro para Los Angeles, com a finalidade de continuar a pesquisa de sua tese
de doutorado. Na cidade americana, ela divide o tempo entre os estudos, as
aulas de espanhol que ministra, o convívio com alguns poucos amigos e a vida a
dois com o namorado em um pequeno apartamento alugado. No entanto, sob o
aspecto pragmático de suas vivências, subjaz a busca por um estado anterior
perdido, a tentativa de conciliação do ser com espaços e tempos múltiplos e a
compreensão de uma identidade marcada pelo deslocamento. Nessa esteira, os
estudos de teóricos como Edward Said (2003), Eric Hobsbawm (2010), Homi Bhabha
(2013), Stuart Hall (2002, 2006), Zygmunt Bauman (2001), dentre outros, servem
de suporte para a reflexão crítica aqui apresentada.
IIB.4 Dora Maar e o espaço
picasseano: algumas notas sobre La mujer que llora, de Zoé Valdés
Amanda da Silva Oliveira, amanda.oliveira.002@acad.pucrs.br
A obra La mujer que llora mescla
a figura de Dora Maar, e sua complexa relação amorosa com Pablo Picasso, na
Paris boêmia dos anos 30, com uma metanarrativa do processo criativo da autora,
Zoé Valdés. A possibilidade de um fim de semana com um possível novo amor em
Veneza faz com que Dora Maar estabeleça, sob a voz narrativa de Zoé Valdés, um
ponto de inflexão sobre sua vida amorosa, suas memórias ao lado del
gran gênio e a decisão de, após a morte del maestro,
clausurar-se. Amante, musa e vítima de Pablo Picasso, Dora Maar empreende uma
viagem ao lado de Bernard Minoret e James Lord a Veneza, e é essa viagem a
última que faz na vida, e “a partir de ahí, del viaje, Dora decidió romper com
todo, se encerro en su casa de la rue de Savoie y apenas salía de allí,
exclusivamente para assistir a missa” (VALDÉS, 2013). Ao completar 40 anos da
morte de Picasso, Zoé Valdés tem o projeto de construção da narrativa da vida
da mais famosa das amantes do pintor, que fez tudo por amor, amor este levado
ao limite da castidade, após a viuvez. Divididos em quatro partes, o romance
vai mesclando as vozes da autora, em encontros com amigos de Dora, pesquisas e
passeios por Paris para a construção da história. Nas quatro partes do livro,
“Los ardientes pensamientos”, “Todo lo que quise llorar, lo he escrito”,
“Extracto de todos esos silêncios” e “La última palabra y el último rezo”, há
capítulos em que permeiam os nomes da protagonista Dora, com os viajantes
amigos James e Bernard, que estariam falando sobre o fim de semana em Veneza, e
a autora, Zoé Valdés, que, junto à viagem narrada por eles, constrói sua Dora
Maar e a si própria, como cubana exilada em Paris. A proposta deste trabalho é
analisar a obra, construída através das impressões da autora Zoé Valdes, nos
espaços narrativos e reais, evidenciando-os como provas da construção do
sujeito frente às adversidades de deslocamentos de si, do eu, do outro, nos
lugares em que se constituem como seres e agentes sociais, emocionais e
narrativos
IIB.5 A viagem de Shadow: deuses
americanos e a (des)arqueologia do sujeito
Ilse Maria da Rosa Vivian e
Guilherme Buzatto, ilsevivian@hotmail.com e guibuzatto@gmail.com
Deuses americanos ou, originalmente, American
Gods, é um romance de Neil Gaiman, autor britânico, reconhecido
mundialmente pela autoria de HQs e de roteiros para o cinema e para a
televisão. Dentre outras produções, Gaiman escreveu o roteiro de dois episódios
da série Doctor Who: "The Doctor's Wife" foi transmitido
em 2011 durante a sexta temporada da série, e "Nightmare in Silver"
foi transmitido em 2013 na sétima temporada. “The Doctor's Wife" rendeu ao
autor um prêmio na categoria de Melhor Apresentação Dramática (modalidade
Curta). Autor do famoso Sandman, que consiste numa série de HQs que
tem como protagonista a personificação do Sonho ou de Morpheus, Gaiman é
produtor de obras que transitam pelas vertentes da mitologia antiga e moderna.
Trata-se, portanto, de um artista que apresenta o hibridismo como peculiaridade
da linguagem. É o caso de Deuses Americanos, cuja saga é vivida
pelo misterioso e emblemático protagonista Shadow, um ex-condenado, recém
liberto da prisão. Sem noção de sua real identidade, inicia uma série de
viagens pelas diversas paisagens americanas, cuja motivação é a busca por
aliados para uma guerra que está prestes a acontecer entre deuses antigos e
modernos. Ao viver a desventura do mundo moderno, sem muitas opções para viver,
Shadow vai se tornando uma figura complexa: em devir, busca
compor-se em meio às fatalidades dos embates de forças opostas, as quais
representam o antigo e o novo, o espiritual e o mundano, a sacralidade e a
tecnologia. Esses elementos são pano de fundo dos eventos que norteiam (ou que
desnorteiam) a narrativa. O choque entre opostos atinge o ápice com o
nascimento da pós-modernidade. As relações entre o “eu” e o “outro”, a
representação e o comportamento das divindades compõem a imagem do “si mesmo”
percebida por Shadow. Sob essa perspectiva, American Gods versa
sobre o trânsito em que se encontra o sujeito que busca reconhecer, mais do que
a si próprio, os sentidos da existência e a natureza da realidade que contempla
da margem. Objetiva-se, a partir da análise da narrativa, verificar a imagem do
homem que se compõe pelo panorama simbólico dos entre-lugares que temporalizam
a personagem, os quais, ao confrontar passado e futuro, possibilitam repensar a
(des)arqueologia do sujeito. Como aparato teórico, são chamadas ao texto as
teorias de Gaston Bachelard, Paul Ricoeur, Gilbert Durand, Maurice Blanchot,
Gilles Deleuze, Edward Said e Beatriz Sarlo.
III. 10 de
outubro, das 10h às 11h30min — LOCAL: SALA 120 DO PPG
III.1 Mulheres migrantes nas
obras de Najat El Hachmi e Chimamanda Ngozi Adichie
Luciane da Silva Alves, lucianesalves@gmail.com
Este trabalho procura analisar
como é representada e construída a identidade das personagens mulheres
migrantes nas obras de Chimamanda Adichie e Najat El Hachmi.
Pretendo mostrar neste estudo, que na escrita destas autoras, o deslocamento
leva as protagonistas ao encontro de novos espaços de fala e
(auto)representação que ocasionam uma ruptura dos papéis de gênero
tradicionais, simbolizados pelas figuras maternas. Em um confronto
com as histórias criadas sobre si mesmas pela cultura dominante, as mulheres
estrangeiras procuram tecer a narrativa a partir de sua perspectiva, para além
da incompletude dos estereótipos e do que Chimamanda Adischie chama de
“história única”. O contato com o “outro” é elemento fundamental para a
construção da própria identidade visto que esta se dá pela diferença. A mulher
estrangeira ou migrante representa duplamente a busca pelo “eu”, considerando
que dentro de seu espaço de origem está subjugada à cultura do homem. Na
formação identitária do feminino há quase sempre uma margem, uma fronteira a
ser cruzada na busca de ser e pertencer a uma cultura que muitas vezes relega
um lugar periférico à mulher. Ao analisarmos a migração de mulheres, é
necessário considerar este primeiro nível, a primeira força migratória que
parte do lugar marcado pelo gênero. Além disso, no caso das narrativas citadas,
há a questão do racismo, que coloca as mulheres negras e pardas em nível ainda
mais marginalizado que o ocupado por mulheres brancas. Ao procurar afirmar-se e
entender sua diferença de modo positivo e libertador, ocorre uma ruptura
permanente para estas personagens. Somando-se a isso o fato de analisarmos
personagens mulheres, que assim com as autoras, são originadas de países
africanos, é possível perceber de forma mais ampla a complexidade dos padrões
de pertencimento e representação, passando-se a níveis mais profundos do que é
ser “outro”. Por fim, a escolhas de autoras e personagens mulheres e
migrantes de origem africana, procura reafirmar a ideia da Literatura Comparada
como lugar de revisão dos modelos canônicos tradicionais e ampliação do espaço
de representação cultural e de fala nos estudos literários.
III.2 Das perdas, partidas e
refúgios (im)possíveis: algumas notas sobre o exílio no romance Mar
Azul, de Paloma Vidal
Cristiane da Silva Alves, cristianesalves@gmail.com
Desde os tempos mais remotos, o
ser humano se desloca, viaja, transita por diferentes espaços e por motivações
diversas. O deslocamento, porém, nem sempre é resultado da vontade pessoal, de
um ato voluntário. Por precariedade, medo ou imposição de regimes autoritários,
muitos indivíduos são obrigados deixar o seu país e seguir em direção a outras
terras. No contexto latino-americano, em razão das ditaduras implantadas,
intensificaram-se, nas décadas de 1960 e 1970, as viagens forçadas, as
expulsões, fugas, e autoexílios. No Brasil e na Argentina, como em outros
países do cone sul, um expressivo número de pessoas teve de abandonar seu país
e buscar abrigo em outras partes do mundo, em uma tentativa de escapar da
repressão e da violência. Essa partida forçada, não raro indesejada, deixou
incontáveis fraturas e marcas que atravessaram os anos e seguem ecoando na
memória daqueles que direta ou indiretamente foram afetados. No caso de Paloma
Vidal, professora e escritora nascida em Buenos Aires, em 1975, a experiência
do deslocamento se deu muito cedo. Com apenas dois anos de idade, juntamente
com a família, ela mudou-se para o Brasil. Desde então, já vivenciou outros
trânsitos – foi criada no Rio de Janeiro, fez parte de sua pesquisa de
doutorado em Los Angeles e atualmente mora em São Paulo – que, de algum modo,
irrompem em sua escrita. Em seu romance Mar Azul (Rocco,
2011), com efeito, a autora empresta a voz a uma narradora-protagonista não
nomeada que, quando jovem, em razão do regime ditatorial instaurado na Argentina,
teve de partir para o Brasil, lugar em que envelheceu e de onde narra. O que se
propõe neste estudo é refletir acerca do exílio e dos seus desdobramentos na
história da protagonista de Mar Azul, bem como investigar em que
medida a memória, o trauma e o silenciamento decorrentes do contexto ditatorial
atravessam o discurso literário. Busca-se, igualmente, analisar se e como seu
relato se conecta com o processo histórico-social dos países latino-americanos,
em especial do Brasil e da Argentina.
III.3 Os percalços da
movência: a família errante de A vendedora de fósforos, de
Adriana Lunardi
Jéssica Fraga da Costa, jessica.fraga@ufrgs.br
O presente trabalho tem por
objetivo realizar uma análise do romance A vendedora de fósforos publicado em
2011, pela escritora catarinense, Adriana Lunardi. Visa-se destacar os
processos migratórios pelos quais as personagens passam ao longo da narrativa,
procurando entender o que leva a família Dos Anjos a não encontrar um lugar
fixo. A história gira em torno de uma família errante, pessoas que migram de um
lugar a outro sem se fixar em parte alguma. Um pai, uma mãe, duas filhas e um
filho são as personagens que circulam nesse emaranhado permeado pelas memórias
de duas meninas que de tão próximas, fundem-se em um mesmo relato, por vezes,
difícil de diferenciar de quem é a voz que se enuncia. Durante o desenrolar da
trama, há uma confusão entre o eu e o outro, não há como saber qual das duas
irmãs é a narradora ou a protagonista da história. Elas se misturam e se
confundem, sendo praticamente uma só. Estas pessoas não são nomeadas, cada um é
identificado ao longo do romance pelo posto ocupado dentro da família. Cabe ressaltar que essa movência causava um
certo estranhamento aos membros desta família. Sentiam-se estranhos e assim
eram vistos pelos que os rodeavam. Porém, não possuíam qualquer possibilidade
de estabilidade ou de permanência. Por mais que em determinados locais criassem
certos laços afetivos com algumas coisas ou pessoas, estes não eram sólidos o
suficiente para serem mantidos, logo partiam rumo a um novo lugar e uma nova
morada. Por fim, pretende-se ainda analisar cada uma das personagens da
narrativa, buscando observar a forma de abrigo ou de fuga que elas ambicionam,
seja pela palavra, ou pelo silêncio.
III.4 Silêncios em movimento:
pequena leitura de Um, dois e já, de Inés Bortagaray
Camila Rodrigues Boff, camila.rboff@hotmail.com
Um carro em movimento. Os postes
passam, a paisagem é sempre movente. Dentro desse espaço-tempo fluido e
quase-silêncio, seis pessoas viajam: um casal e seus quatro filhos, todos indo
para o litoral de um país que apenas se insinua nas entrelinhas da narrativa.
Há muito apenas sussurrado na pequena novela da escritora uruguaia Inés
Bortagaray. Lançado em 2010 (no Brasil apenas em 2014), a história é narrada
por uma das filhas do meio, que permeia o presente com suas memórias e com as
brincadeiras que fazem na tentativa de que o tempo se dissolva. As crianças
sentadas no banco de trás revezam o lugar às janelas a cada 200km, repartindo
entre si o local privilegiado, que dá ao olhar infantil a paisagem de um pampa
imaginado pelo leitor, povoado por vacas e postes que correm à percepção
curiosa e voraz dos pequenos viajantes. Tudo é pequeno e sensível na trama de
Bortogaray: diversos pontos da narrativa se colocam em entrelinhas que precisam
ser acolhidas em seus detalhes. O detalhe é quase tudo em Um, dois e já,
talvez uma marca do olhar da criança que desvela aspectos incomuns da vida, que
desacostuma o olhar já automatizado do adulto. Nesse sentido, elementos
culturais, como o mate, ou os índices do contexto histórico, como a ditadura e
a Guerra das Malvinas, pairam e correm pela novela como acidentes, um resquício
que cai e é recolhido pela pequena narradora, oferecidos a quem quiser
partilhar do silêncio que habita essa cápsula de aço e movimento, espaço-tempo
que se move até chegar a um local que a narrativa nunca alcança. Qual é o
sentido dessa viagem? É apenas o trajeto feito até a praia em período de
férias? Ou o silêncio e os detalhes querem dizer muito mais dessa movência do
que ela quer se mostrar? Desta forma, proponho uma pequena leitura, acompanhando
o silêncio em movimento, para entender essa viagem pelas paragens do sul, tendo
como objetivo analisar o deslocamento, a memória e o silêncio, percebendo como
seu funcionamento constrói e tece a pequena narrativa.
III.5 “Em algum lugar, um riacho rumorejava” — Vidas em
tempos líquidos: uma análise dos personagens de Fama, de Daniel Kehlmann
e Mãos de Cavalo, de Daniel Galera
Carla Klos Schöninger, carla.luciane@yahoo.com.br
O texto consiste em uma análise dos personagens
das obras literárias: Fama, de Daniel Kehlmann (2011) e Mãos de Cavalo, de
Daniel Galera (2006). Ambas são obras contemporâneas que abordam o contexto
atual, em que as ações dos personagens refletem da condição em que vivem; os
quais, na fluidez de suas vidas são levados pelas correntes. Esse cenário é
tratado pelo sociólogo Bauman como contexto líquido. Contexto este, em que as
ações do indivíduo fluem com dinamicidade, percorrem, escoam, drenam, filtram,
respingam. A fluidez exige adaptações e mudanças em um curto espaço temporal. O
teórico Giddens oferece diferentes leituras no que se refere ao contexto
contemporâneo e às cidades, marcando a ideia de necessidade de adaptação.
Portanto, através dos personagens exemplificou-se a necessidade de se assumir
diferentes identidades, a efemeridade do sucesso, os benefícios e malefícios
das tecnologias e a fragilidade das relações humanas.
IVA. 10 de
outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA 120 DO PPG
IVA.1 Duas jornadas e dois
destinos: a trajetória dos personagens náufragos nas novelas Amy Foster
e Ladies in Lavender
Fernanda de Mello Veeck, fernandamellvee@gmail.com
Jean Chevalier e Alain
Gheerbrant, em seu Dicionário dos Símbolos, afirmam que o mar
simboliza o movimento dinâmico da vida, sendo assim, a turbulência das águas
representa a transitoriedade entre as possibilidades ainda abstratas e a
concretude da realidade, o que se configura em uma dualidade de perspectivas,
resultando na configuração do mar como um espaço de vida e de morte. Essa
ambivalência de possibilidades é o que encontramos no destino dos personagens
náufragos em duas novelas da literatura britânica, Amy Foster (1901),
de Joseph Conrad e Ladies in Lavender (1908), de William John
Locke. O livro As fadas no divã (2006) de Diana e Mário
Corso, apresenta algumas características comuns aos contos de fadas que se
relacionam com a definição de Vladimir Propp em sua obra Morfologia do
Conto Maravilhoso. De acordo com Propp, os contos de fadas não
precisam apresentar fadas tampouco outros seres míticos, e sim, deve conter
algum elemento extraordinário. Ladies in lavender, novela
publicada pela primeira vez na antologia Far-Away Stories(1916), de
William John Locke, está repleta dos elementos mencionados por
Diana e Mário Corso. O extraordinário encontra-se em todos os momentos, do
início ao final da narrativa. Em sua obra Estrangeiros para nós mesmos, a
filósofa e escritora búlgara Julia Kristeva discorre sobre as razões de um
indivíduo não pertencente ao meio em que decide viver causar tanto estranhamento
entre os habitantes nativos do local escolhido. Kristeva afirma que o
discernimento dos traços do estrangeiro ao mesmo tempo o aproxima e afasta dos
outros, porque o estrangeiro não é alguém comum. Kristeva conclui que é a
banalidade que constitui a identidade entre um determinado povo. Kristeva
revela que o estrangeiro sofre de uma profunda solidão, pois não encontra
correspondência quando deseja estabelecer qualquer vínculo de amizade, pois
devido ao estranhamento que provoca nos demais, tanto sua identidade quanto a
expressão de seu pensamento acabam sendo desconsideradas. O presente estudo tem
como objetivo analisar a trajetória desses dois personagens náufragos que
apresentam diversos pontos de intersecção, todavia são lançados a destinos absolutamente
diferentes em terra firme.
IVA.2 A viagem como trajetória
frustrada para a redenção
Rosita Maria Schmitz, rositams@hotmail.com
Para o autor suíço Christian
Kracht, as viagens representam um objetivo em si mesmo, um prazeroso construir
de seu próprio mundo, servindo, simultaneamente, como suporte para sua produção
literária. Como o próprio autor, os heróis dos livros de Kracht, frequentemente,
aparecem em viagens, sempre em fuga de alguma coisa, em fuga de si mesmos, em
busca de autoconhecimento e de lugares agradáveis mundo afora. São figuras à
procura da felicidade, que sempre se mostra efêmera, jogando-os de volta à
realidade. Em seus romances, o autor desenha cenários sombrios de totalitarismo
e decadência, em um jogo que oscila entre desilusão e recomeços. Se nos
romances Faserland, 1979 e Eu estarei aqui no sol e na sombra,
os narradores em primeira pessoa se movem em direção a sua derrocada, Imperium
narra, não o desaparecimento de um personagem, que se perde nas suas utopias,
mas de um império destruído pela guerra. Em Faserland, a viagem do norte
da Alemanha até a Suíça é a busca de uma saída para o vazio em que o narrador
se encontra. 1979 é um romance que conta o destino de um dândi
ocidental, que viaja para Teerã no final do regime do Xá, e entra em choque com
uma sociedade que ainda procura disfarçar seu declínio atrás de palácios, do
consumo de drogas e de festas, sendo derrotada violentamente. Eu estarei
aqui no sol e na sombra é mais um romance de viagem, ambientado na Suíça e
na África, que narra a história de um século caracterizado por violência,
guerra e destruição. No romance Imperium, o protagonista embarca, no início
do século XX, para o Protetorado de Nova Guiné Alemã, para fugir das limitações
de sua vida na Alemanha. Entretanto, lá ele adoece e seu corpo se degenera
progressivamente, acompanhando a vida morbidamente decadente da capital do
Protetorado, na qual o tédio é enfrentado com frivolidades e bebida alcoólica.
Portanto, constatamos que a temática da viagem é um elemento central na obra de
Christian Kracht, que serve de suporte para suas narrativas, acompanha a
trajetória dos heróis, que, em busca de redenção, enfrentam o desconhecido e
acabam sucumbindo. Nesse sentido, as viagens transmitem, sob uma superfície
festiva, invariavelmente, uma mensagem do fim das utopias.
IVA.3 A representação dos
refugiados em duas obras contemporâneas de língua alemã
Monique Cunha de Araújo, mcunhadearaujo@gmail.com
Este trabalho traz um estudo
comparativo entre os personagens refugiados, representados nos livros Gehen,
ging, gegangen (2015), de Jenny Erpenbeck, e Ohrfeige (2016),
de Abbas Khider. Nesses livros, os refugiados são representados de diferentes
formas. No primeiro, eles são vistos como os não-colonizados. Em Ohrfeige,
eles sofrem com o desterro e o choque cultural, assim como sugere a tradução do
título: tapa na orelha, ou como o nosso tapa na cara. Em Gehen, ging,
gegangen, o título indica a forma de estudar os verbos na língua alemã:
infinitivo, pretérito e uma espécie de particípio do verbo “ir”, formas que
também podem representar o movimento da fuga. Nos anos 2000, fugindo do governo
ditatorial de Sadam Hussein, o escritor iraquiano Abbas Khider passou duros
momentos na estranha Alemanha: primeiro, a pilha de formulários para o asilo;
depois, a língua; mais tarde, insultos e xingamentos pós - 11 de setembro.
Depois de haver conseguido o asilo definitivo no país, Khider estudou
literatura e filosofia e tornou-se escritor. Escreve em língua alemã. Por muito
tempo foi considerado um escritor de apenas uma categoria, a da Migrationsliteratur, mas
nos tempos atuais é considerado o porta-voz de uma “nova literatura mundial”.
Em Gehen, ging, gegangen, escrito pela alemã nascida na antiga
Alemanha oriental Jenny Erpenbeck, as concepções positivas, a chamada Willkommenskultur,
a cultura do “seja bem-vindo” traduz um sentimento de pacificidade e
acolhimento. O caráter afetuoso e aberto da comunidade alemã com os refugiados
africanos, de certo modo, beira ao ridículo. O livro sugere um caminho possível
para a crise: a acolhida pacífica e o apoio mútuo. O livro de Khider, entretanto,
evidencia o contrário. Os escritos desses autores são marcados pelo sentimento
de desterro e procura de um lar (à luz dos conceitos de Heimat e Fremde),
assim como também são permeados de vieses autobiográficos.
IVA.4 Paródia e contra-epopeia em As naus, de António Lobo Antunes
Camila Stefanello, stefanello.camila@gmail.com
Em As naus, publicado
em 1988, o escritor português António Lobo Antunes apresenta uma versão literária
de tom assumidamente parodístico do retorno a Portugal de importantes figuras
históricas do período das grandes navegações e dos “descobrimentos” de novas
terras. No romance antuniano, nomes como Luís Vaz de Camões, Pedro Álvares
Cabral, Diogo Cão, Vasco da Gama, Francisco Xavier, Fernão Mendes Pinto e
Manuel de Sousa Sepúlveda regressam de África, colônia portuguesa, nas
caravelas, mas não em seu tempo histórico, século XVI, e sim no século XX no
período da Revolução de Abril. Desse modo, na narrativa são apresentadas várias
referências a eventos e elementos dos planos temporal e espacial históricos do
século XVI que se hibridizam simultaneamente com a temporalização e a
espacialização de Portugal do século XX. Além disso, contrapõem-se, nesse romance,
a herança de uma História oficial encontrada nos textos historiográficos e
alimentada ideologicamente por textos literários, sobretudo no período da
ditatura salazarista, à experiência subjetiva vivida ficcionalmente pelas
personagens retornadas. As naus assume, então, um discurso
intensamente dessacralizador, satírico, parodístico e anti-épico ao revisitar e
reelaborar através da ficção acontecimentos e textos, literários e históricos,
fundadores da História, do imaginário e da cultura portugueses. O romance de
António Lobo Antunes também se aproxima de uma temática pós-colonialista, ao
perspectivar por meio da imagem do regresso dessas figuras míticas uma metáfora
dos retornados que combateram na guerra colonial em solo africano. Nesse
sentido, essa comunicação tem por objetivo analisar o caráter parodístico e
anti-épico em As naus, de modo a compreender como o
diálogo “às avessas” que o romance antuniano estabelece com acontecimentos,
figuras míticas e textos canônicos – os quais, ainda na contemporaneidade,
fomentavam o imaginário imperialista português – promove, conforme a série de
textos ficcionais publicados posteriormente à Revolução de Abril de 74, outros
discursos sobre a História oficial portuguesa, desde os períodos mais remotos
até os mais recentes.
IVB. 10 de
outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: AUDITÓRIO LUFT
IVB.1 Os espaços movediços na
narrativa de Carolina Maria de Jesus
Janaína da Silva Sá, janaina.sa@jc.iffarroupilha.edu.br
A cultura contemporânea recuperou
a figura do passageiro, do caminheiro, do passeador, do errante, reinventando a
ideia de localização e deslocamento. Para Paul Ricoeur (2007), entre as
alternâncias de repouso e movimento, está instituído o ato de habitar, o fato
de um corpo estar compreendido entre um aqui e um acolá. Diante dessa
compreensão, acredito que a construção do universo narrado da escritora mineira
Carolina Maria de Jesus concretiza-se por essa procura incessante pelo ato de
habitar, que se manifesta por meio dos constantes agenciamentos que a narradora
irá empreender pelos caminhos por onde circula. No discurso de Carolina Maria
de Jesus existe uma inquietante busca por esse lugar que a todo o momento lhe
escapa, há o sentimento assombroso de um indivíduo que busca agenciamento,
porém esse corpo não se congrega, não se incorpora, prevalecendo, ou estando
imposto a ele, o reinado do vazio. A figura do flâneur, celebrado como
uma representação simbólica da metrópole moderna consagrou-se quando Walter
Benjamin, no início do século passado, fez o uso do termo, pretendendo
ocupar-se dessa figura como a de um indivíduo que adquire experiência por
circular em um determinado território. Entretanto, esse “deslocar-se” configura
um andarilho peculiar, pois suas características esbarram no fato de ele
encontrar-se entre estranhos “na” multidão. Nas narrativas da escritora mineira
se observa que a experimentação da narradora diante dessa nova projeção da
cidade (contemporânea) não se equipara à do flâneur baudelairiano, pois se
observa a existência de indivíduo estranho “da” multidão, que a todo o momento
deseja agenciar-se como um indivíduo possível. Nos espaços por onde circula sua
identidade é moldada a partir dos momentos de interface que vai colhendo aqui e
acolá. Carolina escapa da compreensão do flâneur, pois não vai ao
passeio a fim de obter prazer com as possíveis trocas de experiências. Sua
investida pela cidade é composta por um itinerário agressivo, onde quem comanda
é a busca pela sobrevivência. Ser errante, nômade, passageiro, caminheiro,
transeunte serão possíveis nomenclaturas para designar esse percurso insólito
de quem ousa a narrar as adversidades de um mundo contemporâneo hostil.
IVB.2 Poéticas e
deslocamentos: a viagem na arte de Paulo Nazareth
Mari Lúcie da Silva Loreto, mari_lucie@yahoo.com
O estudo busca investigar
poéticas e deslocamentos vinculados à vivência do trânsito e mobilidade nas
experiências artísticas contemporâneas a partir do estudo da obra de Paulo
Nazareth. A individualidade do processo do artista e o uso dos meios criativos
perpassam e transbordam os limites da arte evidenciando o entrelaçamento da
arte, viagem e vida. As possíveis alterações e ampliações no campo da arte
conferem em Paulo Nazareth uma marca na diáspora artística de sua geração por
meio das exposições e produções com residências na volta ao mundo, ou em suas
próprias potencialidades. O lugar da arte se desloca no campo previamente
institucionalizado e incorpora uma dinâmica com facetas as mais
sugestivas. A proposta articula a reflexão dos conceitos que possam
dar conta dessa realidade tanto naquilo que lhe é específico quanto nos seus
deslocamentos, movimentos e margens. Como um artista viajante, Paulo Nazareth
percorre territórios caminhando longos percursos. Os encontros, acasos e
experiências consolidam as performances do artista. A fotografia e o desenho
são usados para o registro de suas andanças pelo mundo. Nesse sentido, o
trabalho aborda a obra de Paulo Nazareth que privilegia a inserção do
cotidiano, do lugar comum, do encontro, dos lugares de passagem, da aventura e
da reflexibilidade de tais realidades, assim como as interpenetrações desses
espaços estéticos e éticos. Caminhos incertos, multiplicidade de possibilidades
é o que o artista encontra na vida errante. Uma vida que proporciona um
encantamento pessoal e um reencantamento do mundo. Os deslocamentos de
fronteiras, a busca da identidade e transgressão, visíveis na obra de Nazareth,
dinamizam o campo da arte, instaurando a relação com a vida.
IVB.3 As palavras em estado de
rebeldia
Lucas Antônio de Carvalho Cyrino,
laccyrino@gmail.com
Os rumores em torno da possível
passagem de Che Guevara pelo Brasil em 1966, pouco antes de seguir para a
Bolívia, onde seria morto em outubro de 1967, alimentam teorias conspiratórias,
contos e anedotas de toda sorte. Valendo-se de uma delas, o romance mais
recente e Miguel Sanches Neto, A Bíblia do Che (Cia. das Letras,
2016), parte da premissa de que o guerrilheiro teria passado por Curitiba e,
disfarçado de padre, teria carregado consigo uma bíblia em português, na qual
teria feito anotações pessoais no estudo ontológico sobre a figura de Jesus
Cristo: Che veria nele um guerrilheiro exemplar, um exemplo a ser seguido.
Passados cinquenta anos, a bíblia desperta a curiosidade de indivíduos do
primeiro escalão político nacional, colecionadores secretos de relíquias do
tempo em que estiveram na guerrilha. A busca pela bíblia passa a envolver o
professor Carlos Eduardo Pessoa, narrador-protagonista do romance (e também de
outra obra do autor, A primeira mulher, de 2008), com Celina,
ex-mulher de um pivô de escândalos de corrupção no país, que juntos reviram
Curitiba em busca de sinais do objeto deixado por Che. Se em terras brasileiras
a busca adquire tom de peregrinação, é vendo Che Guevara como um “guerrilheiro
exemplar” que Celina revela verdadeira obstinação pelo objeto procurado e
decide seguir os passos de Che pela Bolívia, rebelando-se inclusive em relação
ao envolvimento amoroso que desenvolve, nesse meio tempo, com Carlos Eduardo.
No redemoinho de sentimentos e ações que caracteriza a busca alucinante pela
bíblia, desponta, em cada personagem, a procura de um refúgio para si: ela, no
ideal de liberdade e igualdade que via no ídolo guerrilheiro; ele, na busca da
mulher amada, que lhe envolve em uma paixão tragicamente juvenil. Às margens
dessa peregrinação – física e psicológica, ora na busca pela Bíblia, ora na busca
de si – se posiciona a conjuntura política nacional, tão bem orquestrada por
Sanches Neto neste romance que, ao tratar de uma figura mitológica como Che
Guevara, vai além da rebeldia quase juvenil em favor da busca pela Bíblia para
colocar, na narrativa, as próprias palavras em estado de rebeldia, sensíveis à
leitura (e à inferência) na voz e na ação de cada personagem. Este trabalho
buscará, portanto, reconhecer, nos trajetos depreendidos por Carlos Eduardo e
Celina, os pontos em que suas rebeldias se cruzam, mediadas por Che Guevara,
pela América Latina e por um Brasil imerso em corrupção.
IVB.4 Naufrágio e refluxo do
nazismo em Passo de caranguejo
Gabriel Felipe Pautz Munsberg, gabriel_munsberg@yahoo.de
Nesta comunicação, pretende-se
analisar a recuperação e análise de memórias, considerando a escrita de
acontecimentos traumáticos a partir da novela Passo de caranguejo [Im
Krebsgang (2002)], de Günter Grass. O escritor alemão atualiza também
a discussão sobre a submersa permanência dos ideias nacional-socialistas e
antissemitas na Alemanha pós-guerra, as quais acabam emergindo em gerações
vindouras, uma vez que “a rememoração, que ocorre no plano individual, através
de critérios diversos seleciona, organiza e sistematiza lembranças daquilo que
foi vivenciado” (Umbach, 2010, p. 110). A partir desta ideia, passamos a
imaginar uma concepção da escrita contemporânea tal qual uma atividade de
representar um momento concomitante à sua execução, porém que dele se desprende
por não encontrar local para sua identificação e adaptação. Tal revisitação
implica numa reavaliação dos acontecimentos, colocando-os em dúvida e
realizando novos debates quanto à História contada pelos vencedores. Sendo
assim, podemos tomar tal escrita como espaço de debate das ocorrências que
cercam os autores, de modo a levar em consideração variados pontos de vista. A
partir de rememorações de sua mãe acerca do naufrágio do navio de refugiados
alemães MV Wilhelm Gustloff ao final da Segunda Guerra
Mundial, o personagem-narrador Paul Pokriefke procura compreender como seu
filho acaba por ponderar a ideologia nazista. Para isso, o escritor lê e expõe
a história como um caranguejo, o qual parece andar de lado, mas que avança com
rapidez. A narrativa memorial de sua mãe, Ursula Pokriefke, pode
ser definida como “uma negociação entre uma certa representação do passado
e um horizonte de espera” (Candau, 2012, p. 89). Esta “certa representação do
passado” da personagem acaba por produzir um caudaloso território em que o
revisionismo do nazismo se coloca em atividade através do neto Konrad, de forma
que águas passadas retornam ao fluxo habitual da sociedade alemã, contrariando
a ideia de que o naufrágio do navio Wilhelm Gustloff havia
sepultado também as ideias do III Reich no fundo do Mar
Báltico.
IVB.5 (Des)territorialização e
narrativa autobiográfica: deslocamentos e ressignificação do passado na
obra Transplante de menina, de Tatiana Belinky
Simone Luciano Vargas, simonelvargas@gmail.com
V. 11 de
outubro, das 11h30min às 13h — LOCAL: SALA 120 DO PPG
V.1 Identidade porvir: a
viagem como construção do eu e do nós, em Maleita, de Lúcio Cardoso
Alberto dos Santos Paz Filho, luis.alberto@acad.pucrs.br
Lúcio Cardoso é um autor que
nunca passou despercebido pela crítica. Já em seu romance de estreia, Maleita,
publicado em 1934, notava-se uma linguagem simbólica complexa, além de certa
atração por temas obscuros. Sob essa perspectiva, este estudo almeja, por um
lado, resgatar a memória de Lúcio e de sua vasta produção artística, e por
outro, lançar um olhar em seu primeiro romance, visando à compreensão de alguns
elementos textuais que atravessam o conjunto de suas obras. Dessa forma, este
trabalho tem por objetivo analisar de que maneira o deslocamento espacial das
personagens representa, narrativamente, uma transformação tanto cultural, no
que diz respeito à cidade a ser descoberta e (re)construída, quanto pessoal,
visto que as personagens precisam adaptar-se a um novo e inóspito ambiente.
Aqui abre-se uma via de mão dupla: essa adaptação precisa ser feita tanto pelos
recém chegados a Pirapora (cidade onde é ambientado o romance) em relação ao
local pobre e “selvagem”, quanto pelos trabalhadores que lá habitam em relação
aos “estrangeiros”. Por isso, questiona-se: a viagem representada no romance
pode ser vista como uma forma de se alcançar um processo de desenvolvimento
mais pessoal? De acordo com Wellek e Warren (1955), a casa em que um homem vive
é um prolongamento deste. Descrevê-la é descrever o seu ocupante. Sendo assim,
penetrar naquela Pirapora que estava por emergir seria também adentrar nos
covis da alma daquelas personagens. Para efetuar a análise proposta, o estudo
será dividido em dois momentos: primeiro, será feita a análise do romance com
foco no desenvolvimento das personagens no tocante ao transcurso realizado por
elas como forma de migração e dominação - será examinado de que modo a
configuração do “progresso” tecnológico e o acesso ao conhecimento são
utilizados como meios de controle. É válido ressaltar o aspecto invasivo
a ser observado: os trabalhadores locais sentem-se ameaçados pela presença dos
recém chegados, deixando claro que, embora estejam dispostos a erguer Pirapora,
não se sentem confortáveis com a ideia de um “estrangeiro” assumindo o comando.
Para compreender esse movimento, pensa-se Clifford (2000), segundo o qual sem
dúvidas os povos sempre foram mais móveis e as culturas menos fixas do que as
abordagens clássicas e tipologizantes que a antropologia clássica sugere. Por
fim, será levantada uma breve fortuna crítica para examinar como o romance foi
lido e compreendido à época de seu lançamento, bem como ao longo do tempo, com
renovadas pesquisas.
V.2 Estética da viagem,
poética do perder-se: apontamentos sobre Lorde, de João Gilberto Noll
Tamara dos Santos, tamara.santos.001@acad.pucrs.br
A partir das reflexões de Michel
Onfray (2009) sobre o valor da viagem para a concepção da filosofia e também
para a concepção da poética, na qual o ato de viajar suscita uma “ética lúdica”
do viajante, que está em constante movimento durante suas idas e vindas, e
reforça o valor da individualidade do viajante, em contraponto com os valores
dos sedentários, que valorizam fixar raízes na cidade e manter a estabilidade
do todo da urbe. Entre nomadismo e sedentarismo, para Onfray, o perder-se
configura-se como uma forma de constante e dinâmica de constituição do sujeito.
Nesse sentido, a partir do enfoque sobre a viagem e da figura do viajante, que
seria alguém que recusa o tempo social comum dos espaços nômades, como a
cidade, e vive a partir de um tempo singular, do sujeito, que define suas
vontades e desejos, em constante movimento, pretendemos analisar a narrativa Lorde
(2004), de João Gilberto Noll, romance que serve como amostra significativa do
procedimento narrativo do autor, em que há uma “narrativa da sensação” e
pulsões que movem as dinâmicas dos personagens. O romance começa com o
personagem masculino sem nome, constante na narrativa do autor, no momento em
que ele acabou de chegar no aeroporto de Heathrow, em Londres, e como é
característico da narrativa de Noll, o personagem se perde e se desvia,
compondo a si mesmo nessa dinâmica do experiencial, ao mesmo tempo em que há um
constante contraponto entre ser um brasileiro que representa seu país em terra
estrangeira. O desenvolver da narrativa deixa resquícios e imprecisões, que
fazem parte da dinâmica ficcional proposta pelo autor, a partir das oscilações,
e em busca de realizar uma suposta missão, o narrador se desloca, ainda que não
saiba exatamente dizer do que se trata sua missão, que vai se esclarecendo no
tecer-se da narrativa. Assim, pretendemos escolher passagens significativas
deste livro para entender qual é o valor da viagem dentro do romance.
V.3 Viagens rosianas: uma
reflexão dialética sobre Grande Sertão: Veredas
Suellen Cordovil da Silva, sue_ellen11@yahoo.com.br
Compreendemos por meio do teórico
Antonio Candido (1973) que existe uma dualidade de pensamento representada na
obra rosiana, pois ao longo da obra estabelece-se condições antagônicas entre
os homens e instituições. Em Grande Sertão: Veredas (1956) observamos um
desencadeamento de uma diversidade de viagens, como, por exemplo a transposição
do Liso do Sussuarão; “Agora, o senhor saiba qual era esse o meu projeto: eu ia
traspassar o Liso do Suçuarão!”(ROSA, 1956, p. 492). Porém, notamos uma certa
problemática de dualidade nestas travessias de viagens dos personagens que
podemos verificar a condição de Reinaldo ou Diadorim, filha de Joca Ramiro e
sua a amizade ambígua de Riobaldo. Conforme no trecho: “Pois então: o meu nome,
verdadeiro, é Diadorim. Guarda êste meu segrêdo. Sempre, quando sozinhos a
gente estiver, é de Diadorim que você deve de me chamar, digo e peço, Riobaldo
[...]” (ROSA, 1956, p. 156). Essa amizade estabelecida entre Riobaldo e
Diadorim relembra o estado dual da personagem e sua condição de poder entre os
jagunços. Para Riobaldo, Diadorim é real versus irreal “Diadorim é a minha
neblina...” (ROSA, 1956, p. 26); santa versus demônio Diadorim vigiou aquelas
diferenças: ele temeu; temeu por minha salvação, a minha perdição. Ou foi que
minha Nossa Senhora da Abadia mandou que assim tivesse de ser?” (ROSA, 1956, p.
457) ou donzela versus guerreiro “O Reinaldo é valente como mais valente,
sertanejo supro. E danado jagunço...” (ROSA, 1956, p. 555). Esses trechos da
obra rosiana retomam problemática da travessia de entre-lugares na narrativa.
Diadorim era uma mulher, condicionada pela cultura jagunça no enredo, como um
homem, pois não poderia sobreviver entre eles se tivesse roupas ou
comportamentos femininos. Ela se comportava como um homem, mas ela tinha
algumas sensibilidades e características femininas apontadas sutilmente pelo
discurso de Riobaldo. Porém, ele não entendia como teria um desejo por um
jagunço no caso, Reinaldo e/ou Diadorim, juntamente, pelo contexto cultural
construído pela lei jagunçada. Com isso, Guimarães Rosa como viajante validado
por sua profissão de diplomata quebra os paradigmas que condicionavam somente
ao homem o poder e características masculinas estereotipadas.
V.4 Escravidão, migração e
trauma cultural em Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves
Vanessa Hack Gatteli, vanessagatteli@gmail.com
Este trabalho faz uma reflexão
inicial acerca do trauma cultural no romance Um defeito de cor (2006),
de Ana Maria Gonçalves. Segundo Alexander (2012), o trauma cultural se dá
quando ocorre uma fragmentação da noção de comunidade. Kehinde, protagonista
de Um defeito de cor, é sequestrada ainda criança em Uidá (África)
para virar escrava no Brasil. Ela passa por vários traumas: uma migração
forçada, a perda de vários familiares, estupro. No entanto, o foco da análise é
a escravidão enquanto trauma cultural, principalmente pelo aspecto da migração
forçada e de suas implicações, como questões linguísticas, culturais e religiosas.
O enredo do romance é complexo, pois além da trajetória pessoal da personagem,
há o painel histórico em que a narrativa está inserida. Kehinde, ainda
adolescente, tem um filho que viria a morrer ainda criança, em um trágico
acidente. Ela então se muda com sua Sinhá para Salvador e, com o tempo,
consegue sua carta de alforria. Ela se relacionar com um homem branco com quem
tem seu segundo filho, Omotunde, que seria anos mais tarde vendido como escravo
pelo próprio pai. A personagem procura anos pelo filho, indo até o que hoje
seriam São Paulo e Rio Janeiro atrás do menino, resolvendo por fim voltar para
a África, deixando pessoas de confiança a responsabilidade da busca por
Omotunde. Lá, ela reconstrói sua vida, se tornando uma grande comerciante e tendo
outros filhos. Já com uma idade muito avançada, Kehinde resolve voltar para o
Brasil para finalmente reencontrar seu filho, pois descobrira que pistas haviam
de se perdido no caminho do Brasil para a África. Já idosa e cega, faz
novamente a viagem da África para o Brasil e descobrimos que a história é
ditada no navio, direcionada para o filho. A história termina com o navio
chegando à costa do Brasil, mas não sabemos se a personagem-narradora sobrevive
para desembarcar e encontrar o filho. Nessas idas e vidas, a personagem se
envolve em diferentes revoltas, a maior delas sendo aquela que ficaria
conhecida como Revolta dos Malês, organizada por escravos de origem islâmica.
Em outra esfera, a personagem também busca ajuda e inspiração em diferentes
religiões africanas. Esses esforços que a personagem faz de se arriscar em uma
revolução, de gastar anos de sua vida tentando se tornar uma Vodúnsi (espécie
de sacerdotisa Vodún) são algumas das “reivindicações institucionais”
(Alexander, 2012) de que a personagem lança mão no processo do trauma cultural.
VIA. 11 de
outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA 120 DO PPG
VIA.1 Apenas um rapaz
latino-americano: a experiência do migrante nordestino na canção de Belchior
Nathalia Pinto, nathalia.pinto@lasalle.org.br
O maior dos movimentos de migração interna no
Brasil parte da região Nordeste. O flagelo da seca e as consequentes mazelas
sociais que se abatem sobre os nordestinos fazem com que este seja, desde que
se tem notícia, um povo que parte. O Sudeste é a região que mais recebeu esses
migrantes, pois foi, a partir da década de 1940, alvo de um massivo processo de
industrialização, o que fez surgir a demanda por mão de obra “barata”. De
acordo com dados de 2010, ainda vivem aproximadamente 4 milhões de nordestinos
em São Paulo. A literatura, o cinema e a canção popular do século XX
registraram e debateram esse fenômeno amplamente. A moderna cultura nordestina
se constitui, em grande medida, como a narrativa de viagem do migrante. A obra
do cantor e compositor cearense Belchior é um exemplo de como a canção popular
descreveu sob o olhar do viajante a experiência migratória. A própria condição
de artista nordestino exige a partida, uma vez que, nos anos 1970, quando Belchior
inicia a carreira, toda a indústria cultural brasileira se concentra no Sudeste
e, assim, “a vida de viajante”, outrora cantada por Luiz Gonzaga, se torna um
dos temas fundamentais da densa obra do compositor cearense. Luiz Gonzaga,
inclusive, é o primeiro de uma grande leva de músicos nordestinos que, a partir
da década de 1940, farão sucesso no “Sul” com canções que falam diretamente ao
migrante, explorando a “cor local” do sertão, a saudade, o deslocamento do
“matuto” e as dificuldades que enfrenta na cidade. O tema da viagem surge,
assim, intrinsecamente ligado à metalinguagem, ao fazer artístico, às
contingências impostas pelo capitalismo: é preciso partir para ser artista. O
eu-lírico das canções de Belchior se apresenta como um deslocado, um migrante
que não tem perspectivas no sertão e que, no Sudeste, sofre com o preconceito,
a falta de oportunidades, a solidão, as relações interpessoais fugazes. Ao
mesmo tempo, esse deslocamento do sertão rural e arcaico para a cidade moderna
e cosmopolita, reflete certo fascínio que os signos de mercado exercem sobre os
jovens sertanejos. Esse trabalho pretende, assim, analisar a obra de Belchior,
compreendendo de que formas a migração é abordada em sua produção artística,
que teve forte impacto e importância na tão famigerada “linha evolutiva da
canção popular brasileira”.
VIA.2 Sinais fechados: a
comunidade inconfessável (De Belchior a Foucault)
Daniel de Oliveira Gomes, setepratas@hotmail.com
Buscamos uma “ilha política” onde, refugiados, o
músico Belchior e o filósofo Foucault se achassem. Cada vez mais, artistas como
Belchior estão a refazer sentido nas travessias do presente (assim como
intelectuais como Blanchot e Foucault). Quer seja porque produziam cartografias
como se fizessem dissecções de seu tempo em contextos mais claros de repressão,
e elas volvem hoje mais que nunca necessárias, quer seja porque continuam ainda
a fornecer novos instrumentos de crítica aos naufrágios presentes, sobretudo
políticas. Tentamos notar uma resistência subjetiva do último Belchior e sua
migração para o Uruguay. Ela encaminha àquilo que poria Peter Pal Pélbart
acerca das reflexões do último Foucault como o dado de uma experiência
(im)pessoal? Guilherme Castelo Branco dizia, ao investigar as lutas pela
autonomia em Foucault, que o problema que animou o último Foucault foi - oposto
às suas fases iniciais - estudar o papel das resistências íntimas na complexa
trama com o presente, quando o autor passou a considerar, não tanto mais as
grandes articulações institucionais que formam o poder, mas sim a rede onde
“(...) desde então, Foucault passa a considerar que as lutas de resistência ao
poder devem ser entendidas como sendo aquelas que visam a defesa da liberdade.”
(CASTELO BRANCO, G. Imagens de Foucault e Deleuze. p.178.). E essa noção de
defesa da liberdade é muito ampla, serve-nos para raciocinar sobre esse
estranho desespero do jornalismo hegemônico do país que, após tanta amnésia com
relação ao artista, passou subitamente a seguir os dramas virtuais dos blogs e
das navegações das redes sociais, para “caçar” o compositor como um refugiado
da imprensa.
VIA.3 Viagem e memória em Hiroshima,
meu amor: confluências entre cinema, literatura e música
Cinara Ferreira e Carlos Walter
Soares, cinara.pavani@ufrgs.br e carloswasoares@gmail.com
O cinema é uma linguagem com
regras e convenções inerentes à dinâmica particular da produção da imagem (a
câmera, a tela, a luz, os cortes, o ritmo, o figurino, o cenário, o som). Por
sua natureza dialógica, a sétima arte aproxima-se de outras linguagens, entre
as quais a da literatura e a da música. Com a primeira, compartilha elementos
como o enredo, o diálogo, a narração e o desenvolvimento no tempo e no espaço.
A música, no cinema, é um recurso expressivo que enfatiza atmosferas
psicológicas e materializa o ritmo da narrativa fílmica, com sua presença ou
ausência. O objetivo deste trabalho é analisar elementos da literatura e da
música em Hiroshima, meu amor na composição dos conflitos representados
em torno da viagem e da memória instaurada a partir do deslocamento. Dirigido
por Alain Resnais, com roteiro de Marguerite Duras, Hiroshima, meu amor,
de 1959, propõe uma linguagem espontânea e com técnicas inovadoras para época.
Inicialmente, o filme é pensado como um documentário, no entanto,
insatisfeito com o resultado, Resnais convida Marguerite Duras para escrever o
roteiro, que tem conexões diretas com a literatura da autora. Tendo como
cenário Hiroshima, o enredo intercala imagens das sequelas da bomba atômica
lançada na cidade em 1945 e o caso de amor entre uma atriz francesa e um
arquiteto japonês. A atriz viaja para o Japão para filmar uma história sobre a
paz. Nessa viagem, ocorre mais do que um deslocamento geográfico, pois a
relação amorosa entre os dois faz emergir as memórias traumáticas de um antigo
e proibido amor vivido por ela em Nevers, sua cidade natal, na França ocupada
pelos nazistas. Filmado em preto e branco, o filme se constitui de contrastes
que remetem às dicotomias constitutivas da trama: memória e esquecimento,
passado e presente, guerra e paz, amor e ódio, silêncio e som. Nesse sentido, a
música, composta por Giovanni Fusco e Georges Delerue, pontua os contrastes de
forma pungente funcionando como um elemento chave para a expressividade do
drama. Hiroshima, meu amor conduz para uma poética reflexão sobre a
experiência traumática da segunda guerra e a necessidade de relatar o trauma
para sobreviver.
VIA.4 O espaço e o movimento
do Rio em Danúbio (2008), de Claudio Magris
Fidelainy Sousa, fidelainys@gmail.com
Com este trabalho pretendo
investigar os aspectos sobre o movimento e o espaço da viagem presentes
em Danúbio, de Claudio Magris (2008), considerando que
a literatura é receptora das mudanças dos espaços, mas também é influenciadora
de elementos para tais mudanças. A proposta é analisar o trânsito entre o rio
Danúbio, os sujeitos e espaço que ele transforma, dentro de uma perspectiva
pós-moderna, através do pressuposto de que é possível identificar o fluir das
águas como passagem. Para articular a imagem do rio como espaço de passagem é
preciso afirmar que o fluxo das águas não e de suas nascentes não se prendem em
limites geográficos, para perceber que o rio Danúbio é a passagem livre entre
os países que ele atravessa. As diferenças de línguas e culturas, não são
limitações ou mesmo inscrições que marcam identificações de supremacia entre
nações, mas são responsáveis por atravessar regiões e países distintos, fato
que promove os encontros entre nações e não a compartimentalização delas. A
passagem por esse rio também serviu como rotas comerciais para a exploração
econômicas, assim como, representou o trânsito ideológico e espacial entre o
continente americano e europeu até se tornar o principal responsável pelo
acesso entre mundos culturais de realidades inimagináveis. Sendo assim,
pretendo redirecionar o lugar do sujeito na sociedade, considerando sua
importância na produção literária e na construção social pós-moderna e, ainda,
articular a imagem do rio na intenção de afirmar o fluxo das águas como espaço.
Para trabalhar tais aspectos é preciso do diálogo teórico entre as perspectivas
de Richard Rorty (2006) e Ottmar Ette (2009) sobre o espaço cultural e os
estudos Estudos de Transárea, respectivamente. Portanto, pretendo
afirmar que o objeto literário é anunciador de movimento, diálogos,
ressignificação e apropriação cultural, considerando que a realidade cultural
serve de constructo analítico do “eu” e do “outro”, pensado por Bhabha (2012).
VIB 11 de
outubro, das 16h às 17h30min — LOCAL: SALA 105
VIB.1 Da dor de perder o que
não se tem
Daniel Conte, danielconte@feevale.br
A defesa de um diálogo entre a
Literatura e a História tem em Hayden White um dos seus principais expoentes.
Ao incursionar pelo terreno da Historiografia e da Literatura Comparada, o
teórico norte-americano sublinha a circunscrição do discurso histórico como uma
prática eminentemente narrativa. White reflete sobre a necessidade de expansão
das fronteiras da História, no que concerne às suas definições e métodos de
investigação e escrita, insistindo em que sua tendência tem sido a de manter-se
situada no âmbito dos paradigmas literários e científicos do século XIX, quando
deveria abrir-se a procedimentos críticos que ocasionaram transformações no
âmbito da Literatura, da Arte e da Ciência. E é justamente isso que fazem os
escritores que serão discutidos no corpus deste trabalho: conferem maior
amplitude aos fatos históricos, revendo e desvelando, por via da ficção, as
narrativas manifestadas pelo discurso oficial dos estados brasileiro e
timorense, materializando uma outra caligrafia política em forma de “criações
intercambiáveis”, se pensarmos aqui em Benjamin Abdala Junior. Consoante White,
todas as exposições dos acontecimentos históricos fundamentam-se em narrativas
que revelam a coerência, a integridade, a plenitude e a inteireza de uma imagem
de vida que é, e só pode ser, imaginária. A reflexão de White sustenta que as
relações entre Literatura e História devem considerar o fato de ambas serem
formas narrativas, que têm como instrumento comum a linguagem. Nessa ordem,
este trabalho se ergue a partir dos reflexos e das máculas da superprodução e
do subconsumo que marcaram o dia 24 de outubro de 1929 em Nova York,
ocasionando a quebra da bolsa de valores e a grande depressão econômica dos
anos seguintes. Esse movimento trouxe consequências que, ainda, figuram nas
ficções em língua portuguesa. O crash fortaleceu o papel do Estado nas
atividades econômicas e acelerou o fim do liberalismo. Foi desde este movimento
econômico que se começou a organizar em terras colonizadas por Portugal, uma
elite crioula que atravessou o Atlântico em direção à metrópole em busca de
conhecimento formal nas universidades lusitanas. Este trabalho busca evidenciar
a figuração desse evento histórico e o tratamento estético que lhe é dado nas
obras Órfãos do Eldorado, de Milton Hatoum e Requiem para o navegador
solitário, do timorense Luis Cardoso.
VIB.2 Outreidade, Latinidades:
a escrita viajante de Erico Verissimo
Nícollas Cayann, nicollascayann@gmail.com
Alicerçado, majoritariamente, nos
conceito de Literatura de Viagem o artigo busca estabelecer uma conversa entre
a categoria de viajante “Ambassador” de Hulme e Youngs (The Cambridge
Companion to Travel Writing) e a terminologia de escritor/diplomata, de
Fernanda Peixoto (no artigo Letras y diplomacia en el Brasil: una
aproximación en tres tiempos), delineando, assim, o estilo de
escritor-viajante de Erico Verissimo. O artigo busca aferir, de forma
comparativa, a posição de Erico Verissimo dentro das categorias de
escritor-viajante (como Embaixador Cultural), assim como debater a questão da
outreidade na ideia de América Latina principalmente naquilo que tange a
pluralidade da(s) identidade(s) latino-americana(s). Fazendo uso de uma análise
documental e de revisão bibliográfica em seus cernes conceituais, teóricos e
históricos, partindo de dados secundários e uma abordagem qualitativa, o
objetivo do artigo é através da análise da obra México (1957) de Verissimo,
encontrar um balanceamento entre as duas categorias de escritor viajante
mencionadas acima e de verificar a narrativa de latinidade(s) em México:
narrativa de viagem colocando Erico Verissimo no espelho da outreidade do “eu”
latino.
VIB.3 O texto literário como
guia de viagem do turista contemporâneo
Jamile Cezar de Moraes, jamilecezar@gmail.com
O presente trabalho visa discutir
o papel do texto literário compreendido como guia de viagem para o turista
contemporâneo. Para tanto, inicialmente, entende-se que o turismo é um fenômeno
social e que se constitui por meio das mais diferentes áreas do conhecimento,
sendo, na sua essência, interdisciplinar. Já a literatura, é compreendida como
uma manifestação artística, que, por meio da palavra escrita, apresenta ao
leitor diferentes experiências, as quais têm a capacidade de provocar
sensações, sentimentos e reflexões tanto quanto os destinos turísticos
visitados. Dessa forma, não é difícil aproximar o turismo das manifestações
artísticas e culturais, pelo contrário, essa prática não o reduz, ou
inferioriza as manifestações, essa realidade faz com que a experiência
turística seja resultado do contato prévio com a literatura, música, dança,
despertando no turista o imaginário da paisagem a ser vista, do contato com a
língua, arte, gastronomia, história, patrimônios tenha outro valor. Do ponto de
vista da literatura, o turista se torna leitor-turista, modificado pela
leitura, pela influência da narrativa, da construção do cenário, das personagens,
do imaginário despertado pela leitura. Pelo viés do turismo, ele se torna
turista-leitor, cuja curiosidade foi ampliada pela leitura da obra literária,
intensificando o desejo de viver a experiência da viagem e o contato com o
destino turístico. Nessa perspectiva, a escolha pelo destino pode ser
influenciada pelo livro que está lendo, pelas indicações de outros leitores e
pela curiosidade em compreender como o destino é apresentado pelas obras
literárias. Com isso, as viagens ganham um novo olhar, valorizado pela presença
do texto literário como guia de viagem, que desperta a curiosidade do turista,
não reduzindo o turismo a uma prática consumista e até mesmo vazia, mas, sim,
uma experiência sociocultural bastante importante no processo de compreensão e
relação com o outro e sua cultura. Como exemplos dessa aproximação, pode-se
pensar em autores como Miguel Torga, José Saramago, Machado de Assis, Manuel
Bandeira e Luiz Fernando Veríssimo, além de Fernando Pessoa, Carlos Drummond de
Andrade e Baudelaire.
Evelyn não está bem na República
Democrática Alemã, mas seu companheiro, Adam, vive no paraíso. Então, eles e
seus companheiros de travessia partem do lado oriental de Berlim, numa viagem
de férias que se torna uma fuga, mas chegam ao outro lado quando este não é
mais o outro lado, quando tudo já se transforma em um Estado Alemão
politicamente unificado. Como vão tocar suas vidas a partir de então, com as
novidades que o mundo capitalista lhes apresenta? E a que lugar chamarão
de lar: a nova casa, onde precisarão aprender a lidar com situações novas, ou a
casa de onde vieram, que já foi saqueada e para a qual não há condições de
retorno? No mesmo período, Alex não está contente com a vida em Berlim
Oriental, enquanto Christiane vive o regime socialista plenamente. Ele esperou
– e lutou para - poder viver a abertura ao lado ocidental; no entanto, agora
precisa manter de pé as aparências da república que foi seu lar por toda a
vida, em nome da saúde de sua mãe. Como ficar, logo agora que é possível sair
do lugar? E como recriar artificialmente um paraíso particular para Christiane,
quando ele preferiria estar longe dali e, sobretudo, daquelas condições que
necessita manter? Atravessar fronteiras ou construí-las; sair do lugar ou
permanecer; habitar um novo espaço ou tentar reconstruir um espaço; começar uma
nova vida ou manter uma vida a qualquer custo; todas essas e muitas outras
dúvidas se apresentam ao aproximarmos as experiências das personagens do
livro Adam e Evelyn, de 2013, do escritor Ingo Schulze, e das
personagens do filme Adeus, Lenin!, dirigido por Wolfgang Becker,
de 2003. Quando a fronteira entre a Alemanha Oriental e a Ocidental deixou
de existir, os habitantes dos dois lados tiveram que aprender a conviver com
um outroque já não era mais tão outro. Entretanto,
antes de partir para essa nova experiência, foi necessário se descolar da vida
pregressa; e isso nem sempre foi fácil. Ir ao encontro do mundo ou deixar que
ele venha até sua porta talvez não sejam travessias tão diferentes assim.
VIA.4 Não é possível retornar
ao paraíso quando se faz a travessia para o mundano
Raquel Belisario da Silva, raquel.belisario@acad.pucrs.br